As novidades eletrônicas sempre fascinam as pessoas do ramo, e mesmo as que não estão no ramo. Se bem que o diretor da escola técnica não fosse muito ligado em "utilidades eletrônicas", desta vez ele voltou entusiasmado de uma visita a capital, onde foi com o Professor Ventura. Além de comprar componentes e instrumentos para os laboratórios, ele viu pela primeira vez em funcionamento um Home Theater, resolvendo aproveitar a novidade na escola. Home Theater, uma palavra nova para muitos, é o tema desta estória (*).


(*) Na época em que esta estória foi escrita, realmente Home Theater era uma novidade, ocupando lugar de destaque nas lojas em que os primeiros televisores de tela grande começavam a fazer sucesso. Nesta época os DVD players ainda não eram comuns, e o videocassete era utilizado na reprodução de filmes. Os efeitos de Surround e outros exigiam então o emprego de decodificadores externos, como o leitor vai perceber. Os CDs players já existiam, mas para a reprodução sonora.

A visita a Capital tinha sido muito proveitosa, principalmente depois que encontram com um velho amigo do Professor Ventura, acidentalmente, numa loja de componentes. Roberto, que trabalhava numa grande industria de componentes eletrônicos tinha, nas suas horas livres, um hobby e esse hobby tinha um nome ainda pouco familiar para o Professor e completamente desconhecido para o diretor da escola:

- Home Theater? Mas, o que é isso?...

Roberto convidou-os então para ver a maior novidade em termos de áudio e vídeo (A/V) e que havia "implantado" no seu "espaçoso" apartamento.

- A idéia é trazer para nossa casa, não só a imagem do cinema, com o uso de televisores digitais de telas grandes ou ainda "telões" , como também o som com um sistema de muitas caixas acústicas e separação de canais!...

O rapaz ia entrando no apartamento ao mesmo tempo que explicava detalhadamente  tudo ao Professor e ao diretor. Uma "idéia geral" da "coisa" era o que Roberto queria passar aos dois:

- O som de muitas gravações é em Dolby Stereo, Dolby Pro-Logic ou outros processos modernos, e os efeitos obtidos são sensacionais! Vocês devem ter visto no cinema os filmes "Guerra nas Estrelas" ou "Dança com Lobos"!

- Sim, foi sensacional! - comentou o Professor que tinha visto o filme na Capital. O Professor Salgado, diretor da escola, não teve a mesma sorte pois, o único alto-falante do modesto cinema de Brederópolis, não dava mais do que uns 10 watts do velho amplificador valvulado, e mesmo assim com certa distorção!...

- Pois bem, as trilhas desses filmes, além dos dois canais normais, possuem ainda canais "surround" que nos envolve em som com alto-falantes traseiros e laterais. No sistema Pro-logic ainda vamos além, pois temos um alto-falante central e até um sub-woofer!...

- Sub-woofer? - termos técnicos nunca foram familiares para o Diretor. Roberto continuou:
- Sim, um alto-falante para os sons muito graves como explosões, desabamentos, avalanches, terremotos!... Isso dá um realismo fantástico aos filmes...

- E você colocou tudo isso no seu apartamento? - O Professor não tinha idéia como, mas Roberto os fez entrar em seu "Home Theater". Era uma pequena sala em que ele havia feito diversas adaptações. Num canto o grande televisor de plasma de 42 polegadas com dois alto-falantes pequenos na parte superior, dois laterais e um alto-falante central maior. E, por toda a sala, formando o sistema "surround", alto-falantes espalhados. Uma poltrona de três lugares ficava diante do televisor, em posição estrategicamente determinada...

- Não disponho de espaço aqui para todos os alto-falantes que gostaria de ter, pois meu amplificador tem saídas para "apenas" 11 caixas, mas "dá-se um jeito"!...

Roberto continuou:

- Pois é, o problema maior foi com o "sub-woofer" que dá os efeitos melhores com os sons graves: só encontrei um lugar para instalá-lo! Adivinhem onde?

O Professor e o diretor olharam por toda a sala. Evidentemente o Professor Salgado, mesmo se visse o tal de "sub-woofer", não teria condições de identificá-lo mas o Professor Ventura também não viu nada!

- Não tenho idéia! - exclamou finalmente o Professor.

O fã do Home Theater explicou triunfante:

- Está sob a poltrona!...

O Professor olhou desconfiado para a poltrona onde notou algumas aberturas laterais para o som, os "pórticos". Com dúvidas, ele perguntou:

- Puxa! Mas não tem problemas de acústica?

- Realmente tem, mas não de acústica! Os 500 watts que aplico nele são suficientes para vencer qualquer resistência!...

- Mas então, que tipo de problema ocorre?

- Bem, fica difícil assistir filmes de guerra comendo pipocas!...

O Professor e o diretor quiseram rir, mas se contiveram. O rapaz continuou:

- Outro problema que eu notei foi quando trouxe minha tia de 80 anos para assistir o filme "O Terremoto"...

- Sim?
Os olhares do Professor e do diretor eram de interrogação:

- Ela perdeu a dentadura!...

- Bem, se foi só isso, então não há porque se preocupar!...

Mas, havia mais! Roberto continuou:

- Teve outro probleminha ainda!... Outro dia eu trouxe meu amigo Toninho, também para assistir "O Terremoto"!...

- E daí?...

- A poltrona vibrou tanto que, quando o filme terminou, ele não sabe como, mas a cueca foi parar no bolso do paletó!...

Novamente o Professor e o diretor da escola tentaram rir, mas não conseguiram. O que importava é que, apesar do espaço reduzido, a demonstração que Roberto fez em seguida foi impressionante, e muito! Na volta a Brederópolis, o Professor Ventura foi chamado pelo diretor em sua sala:

- Gostaria de ter um "Home Theater" na escola, pois teríamos muito mais realismo nos filmes educativos que alugamos, além do que não podemos ficar atrasados em relação às novidades da eletrônica! Mas, aqui entre nós, eu poderia também usá-lo em algumas seções particulares!...



O Professor Ventura concordou com o Professor Salgado:

- Sabe, depois de nossa volta também estive pensando nisso, e até fiz um esboço de um projeto! O senhor sabia que o nosso anfiteatro pode ser facilmente adaptado para se tornar, não num "Home Theater", mas algo intermediário, quase um "Theater", com o som de um cinema Dolby Stereo ou mesmo Pro-Logic e mais avançados?

Os olhos do diretor brilharam:

- Verdade?

O Professor continuou:

- Sim, e não precisamos muito! Estive verificando o nosso equipamento. Ficará relativamente barato se aproveitarmos os muitos amplificadores montados por nossos alunos para estudo! A potência somada é mais do que suficiente para um bom efeito!    
Precisamos apenas de um decodificador e de alguns alto-falantes adicionais no anfiteatro!

O diretor fez uma careta:

- E que "diabo" é isso de decodificador? Custa caro?

- Não! Isso é de menos!

O diretor da escola técnica coçou o queixo e fez um pedido ao Professor:

- Compre o que precisa, mas não gaste muito!

Saindo da sala do diretor, o Professor Ventura encontrou Beto e Cleto e mesmo antes que eles o cumprimentassem ordenou:

- Venham comigo!

No laboratório, o Professor Ventura explicou tudo aos rapazes que acharam a idéia muito interessante:

- Puxa! Já imaginou os filmes do George Lucas com o som original, e aqui na nossa escola! Não precisamos mais viajar para ver os filmes mais interessantes nos cinemas das cidades maiores! - exclamou entusiasmado Cleto.

- Seria uma glória! De fazer inveja a todas as escolas técnicas! - Beto tinha razão.

- Mas, diga Professor, isso é viável?

O Professor acalmou os dois e explicou:

- Já temos quase todo o equipamento que basicamente consiste num telão, ou seja, um projetor de TV, um aparelho de videocassete, um CD-player e bons amplificadores além de um decodificador para Home Theater!

- Mas, afinal, o que faz esse decodificador? - Beto queria mais informações:

- Ele simplesmente separa os diversos canais de som, exatamente como um decodificador estéreo de FM, mas com maior número de saídas!

- Puxa! Deve custar caro! - exclamou Cleto assustado.

- Na verdade não, pois podemos comprar um do tipo passivo, ou ainda com circuitos ativos que operam com sinais de pequena intensidade. - o Professor Ventura, dava mais explicações. Ele continuou:

- Isso significa que o decodificador é de menos, já que não custa muito caro.  Roberto me deu as "dicas" de como conseguir um por bom preço! Como o diretor liberou uma certa verba, em lugar de comprar todo o equipamento, podemos "investir" ‚ mais em bons alto-falantes de graves!
- ?
- Sim, os efeitos mais interessantes do Home Theater ocorrem justamente com os graves daí se usarmos sub-woofers super-potentes teremos algo sensacional, como realismo em explosões, terremotos, desabamentos, etc...

- Puxa! - exclamou Beto - Será sensacional termos as vibrações de baixa frequência sentidas "nos ossos"! - Ele não sabia ‚ que muita gente ia sentir as vibrações "na pele"!



O Professor fez então um esboço no quadro-negro:

- Nosso anfiteatro é pequeno e tem assoalho de madeira que foi reforçado há pouco tempo! Podemos aproveitar o porão para servir de "caixa acústica" e instalar os alto-falantes de graves no chão! Dessa forma, as vibrações virão "de baixo" como deve ocorrer com os sons graves, fazendo literalmente o "chão tremer" com explosões, desabamentos, etc...

- Mas, para isso precisaremos de uma boa potência!... - interrompeu Beto.

- Sim, mas isso também não é problema!

No dia seguinte o Professor Ventura apresentou uma relação de materiais ao diretor que foi imediatamente aprovada! Era bem menor do que ele esperava, pois incluía apenas o decodificador e 6 alto-falantes!

Mais tarde o diretor ficaria surpreso, não com o preço do decodificador, mas sim com o preço dos alto-falantes! Não é para menos: todos se assustaram quando o Professor, Beto e Cleto entraram no anfiteatro, carregando enormes "woofers" com mais de 1 metro de diâmetro cada um! O peso dos "monstros" estava concentrado principalmente em seus imãs com mais de 30 quilogramas cada um!

- Estes "woofers" que encontramos são realmente sensacionais! Respondem a menos de 20 hertz! Não vejo a hora de reproduzir um terremoto nesses "bichos"! - Beto estava entusiasmado, se bem que deveria ter dito "produzir" em lugar de reproduzir!

- Caramba! Podem até reproduzir vibrações infrassônicas! - completou Cleto!

- Na saleta de projeção, seis enormes amplificadores de 500 watts com MOSFETs de potência em ponte na saída de cada um, eram instalados e alimentados pela saída de graves do decodificador de Home Theater.

Para os sons médios e agudos os alto-falantes menores que já faziam parte do sistema de som do anfiteatro foram mantidos! O Professor apenas teve o cuidado em separar suas ligações de modo a ter o Stereo Surround e Stereo Pro-Logic disponíveis no decodificador. O sinal para excitar este poderoso sistema vinha da saída do videocassete! No total mais de 4 000 watts de som, sendo 3 000 na faixa dos graves, encheriam o pequeno salão!

- Quatro quilowatts rms ou dezesseis mil watts pmpo! Puxa, que som! - exclamava gloriosamente Beto ao examinar o plano de sonorização.

- As "coordenadas" do meu amigo Roberto foram exatas! O sistema vai ficar perfeito! - falava entusiasmado o Professor Ventura enquanto fazia as instalações.

Em seis pontos do assoalho de madeira do anfiteatro, foram feitas aberturas circulares de 1 metro de diâmetro onde foram fixados os alto-falantes enormes. Uma forte grade de ferro com um engenhoso sistema que evitava a queda de objetos e mesmo a penetração de água quando o local fosse lavado, foi colocada por cima de cada alto-falante!

Em pouco tempo todas as ligações foram feitas e os primeiros testes realizados!

- Está sensacional! Treme até os "ossos"! Ótimo para animar um "baile de caveiras"! - Exclamava Beto entusiasmado, que ainda conseguiu fazer uma piada.

O Professor, ao lado, concordava fazendo o sinal de "positivo" para que Cleto, na cabine, desligasse o sistema.

- Puxa! Gostaria de fazer um teste com uma gravação, mesmo que em CD, de algo mais "poderoso", como um terremoto, desabamento ou seja lá o que for!

Como já era tarde eles deixaram isso para depois! Na verdade, nos três dias seguintes não foi possível voltar ao projeto do "Home Theater", pois começaram as provas e a preocupação dos alunos foi estudar, e do Professor, corrigir as provas!... Enquanto isso muita coisa acontecia!...

Dona Filomena Bolsogrande era a esposa do "preboste" (como era chamado o prefeito) de Brederópolis, e como tal ela estava constantemente envolvida em atividades filantrópicas. Naquele momento, por exemplo, ela organizava com as damas da "alta sociedade" local e de alguns clubes de serviço, algo para "arrecadar fundos" para suas obras sociais:

- Já fizemos "chás" demais, "tardes da sobremesa" nem se diga, festa de sorvete já perdemos a conta! Quero algo diferente desta vez!

Dona Maricota, sua fiel amiga, e esposa do vice-prefeito, concordava:

- É verdade, precisamos inovar!

Foi nesse momento, que alguém do grupo de senhoras teve uma idéia:

- Vamos fazer uma "Tarde da Gelatina"!

- "Tarde da Gelatina"?

A dona da idéia explicou:
- Sim! Estamos no outono: nem chá, que é para o inverno, nem sorvete, que é para o verão! Vamos servir gelatina! É intermediário! É fácil de fazer, custa pouco o que nos dá  uma boa margem de lucro para nossas obras!

A esposa do prefeito aplaudiu! Outra senhora continuou entusiasmada:

- Sim! Gelatina de morango, de uva, de abacaxi, de cereja...

-... E de limão de Brederópolis! - Não podiam esquecer o limão! Toda a economia da cidade era baseada nas infindáveis plantações dessa fruta cítrica e, portanto, ela não poderia ficar de fora!

Neste momento dona Filomena fez uma cara triste:

- Temos um problema! Fazer a gelatina ‚ fácil, mas onde fazer o evento se o salão da prefeitura está em obras?

Todos ficaram frustrados diante da idéia de cancelar tudo, até que alguém, e esse alguém era,nada mais na menos, que a esposa do diretor da escola técnica, Dona Pancrácia, forneceu a solução alternativa:

- Podemos fazer no anfiteatro da escola! Tenho certeza que meu marido não vai se opor, pois agora estamos em época de provas e ele não está sendo usado!

- Sim! É só tirar as cadeiras e teremos um ótimo salão, quase tão grande como o da prefeitura!

- Claro, querida! Vou mandar tirar as cadeiras e você pode usar o salão depois de amanhã! - concordou distraído o diretor, que nem se lembrou do "trabalho" que o Professor Ventura estava fazendo.



Dona Filomena passou então a distribuir os convites, enquanto as outras damas passaram a preparar a gelatina.

Mas, o que mais exigia das senhoras em termos de habilidade e trabalho não eram as pequenas gelatinas formadas a partir de formas invertidas, mas sim uma enorme gelatina de quase um metro de diâmetro em forma de "meio limão", que ficaria na mesa central do salão com a gloriosa bandeira de Brederópolis em seu centro!

- Muito cuidado ao transportar isso! - recomendava a primeira dama, quando acompanhava os quatro funcionários "emprestados" da prefeitura, e que na tarde programada transportavam a enorme gelatina de quase 50 quilos num tablado redondo, ainda enformada. Com extrema cautela, pois não podia balançar, a enorme e tremulante sobremesa foi colocada numa mesa no centro do anfiteatro e desenformada! No largo ambiente do anfiteatro agora sem cadeiras, as pessoas ainda viram a enorme sobremesa tremular um pouco antes de parar!
Como normalmente ocorre com esse tipo de evento, muita gente em torno das damas da sociedade convidadas ficou sabendo da "Tarde da Gelatina"! Além das convidadas da alta sociedade local, os únicos "estranhos" a comparecer eram os fotógrafos do jornal local que deveriam registrar tudo para a "coluna social" do dia seguinte!...

Não é preciso dizer que o Professor Ventura, Beto e Cleto não tinham o costume de ler a coluna social do jornal local e que, portanto, não estavam sabendo que o salão estaria "ocupado" naquele dia!

O salão já estava cheio de senhoras elegantes, que saboreavam a deliciosa gelatina. A primeira dama, radiante, servia as convidadas enquanto que a esposa do diretor fazia o papel de "caixa" recebendo as "contribuições", cada sabor tinha um preço diferente adotados para se obter uma arrecadação maior.

Os fotógrafos haviam registrado a dama ao lado de diversas personalidades, que faziam questão de exibir a "deliciosa gelatina", que o "bom coração" da esposa do "preboste" havia preparado...

Tudo ia bem, até que Beto e Cleto, terminando sua última prova de eletrônica, "invadiram" o laboratório do Professor Ventura exibindo um reluzente CD!

- Olhe o que conseguimos!

O Professor pegou o Compact Disc e também ficou entusiasmado com o que leu:

"- Trilha Sonora Original do Filme "O Terremoto" - Dolby Stereo Pro-Logic!"...

Sensacional! Podemos experimentar nosso sistema!

Os três saíram correndo em direção ao anfiteatro, não notando nada de anormal, pois entraram pela pequena porta traseira que dá diretamente na saleta de projeção, onde estavam todos os equipamentos, incluindo um CD-player novinho!

Sem se preocupar com o que estava acontecendo no salão principal, os três ligaram os amplificadores a toda potência e colocaram o CD para tocar:

- Antes de ir lá ver temos de fazer os ajustes! Temos de escolher o ponto certo para ver se realmente o equipamento está bom! - falou o Professor, colocando o fone no ouvido.

- Sim! E precisamos localizar exatamente a parte do terremoto! - confirmou Beto, ligando um alto-falante de monitoria no local.

Com a ajuda das informações do próprio CD, o ponto certo foi localizado na primeira tentativa!

- Vamos transferir este som para o salão! Não podemos ir lá antes de verificar pelos instrumentos se a reprodução está ocorrendo normalmente! Com essas potências, qualquer erro pode sobrecarregar um amplificador! - O Professor falou isso apontando para o painel que monitorava as saídas de todos os amplificadores. Dez VU-meters indicavam o nível de sinal na saída de cada amplificador e portanto a separação dos canais!

Foi a partir deste momento que as coisas começaram a acontecer na Tarde da Gelatina!



Acompanhando a cena original do filme, primeiro começou um leve rumor, que não se sabia muito bem de onda vinha. Era início da "produção" e não "reprodução" do Terremoto! As senhoras, entretidas com a saborosa gelatina, perceberam as fracas primeiras vibrações, mas não se importaram muito...

Mas o rumor foi aumentando e, em pouco tempo, tudo começou a tremer com um terrível som que penetrava "até os ossos" como havia dito Beto! O efeito de "caixa de ressonância" do porão do velho edifício aumentava a eficiência do sistema, produzindo vibrações de baixas frequências que agitavam a própria estrutura do prédio! Tudo tremia!

Evidentemente, gelatina e terremotos não combinam muito e toda gelatina começou a tremer intensamente, mais do que tudo!

As pequenas porções que se equilibravam em pires nas mãos das senhoras foram as primeiras a sofrer os efeitos das poderosas ondas de choque! Uma gorda dama com seios avantajados e bastante enjoada foi a primeira vítima: as duas porções, ainda quase intactas, de sua gelatina começaram a vibrar, mas completamente "fora de fase"! Quando uma "ia" a outra "vinha". Apesar dos esforços da gorda senhora em manter o equilíbrio "da coisa", depois de muito tremer os dois bocados de gelatina acabaram por deslizar, caindo diretamente dentro do enorme decote!

- Uh! - foi a exclamação da mulher que envergonhada ainda procurou disfarçar com um sorriso amarelo!

Outras damas, apavoradas pensando na possibilidade de tudo vir abaixo, não sabiam se corriam ou se equilibravam suas gelatinas e, evidentemente, nenhum das duas alternativas se tornou possível, em pouco tempo! Acompanhando alguns desmaios, as gelatinas começaram a cair sujando roupas, penetrando em decotes e tornando o chão muito escorregadio! Mesmo as que não quiseram correr, se desequilibraram ao pisar na gelatina espalhada e os tombos começaram!...

Mas, o pior aconteceu com a primeira dama, dona Filomena!

Perto da gigantesca gelatina na mesa central ela começou a sentir os efeitos da vibração quando algumas porções que estavam com pessoas próximas caíram. Ela escorregou e, como era bastante "volumosa", se apoiou na mesa central, que não resistiu ao peso!
Primeira dama e o "gelatinão" foram ao solo aumentando ainda mais o desastre! Inicialmente a bandeirinha de Brederópolis ficou justamente "implantada" e tremendo na sua cabeça...

A infelicidade da dama ao receber a enorme porção pegajosa não terminou por ai. Ela caiu justamente sobre uma das grades onde estava um alto-falante emitindo... toda potência vibrações de baixa frequência!

Sentada, e cheia de gelatina, a gorda senhora começou a vibrar! Parecia que estava com "delirium tremens" ou segundo outros que testemunharam a cena, que operava uma britadeira!... Houve ainda quem fizesse outro tipo de comparação:

- Parecia um daqueles agitadores de concreto! Daqueles, que tem a forma de bastão e que se usa para que o concreto penetre de modo uniforme na forma! -  disse alguém depois...

Mas não parecia apenas: o efeito foi o mesmo! As vibrações da gorda dama em conjunto com sua "anatomia" avantajada fizeram com que estranhos fenômenos de ressonância acústica entrassem em ação. A mulher passou a se comportar de modo semelhante a um "tubo de kundt" modificado com vibrações e batimentos em todo o corpo, e isso fez com que a gelatina penetrasse em todas as partes possíveis e imagináveis de seu corpo! Para surpresa de todos que observavam, por baixo do vestido da dona Filomena, a gelatina ia sumindo! Sumindo! Sumindo!... Mas onde? A pesada grade do alto-falante que estava por baixo era vedada!...

Os olhos da mulher do prefeito pareciam vibrar descompassadamente com o tremor gerado pelo alto-falante até que, com muito esforço ela conseguiu gritar:

- Ss...Ss...Ss...Socorro!...

As damas que ainda estavam com algum equilíbrio, e menos assustadas, correram para levantar dona Filomena, e aí a surpresa: quando ela foi finalmente colocada em pé com o esforço de pelo menos 6 pessoas, sua calcinha tinha ficado no chão!... Cheia com toda a gelatina "absorvida" no processo vibratório!... O que dificilmente alguém poderia explicar é como a bandeira de Brederópolis balançava no alto do desajeitado objeto rendado cheio de gelatina!...

O fotógrafo do jornal da oposição aproveitou o momento para bater uma foto!

Foi nesse momento que o som parou!...

Tudo isso não durou mais que 5 minutos! O Professor Ventura, Beto e Cleto satisfeitos pelos testes na cabine, e sem saber de nada do que estava acontecendo, programaram o aparelho para reproduzir o mesmo som e desceram para o salão... - Para ver o efeito!...

E, quando eles abriram a porta que dava acesso ao anfiteatro eles viram realmente o efeito" e quase tiveram um choque! A exclamação dos três dá uma idéia da gravidade da cena que presenciaram:

- Chiiii!...



Ainda chegaram a tempo de ver a gorda primeira dama sendo ajudada, o estranho objeto rendado cheio de gelatina com a bandeira de Brederópolis no meio do salão e a confusão geral da gelatina espalhada por toda parte, senhoras sendo abanadas, etc. Não tiveram dúvidas: fecharam rapidamente a porta de acesso ao salão e fugiram rapidamente pelas portas dos fundos não sem antes desligar o equipamento de som!...

Mas, diferentemente do que muitos leitores podem imaginar, o Professor Ventura, Beto e Cleto não foram "linchados" por isso! Uma solução para repor as perdas das bem intencionadas damas, e restabelecer a paz na comunidade foi proposta pelo Professor Salgado na presença do prefeito e das senhoras: as primeiras seções de cinema apresentadas no "Home Theater" da escola seriam pagas e a renda revertida para as obras assistenciais da primeira dama!

- Está bem! - concordou dona Filomena Bolsogrande, acompanhada da esposa do diretor - Eu perdôo o Professor Ventura!

O filme escolhido foi "Guerra nas Estrelas", e no dia da inauguração, o prefeito com algumas autoridades ocupavam as primeiras filas do pequeno, mas agora super-sonorizado anfiteatro da escola também usado para projeções a partir de um videocassete.

Mas, o que surpreendeu mais uma vez o Professor, Beto e Cleto na primeira seção é que o filme projetado não era uma comédia, no entanto, da saleta de controle os três podiam ouvir as fortes gargalhadas do público!

- Que diabo está acontecendo desta vez! - exclamou o Professor preocupado. 

Descendo para verificar, os três pararam na porta do salão, e logo que compreenderam o porquê das risadas, riram também:

- Ah! Então é isso! Olhem! - apontou o Professor para a tela:

Podia-se ver então o vulto da careca do prefeito, contra o fundo claro da tela, e sobre ela, os três únicos fios de cabelo do "preboste" eriçados eram protagonistas de uma "dança" engraçada, que acompanhava o ritmo do filme, provocada pelas fortes vibrações sonoras de baixa frequência!...