Uma aventura em que todo o conhecimento de eletrônica do fantástico Professor Ventura parecia insuficiente para derrotar a imaginação de quem quer levar vantagem em tudo, não importando que meios usar. Veja como o Prof. Ventura e seus amigos Beto e Cleto resolveram este intrigante “caso eletrônico”.


Não era incomum o Professor Ventura ser chamado à sala do diretor da escola técnica para resolver, de tempos em tempos, problemas “não eletrônicos”. A imaginação e o conhecimento do professor haviam sido úteis em muitos casos onde, inclusive, fantásticos recursos eletrônicos haviam sido utilizados. Ao que parecia, não era desta vez que o professor teria um caso difícil, tanto que depois da reunião com o diretor, o velho Prof. Salgado, sem muita preocupação ele resolveu pedir a ajuda de Beto e Cleto, seus melhores alunos de eletrônica. No seu bem equipado laboratório, o Professor Ventura explicou aos seus dois alunos (e amigos) do que se tratava:

- O Professor Salgado está preocupado, e com razão. Estamos próximos do vestibular e esta escola, por ser uma das melhores do país, é muito cobiçada. Não será difícil ocorrer, como no ano passado, alguma tentativa de “cola” ou fraude mais sofisticada, usando a eletrônica, por exemplo...

Os dois rapazes prestavam atenção, mas sem muito interesse, pois ainda estava na memória de ambos, o caso do aluno que tentou fraudar a prova usando um comparsa que lhe passava as respostas ao questionário do vestibular via rádio. No entanto, o “infeliz” havia escondido o rádio no bolso e puxado um fone até o ouvido para ouvir a mensagem do comparsa. O que ele não havia previsto é que na ocasião do vestibular era pleno verão e ele tentou disfarçar o fio do fone com um bem enrolado cachecol em torno do pescoço. O rapaz, suando, de cachecol, num dia em que a temperatura passava dos 30 graus, despertou facilmente a atenção dos examinadores, que logo descobriram a fraude. O Professor Ventura continuou com suas explicações:

- O que preocupa o Professor Salgado é que temos tido muitas notícias de tentativas semelhantes em vestibulares e uma faculdade recentemente até convocou uma viatura goniométrica do Dentel para fazer uma “varredura” nas imediações do prédio durante o vestibular, detectando assim qualquer emissão estranha.

- E o Sr. Acha que pode ocorrer o mesmo aqui? – perguntou Cleto.

- Considerando que esta é uma escola técnica, não será difícil que algum de nossos candidatos já domine alguma coisa da eletrônica e faça uma tentativa de usar conhecimento. – O Professor Ventura estava chegando ao ponto principal do problema.

- E onde nós entramos nisso? – Era a vez de Beto se manifestar, naturalmente de uma forma agora mais impaciente.

- Como responsável pelo Curso de Eletrônica, o Professor Salgado me escalou para “monitorar” eletronicamente os exames, detectando qualquer eventual tentativa de cola, utilizando meios sofisticados que a imaginação maquiavélica dos desonestos possa criar, e que nossos fiscais não possam perceber por meios comuns!

 

 

 



Era um desafio interessante que agradou aos dois rapazes que imediatamente se propuseram a colaborar no que fosse possível. A idéia do professor era simples. Usando receptores, ele faria a varredura do espectro eletromagnético detectando os sinais mais fortes que poderiam indicar um transmissor oculto nas proximidades. A partir do transmissor ele poderia chegar ao receptor.

Seu “trunfo” era um scanner que ele havia comprado numa viagem ao exterior e que dava cobertura contínua dos 30 aos 870 MHz, com um sistema de programação automática para varredura. Este interessante aparelho “varria” a faixa programada e ao encontrar qualquer sinal parava, colocando-o no alto-falante. Se o operador não se interessasse, bastaria pressionar a tecla search e ele continuaria a varredura até o próximo sinal. Chegando ao fim da faixa programada, o aparelho voltava automaticamente ao seu início. Para as freqüências abaixo dos 30 MHz, o professor contava com um velho rádio de ondas curtas que seria operado pelo Cleto. Uma atenção especial seria dada à faixa de FM, graças à popularidade dos transmissores pequenos, que até podiam ser adquiridos prontos em casas especializadas. Um conjunto de antenas direcionais portáteis havia sido preparado para facilitar a localização do transmissor, quando seu sinal fosse captado e, os que formavam o grupo de ‘ patrulha”,  eram ainda equipados com potentes walkie-talkies.

Beto foi encarregado de operar, durante o exame, um rádio de FM, varrendo toda a faixa constantemente, à procura de sinais estranhos.
Dois dias antes dos exames estava tudo combinado, quando Cleto entrou nervoso na sala onde o Professor Ventura dava os últimos retoques no seu sistema, instalando antenas que aumentassem a possibilidade de captar sinais fracos nos três receptores:

- Tenho algo interessante para contar!

O Professor Ventura logo percebeu o nervosismo do rapaz, e pediu-lhe para se acomodar numa cadeira e depois continuar. As novidades não eram boas:

- Ouvi uma conversa estranha daquele “maluco’ do Teodósio do segundo ano, que deu a entender que seu primo Zeca não vai ter dificuldades para passar nos exames com o “jeitinho” que ele “bolou”.

Considerando que o tal de Teodósio era famoso por algumas montagens de coisas que já haviam trazido problemas para a escola como, por exemplo, um potente transmissor que foi apreendido por causar interferências na rádio local, era de se esperar que havia algo no ar e que não era blefe. Seria preciso ficar atento!

- Que diabos estaria planejando o Teodósio? – Cleto fechou a cara, sabendo que se aquele rapaz estava envolvido em alguma coisa, era para preocupar.

Beto tinha uma recomendação a fazer:

- É melhor ficar de ôlho nesse indivíduo! Se alguma coisa vai acontecer, pode contar que vem dele. Vamos ver se descobrimos mais alguma coisa.

De fato, conversando com colegas que tinham contacto com o Teodósio, os dois rapazes descobriram que realmente ele havia preparado algum tipo de “cola” eletrônica para seu primo, e que segundo se dizia, era infalível. Os dois levaram suas preocupações ao Professor Ventura que ponderou:

- O Teodósio é inteligente, apesar de usar isso com finalidades nem sempre decentes, por isso devemos estar atentos. Não podemos subestimar o indivíduo, pois realmente ele pode nos enganar, mas estamos preparados! – O professor falou isso com confiança, batendo levemente com as mãos no seu scanner, prontinho para entrar em funcionamento. Agora era só esperar o dia dos vestibulares.



No dia do vestibular, bem cedo, Beto e cleto já aguardavam na porta da sala do Professor Ventura, com todo o equipamento pronto para entrar em funcionamento. Não demorou muito para que o professor chegasse, abrisse a sala antes das 8 horas, dando tempo para que tudo fosse ligado e todos ocupassem seus postos.

- Viram alguma coisa estranha nas imediações da escola?- A pergunta tinha sua razão de ser.

Um caminhão, carro ou outro veículo com alguma antena ou estacionado em uma posição suspeita poderia indicar a presença de um transmissor, talvez com o tal Teodósio já prontinho para entrar em ação. Afinal, ele não havia sido visto nas vizinhanças.

- Não, pelo menos não com antenas.

Muitos candidatos começaram a chegar à pé, enquanto que outros, sozinhos ou em grupos, estacionavam seus carros nas proximidades da escola, Aparentemente nada de anormal havia nos carros que chegavam, segundo constataram os atentos rapazes. O equipamento eletrônico foi ligado pouco antes das 8 horas e a varredura começou.

Neste mesmo instante, uma perua de serviço de som, com duas enormes cornetas na parte superior e com o Teodósio no volante estacionou no pátio. Um amigo de Beto e Cleto, que estava informado do que poderia haver, correu e avisou a ambos.

- Não é possível que ele vá irradiar pelos alto-falantes as respostas do questionário, ele não seria burro! Não há dúvida que nesta perua tem coisa, provavelmente o transmissor, se é que ele existe. Vamos ficar vigiando!

Beto até saiu um pouco da sala de rastreamento e, como quem não quer nada, rodeou a perua, procurando algum sinal de antena ou qualquer outra coisa suspeita – mas nada!

- Aí tem maracutaia! – não havia dúvida de que aquele estranho carro de som poderia esconder um transmissor, mas isso só se revelaria quando ele começasse a transmitir! Não havia sinal visível de antena ou outro meio de irradiar sinais.

Os exames começaram pontualmente às 8 horas. O professor e seus dois alunos já estavam à postos nos receptores. Varrendo todo o espectro de RF, os mostradores dos rádios iam e vinham, mas nenhum sinal anormal era detectado. De vez em quando, havia uma parada em alguma estação local, num chamado de uma viatura de polícia e até mesmo num avião chamando a torre do aeroporto local, mas de estranho, nada e o tempo passava, preocupando cada vez mais os rastreadores.



Os relógios indicaram 9 horas e nada! Os exames estavam previstos para ir até o meio dia.

Às 9:30 o professor já estava nervoso:

- Não é possível! Se há alguma coisa, deve estar naquele carro de som. Por que vocês dois não pegam meu medidor de intensidade de campo e, disfarçadamente, rodeiam a perua. Quem sabe podem detectar algum sinal numa faixa que não monitoramos, por exemplo, das micro-ondas?

Os dois atenderam imediatamente à solicitação do professor. Alguns minutos depois eles disfarçadamente rodeavam o carro com o instrumento ligado, mas nada! Nenhum “pingo”  de RF a ser registrado.

Desanimados, e cada vez mais intrigados, os dois voltaram e antes de entrar no prédio sentaram-se nos degraus de acesso:

- E essa, agora! Tem alguma coisa, mas o danado do Teodósio nos passou a perna. Que diabo de “onda” ele pode estar usando? Você reparou que as cornetas emitem uns estalidos estranhos, como se o amplificador estivesse ligado? – Beto pôs-se a pensar.

- Sim, mas não detectamos nada. Não tenho a mínima idéia de que diabos de ondas estariam usando. Micro-ondas, ondas super-longas, raios-X, raios cósmicos, sei lá, mas alguma coisa que não podemos detectar!

- E se invadirmos a perua? – Cleto já estava perdendo a paciência.

- Nada feito! Se não houver nada, quebramos a cara! Precisamos ter certeza para qualquer tipo de ação. Lembre-se das recomendações do diretor ao Prof. Ventura.

De fato, uma acusação de fraude era algo grave demais e não poderia ser feita sem provas. Neste instante algo chamou a atenção de um dos rapazes:

- Que coisa estranha! – Falou Beto.
- O que foi agora? – perguntou Cleto
- Você já viu o velho Fido se comportar deste jeito?

Beto se referia ao cachorro mascote da escola que parecia agitado, andando de um lado para outro, e de vez em quando, parando para coçar as orelhas. O cão, de temperamento calmo, realmente nunca havia se comportado daquele modo.



- Alguma coisa o incomoda, e não são pulgas!
- Como assim? O que tem a ver um cachorro incomodado com o nosso problema? – Cleto não percebeu o que ocorria, mas imediatamente Beto teve um estalo na sua mente:

- Vamos falar com o Professor Ventura!

Cleto não achava importante o que via, mas para Beto não era assim – e ele tinha razão! Era um palpite, mas ele podia estar certo. Seu amigo, percebendo que ele tinha um sorriso estranho, de quem encontrou uma solução para um problema complicado, pediu explicações:

- Já vi que você ‘pegou”  algo no ar, mas eu ainda não percebi o que é. Poderia me explicar o que o “gênio” está pensando?

Beto não tentou dar maiores explicações ao amigo antes do professor chegar. Chamou-o imediatamente pelo walkie-talkie e deu algumas informações rápidas sobre o que estava ocorrendo. O professor chegou logo e observou o comportamento anormal do cachorro.

- Acho que você tem razão! – disse o professor.

Cleto, que não estava entendendo nada do que acontecia, pediu explicações;

- Poderiam me dizer o que está acontecendo? Vocês acharam algo, sem dúvida, e tem a ver com o cachorro, mas francamente, essa eu não entendi!

O professor explicou então:

- O que um cachorro pode ouvir e que nós não, e que, se for em alta intensidade, o incomoda?

A pergunta do professor acendeu na mente de Cleto a proverbial lâmpada, e ele então logo percebeu tudo:

- Ultra-sons! Isso mesmo, ultrassons!

Quando Cleto finalmente entendeu a coisa, Beto e o Professor Ventura já corriam desesperadamente para o laboratório. O Professor Ventura corria na frente e quando os dois rapazes o alcançaram ele já abria um velho armário cheio de equipamentos eletrônicos, de onde retirou uma caixinha que logos os rapazes reconheceram como um antigo projeto, no qual haviam trabalhado juntos:

- Um ouvido ultrassônico! – Exclamou com vigor Cleto.

- Isso mesmo – confirmou o professor já colocando baterias novas na caixinha semi-aberta – Se há algo que vai nos dizer se estamos certos em relação a esta suspeita, será este aparelho!



O ouvido ultrassônico era simplesmente um sensível microfone capaz de captar sons na faixa inaudível até 80 kHz e, aplicando estes sinais a um conversor, os transferia para a faixa audível, onde podiam ser reproduzidos num pequeno alto-falante ou fone. Sons inaudíveis como os gritos de morcegos, alguns insetos e mesmo barulhos de máquinas, podiam ser explorados com aquela “pequena maravilha”. Na ocasião em que os rapazes e o Professor montaram o ouvido ultra-sônico, ele havia sido uma espécie de sensação! Todos os barulhos possíveis da escola, cidade e mesmo das matas das vizinhanças haviam sido explorados, gravados e comentados. Mas, acabada a novidade, e não havendo mais o que explorar, o aparelhinho jazia guardado sem uso há muito tempo, no armário de “invenções” esquecidas do Professor.  Mas, a surpresa aconteceu mesmo quando o ouvido foi ligado. Girando o microfone lentamente na direção da janela e ajustando a sensibilidade, um sinal foi captado:

Di-da-di , di-di-da, ....

- Código Morse!... Achamos a transmissão!

Num misto de surpresa e satisfação, os três pararam por um instante para ver se podiam interpretar os sinais:

Cleto ia falando e já com lápis e papel na mão, Beto anotava:

- 23-a, 24-d, 25-c, 26-d ....

- As perguntas e respostas da prova! Ele está transmitindo o gabarito por meio de ultrassons! Vamos pegá-lo!

Imediatamente a segurança da escola foi acionada. Correram todos até o carro de som. À medida que se aproximavam com o ouvido ultra-sônico ligado, os sinais iam se tornando mais fortes. Não havia dúvida quanto à sua procedência. Depois de cercar o veículo, bateram na porta de trás. Insistiram algumas vezes até que ele fosse aberta. Os estranhos ocupantes do veículo ainda tentaram ficar quietos, mas como viram que não havia outra alternativa, saíram. Eram três os ocupantes do veículo. Teodósio, um amigo que atendia por João e um rapaz que logo foi identificado como um candidato que, misteriosamente havia deixado a sala do exame muito rapidamente, logo que a saída foi liberada.

Pelo que se descobriu depois, este sujeito freqüentava os últimos anos de uma escola técnica da cidade vizinha, e havia sido “contratado” para passar a cola. Ele entraria como um vestibulando e resolveria rapidamente as questões. As respostas seriam anotadas e ele sairia rapidamente com todas elas para passar pelo sistema ultra-sônico a transmissão, ao primo do Teodósio.Faltava entretanto “pegar” o rapaz que receberia as mensagens

Imediatamente o diretor, que havia sido informado de tudo, acompanhou o Professor Ventura, os rapazes e a segurança até a sala, de onde o rapaz suspeito foi convidado a sair.

- Mas o que foi que eu fiz? – perguntou cinicamente o rapaz.

- Já veremos! – Neste ponto, o diretor mandou que ele fosse revistado.

Uma caixinha no bolso do rapaz chamou a atenção, já que ao ser retirada, ficou patente que havia um fio preso a alguma parte do corpo do rapaz.

- Sabemos de tudo! O seu transmissor ultrassônico já foi apreendido e os seus companheiros já confessaram. – Com essa afirmação, o diretor procurava mostrar que não adiantava mais tentar fugir a qualquer responsabilidade. O rapaz cedeu e contou tudo.

Mais tarde, no laboratório, o Professor terminava a análise do equipamento usado pelos indivíduos. O Diretor e os rapazes estavam interessados nos detalhes técnicos. O Professor explicou como funcionava o receptor.

- Na caixinha havia um sensível microfone ultra-sônico. Os sinais captados por este transdutor eram enviados a um amplificador e depois a um divisor de freqüência, passando a ter um valor da ordem de alguns kHz.

O professor tomou fôlego e continuou:



- Estes sinais eram então amplificados e aplicados a um pequeno transformador de alta tensão, ao qual estavam ligados eletrodos, em contato com a perna do rapaz. A cada sinal ele recebia uma pequena descarga, semelhante a um formigamento, que só ele percebia. Treinado na recepção do Código Morse, ele não tinha dificuldade alguma em anotar a mensagem!

-  Muito engenhoso! – comentou o diretor.

O Professor Ventura concordou:

- Sim, sabendo que estaríamos vigiando o espectro das rádio-freqüências eles acreditavam que, operando com ultra-sons, não haveria possibilidade de detecção. Nenhum rádio capta ultra-sons.

- É, mas eles não contavam com o ouvido do velho Fido!

- Merece uma recompensa – O Diretor pensava em algo quando Beto sugeriu:

- Um belo e suculento osso viria a calhar!

- Isso mesmo, e eu providencio! – Cleto certamente iria ao açougue do “seu” Matias em busca da saborosa encomenda.

No dia seguinte, enquanto o cachorro chamava a atenção de todos no pátio pelo enorme osso que roía, os três malandros que tentaram fraudar os exames amarguravam as pesadas sanções que lhes foram impostas: responderiam a um processo por tentativa de fraude, Teodósio foi expulso da escola e o seu primo perdeu para sempre a oportunidade de cursar a tão cobiçada escola técnica!