Esta estória do prof. Ventura foi escrita em 1994 e nunca foi publicado. O leitor está recebendo-a em primeira mão. Divirta-se pois é muito engraçada, tendo sido baseada num conto de John. T. Frye, da década de 1970, que escrevia estórias interessantes em que os dois personagens, Carls e Jerry equivalentes dos nossos Beto e cleto, inventavam coisas interessantes de eletrônicas, com resultados nem sempre interessantes..

 

 

Pode um Fordinho 1934 correr a mais de 130 quilometros por hora? Se você acha que isso é impossível é porque não tem idéia do que são capazes os recursos eletrônicos do professor Ventura e de seus alunos Beto e Cleto. Nessa aventura você vai se divertir com as travessuras de uma Super-Máquina dos velhos tempos que consegue enganar um guarda rodoviário e seu radar, registrando uma velocidade muito maior do que a real.

A cena era constrangedora: o impassível policial rodoviário Oliveira com o pé direito sobre a roda dianteira do velho Fordinho 1934 do Zé Matias, dava-lhe uma tremenda "bronca" por atrapalhar o transito da principal rodovia, obrigando os outros veículos a manobras e freadas bruscas.

Também pudera; o velho fordinho, com seus mais de 70 anos de serviço, não dava mais do que 40 quilometros por hora no plano e mesmo nas descidas dificilmente passava dos 60 sem o perigo de se desmontar deixando "um monte" de peças pela estrada!

- Tenho multado muita gente por excesso de velocidade, e você sabe que eu não perdôo, mas infelizmente não posso multar por "falta de velocidade", o que também não significa que eu devo tolerar que você atrapalhe o trânsito... - O guarda Oliveira estava nervoso. O Zé Matias, quieto, apenas ouvia, submisso como toda pessoa simples, que quer evitar problemas...O guarda continuou:

- Infelizmente, se você atrapalhar mais o trânsito da rodovia com essa sua, sua "viatura", serei obrigado a "recolhê-la"!

A idéia de perder seu fordinho 1934, apelidado carinhosamente de “Maricota”, não passava pela cabeça do Zé Matias. Seria o "fim do mundo" para o pobre transportador de coisas. Para todos, a caminhonete não era simplesmente de seu meio de vida, transportando objetos e pequenas mudanças na cidade e até para as cidades vizinhas, mas muito mais que isso, uma amiga sentimentalmente ligada a ele por mais de 60 anos, pois segundo se comentava. ele "quase" a adquirira "zero quilometro"...

Depois de pedir desculpas ao guarda e prometer que não "atrapalharia" mais o trânsito, Zé Matias afastou-se com a velha caminhonete pipocando, aparentemente dando tudo que podia, para mostrar que andava rápido apesar da idade. Não passava entretanto dos 30 quilometros por hora!

Poderíamos dizer que este incidente nada tem a ver com a tecnologia se o Professor Ventura, Beto e Cleto não tivessem sido testemunhas do ocorrido.

- Que coisa feia! O guarda não devia humilhar assim o pobre Zé Matias! Não podemos deixar a coisa assim!... - Beto com as mãos na cintura transpirava um ar de revolta.

- Mas, o que fazer? Não podemos chegar ao guarda Oliveira (que já me multou pelo menos uma vez...) e colocar-lhe o dedo no nariz dizendo que não pode fazer isso... - Cleto tinha razão, mesmo sendo extremamente zeloso de suas obrigações, o guarda era antipático! (talvez uma coisa fosse consequência da outra neste tipo de atividade!).

- Ele tem de respeitar a idade da velha "Maricota"! - completou Beto.

Ao lado, o professor Ventura quieto, tomava aquele ar bem conhecido de Beto e Cleto de quem estava "maquinando" alguma coisa. Os dois rapazes não se manifestaram. Sabiam que nessa hora não adiantava interromper os pensamentos do professor. Era melhor esperar um pouco e certamente ele viria depois com as novidades, quase sempre maquiavelicamente bombásticas! E foi justamente o que ocorreu mais uma vez:

 

- Tenho uma idéia que vai acabar com a pose do guarda! - O professor tinha chegado a um plano formado e pretendia explicá-lo aos rapazes!

Rapidamente os três foram para o laboratório do professor, não muito longe e depois de se acomodarem nas velhas poltronas passaram a ouvir mais uma idéia do professor:

- Começamos com uma pergunta: qual é o orgulho do Guarda Oliveira?

- O radar que detecta excesso de velocidade dos veículos na estrada! - Beto nem esperou o amigo pensar e já deu a resposta...

- Certo! - confirmou o professor - E é justamente ele que vai nos ajudar a pregar uma boa peça no guarda...

- ???

- Calma! Não vou queimá-lo com um Laser ou coisa parecida, se bem que isso seria a vontade de muitos que eu conheço...- O professor percebeu o ar de raiva dos rapazes.

- Eu explico: como funciona o Radar de Velocidade usado nas rodovias que basicamente tem mesmo sistema de outros tipos de radar, com a diferença de que pode medir a velocidade dos veículos?

- Pelo que sei, - disse Beto - trata-se de um Radar Doppler, ou seja, ele aproveita a variação de frequência que sofre um sinal de alta frequência ao se refletir num objeto em movimento e por esta variação mede sua velocidade. Como isso ‚ possível, ainda não compreendi bem e muito menos como podemos usar isso para vingar o Zé Matias...

- Muito bem, se eu explicar como funciona o Radar Doppler e o que eu pretendo fazer, os dois me prometem que vão me ajudar como plano? - O professor fazia uma espécie de chantagem, que certamente não era necessária: Beto e Cleto nunca deixariam de colaborar com o professor, principalmente nas coisas sempre interessantes que ele tinha em mente.

- Claro que sim! - responderam os dois.


Indo ao quadro negro o professor Ventura começou as suas explicações:

- O radar emite um sinal de frequência muito alta, normalmente de alguns Gigahertz (bilhões de hertz) que se propaga na direção de onde deve vir um veículo ou para onde deve ir, pois podemos detectar sua velocidade quando ele se apropxima ou quando ele passa (ao longo de sua trajetória) .

Neste ponto, o professor já tinha desenhado um carro se movimentando e um pequeno cone semelhante a um TRC (tubo de ráios catódicos) de osciloscópio apontando para ele: era o transmissor do radar e sua antena direcional montados num tripé à beira da estrada. Ele continuou:

- O sinal emitido reflete nos objetos que estão próximos, mas em especial no veículo, e quando isso acontece o próprio radar o recebe de volta. Nesta volta, entretanto ocorre uma alteração porque o veículo em que ele reflete está em movimento.

- É o Efeito Doppler!

- Isso mesmo! Imagine a seguinte situação: você está  na beira de uma estrada e um veículo em alta velocidade passa por você tocando a buzina. Você vai notar que o som da buzina parece mais agudo quando o carro se aproxima e mais grave quando ele se afasta. No momento em que ele passa por você, você nota uma repentina mudança de tom. Por que isso?

Os rapazes não se manifestaram mostrando que se sabiam porquê, não sabiam exatamente como explicar. O professor continuou:

- O que ocorre ‚ que quando o veículo se aproxima, ele vem na mesma direção que as ondas, portanto podemos dizer que ele "empurra" o sinal, ou seja, se aproximando velozmente na direção do ouvinte ele consegue concentrar no mesmo intervalo de tempo mais ciclos do sinal. Em outras palavras: temos uma diminuição do comprimento de onda portanto um "aumento" aparente da frequência. Essa frequência na realidade aumenta apenas para o ouvinte externo, pois o motorista não nota nenhuma diferença. Em suma, o sinal que chega ao ouvido de quem esta na beira da estrada tem um comprimento de onda menor e portanto é mais agudo. Beto interrompeu a explicação neste ponto:

- É como se as ondas tivessem seu comprimento "contraído" pelo movimento!

- Sim, isso mesmo, e quando o veículo se afasta temos o efeito inverso. Menos ondas conseguem chegar no mesmo intervalo de tempo ao ouvido de quem está fora, pois elas tem de preencher um espaço maior e o resultado é uma diminuição da frequência.

- Temos então um "esticamento" da onda! - Agora foi a vez de Cleto completar.

O professor estava chegando ao ponto que queria:

- Vejam então que esta "contração ou esticamento" das ondas depende da velocidade do veículo: supondo que o veículo se aproxime a uma velocidade de 34 metros por segundo, que corresponde a 1/10 da velocidade do som, ou aproximadamente 120 quilometros por hora, as ondas sonoras de sua buzina vão se contrair 10%, o que corresponde a um aumento de 10% na frequência perfeitamente perceptível pelos nossos ouvidos, e quando o veículo se afastar teremos a mesma redução de 10% na frequência.

Beto fez uma observação importante neste momento:

- Mas, o radar não trabalha com sons, e sim com ondas de rádio que têm uma frequência e velocidade muitíssimo mais altas!

- Realmente! Mas as coisas ocorrem exatamente do mesmo modo: no caso do radar, os sinais quando se refletem num objeto que se aproxima voltam com a frequência aumentada e quando refletem num objeto que se afasta voltam com a frequência diminuida. A frequência é muito alta, e a velocidade também, mas os recursos eletrônicos que dispomos permitem medir com facilidade a pequena diferença que ocorre e mais que isso: aplicados a um processador eles já convertem esta diferença em quilometros hora, milhas por hora, nós, ou seja lá que unidade de velocidade você queira...

Cleto, muito ligado na matemática pediu um exemplo numérico:

- Os sinais de rádio se propagam a 300 000 000 de metros por segundo, certo? Pois bem, vamos supor que um veículo se desloque a uma velocidade de aproximadamente 30 metros por segundo, que corresponde a mais ou menos 120 quilometros por hora. Se compararmos os dois valores, a diferença é muito grande. A onda que se refletir no ve¡culo sofre uma alteração de frequência de 1 parte em 10 milhões. No entanto, para um sinal de 3 GHz, por exemplo, isso significa uma alteração de frequência de 300 Hz.

- Um valor muito pequeno em relação a frequência do sinal. Como fazer para detectá-lo?

Cleto tinha acompanhado o raciocínio do professor, que continuou:

- Heterodinagem! O que se faz ‚ misturar o sinal gerado com o sinal refletido. Se suas frequências forem iguais, o que indica um objeto parado, a frequência resultante que é a diferença ou batimento é zero. Para um objeto em movimento, as frequências são diferentes e temos um batimento que pode ser facilmente medido, pois a diferença de frequência não é zero. Um frequencímetro pode ter sua base de tempo dimensionada de modo que os 300 Hz de nosso batimento resultem numa indicação direta do valor 120 no mostrador do aparelho. Tudo muito simples, não é verdade?

- Ainda não, professor! Não entendo como o radar diferencia o sinal que correspondem ao movimento mais rápido do veículo de outros sinais refletidos, por exemplo em objetos próximos parados. - Beto tinha razão em ter esta dúvida que o professor logo esclareceu:

- Sim! Isso é um pormenor importante. Se tivermos sinais refletidos em objetos parados e outros em movimento, como podemos ter mais de um batimento, o circuito leva em conta apenas a frequência mais alta que se sobrepõe as demais. Por isso, passando dois veículos lado a lado, um em velocidade mais alta, a indicação será justamente deste que provoca a frequência mais alta de batimento! Este fato é muito importante, pois é justamente baseado nele que vamos fazer nossa "brincadeira"!

- Estamos ansiosos!, professor! Tudo ‚ muito simples de entender, mas não “pegamos” ainda onde é que o guarda Oliveira e o velho Zé Matias entram na história! - Beto tinha razão, pois as explicações não tinham revelado nada ainda do plano do professor.

- Calma! Agora é que chegamos ao ponto crítico. Eu dei o exemplo dos carros lado a lado, mas agora eu pergunto a vocês: O que acontece se o sinal do radar se refletir num objeto que esteja em movimento sobre um veículo?

- Ora, a relatividade de movimento pode explicar o que ocorre: dependendo do sentido do movimento as velocidades podem se somar ou subtrair...

- E, se por exemplo, este objeto for uma hélice com pás inclinadas em movimento giratório? - o professor Ventura não queria que Cleto perdesse a sequência de seu raciocínio, já que ele estava indo bem:

- Dependendo do sentido de rotação, ou seja, a posição das pás, o movimento rotativo pode resultar num vetor que se soma ou subtrai ao da velocidade do veículo na alteração do sinal refletido!

- Absolutamente correto! - completou o professor Ventura que continuou:

- E se a velha perua do Zé Matias transportar um ventilador ligado, com as pás girando no sentido certo para "somar" velocidade quando ele passar diante do Radar do guarda, o que vocês acham que acontece?

O professor chegou ao ponto que queria! Os olhos dos rapazes brilharam ao perceber de imediato qual era a idéia:

- Puxa! Mas, claro! A velocidade das pás se somam a do calhambeque! Se as pás estiverem num movimento equivalente a 80 quilometros por hora e o veículo a 40, a velocidade detectada será 120 quilometros por hora! Pelas "barbas do profeta", o radar vai pegar a velocidade maior e desprezar a velocidade real do veículo! O guarda não poderia jamais dizer que o velho calhambeque não corre!...


Cleto entretanto tinha algo importante a dizer:

- Mas, esperem aí! Tudo bonitinho "no papel" mas, como vamos convencer o Zé Matias a transportar um ventilador ligado? O Guarda certamente iria desconfiar...

- E quem disse que o Zé Matias precisa saber o que está transportando e que o ventilador deve estar visível? A caminhonete tem carroceria de madeira de modo que o sinal refletido pelas pás de um bom ventilador deve superar em muito o refletido pelo veículo e dar a indicação final de velocidade que desejamos. Mas, não se procupem que eu já pensei nisso também!

Não haviam dúvidas que, quando o professor Ventura elaborava algum plano, além de rápido, no mínimo ele era perfeito! Neste caso também ele parecia ter pensado em tudo!

- A idéia é simples: embalamos numa grande caixa de papelão um bom "ventilador", mas alimentado por bateria e acionado por controle remoto. Nós mesmos cuidaremos de posicionar a caixa na carroceria da caminhonete do Zé Matias! Podemos dizer que se trata de equipamento de pesquisa delicado... Como de outras vezes que ele transportou coisas para nós, isso garante que a posição da hélice estará como queremos. Depois, pedimos para ele entregar o "negócio" lá no Sítio do Abacate (O Sítio do Abacate ficava fora da cidade e era um recanto onde o prof. Ventura frequentemente se retirava para seu descanço e até para fazer experiências que exigiam um espaço maior. Mas o importante ‚ que para ir para esse Sítio era obrigatório passar pelo pequeno posto policial na rodovia onde o Guarda Oliveira estava constantemente pilhando os menos avisados em excesso de velocidade com seu radar. Uma curva de pouca visibilidade um pouco antes tornava impossível qualquer tipo de prevenção para os que não conheciam o local...).

- Puxa! Essa ‚ boa!...

O plano ainda tinha pequenos arranjos que o leitor ficará sabendo oportunamente, mas o importante é que os três começaram quase que de imediato a preparar o "ventilador" que o Zé Matias deveria transportar. O conhecimento do professor Ventura foi fundamental no dimensionamento desse aparelho:

- Certamente um ventilador comum não vai servir, pois se as pás forem muito grandes além de precisarmos de muita energia para girá-las, o que não vai ser possível com uma bateria, a resistência apresentada pelo ar não o deixará desenvolver a velocidade que precisamos. Por outro lado, se as hélices forem pequenas o radar não vai ser capaz de detectar o sinal refletido. Temos de calcular tudo com cuidado! - explicou o professor.

Eles montaram então uma hélice, mas com tela de arame, de modo que ao girar o ar não oferesse muita resistência. Uma tela fina de arame reflete os sinais de rádio e a inclinação de 45 graus foi calculada para dar o efeito desejado. Depois, montaram uma base e adaptaram um motor de 12 volts do tipo usado para acionar ventoinhas de refrigeração de carro. Uma prova de funcionamento revelou que a hélice, além de bem equilibrada para evitar vibrações, conseguia em pouco mais de 30 segundos atingir uma boa velocidade, da ordem de 800 rpm, o que permitiu cálcular que velocidade ela poderia "somar" ao radar. O diâmetro de 60 cm, ou 30 cm de ráio significava uma velocidade tangencial a 800 rpm de 25 metros por segundo, ou aproximadamente 90 quilometros por hora! Para obter esta indicação as pás deveriam estar inclinadas de 45 graus o que foi previsto, mas isso causava uma certa oposição do ar que não chegou a ser significativa.

O motor do "ventilador" era acionado por um relé ligado a um receptor de controle remoto. O transmissor de bom alcance seria operado pelos rapazes, de modo a assegurar que ele só entraria em ação quando o veículo estivesse nas proximidades do raio de ação do radar.

A potente bateria de Nicad 12 volts, mesmo com o consumo elevado do motor, deveria ser capaz de mantê-lo em funcionamento por pelo menos 15 minutos.

Esse tempo seria mais do que suficiente para permitir a detecção pelo guarda, na hora que o veículo estivesse em trânsito, desde que acionada no momento certo! E, isso foi cuidadosamente planejado.

O ventilador foi instalado no interior de uma grande caixa de papelão reforçado, de modo que sua hélice pudesse girar livremente, e sem fazer barulho, ficando a bateria e o receptor de controle remoto com o relé na parte inferior.

Uma boa antena telescópica no interior da caixa garantia a recepção do sinal a uma distância de pelo menos 800 metros.

- Não vamos precisar de todo esse alcance para o controle remoto, já que pretendo acionar o sistema de uma distância menor - explicou o professor Ventura quando dava os retoques finais no receptor, testando sua operação.

Além disso, foi instalado na caixa um pequeno transmissor de FM, mas com um alcance da ordem de 1 km. Dois microfones colocados em pontos estratégicos da caixa modulavam o sinal deste transmissor. O professor Ventura, Beto e Cleto não iriam deixar de ouvir o que se passaria, caso realmente o veículo fosse interceptado pelo guarda!

Com um receptor acoplado a um gravador eles pretendiam registrar tudo que eventualmente pudesse ocorrer. Um teste de funcionamento revelou que mesmo falando com vóz normal a uma distância de 2 metros dos microfones, a intelegibilidade era perfeita. Terminado o trabalho de preparação do estranho aparelho, os três olhavam com orgulho para a enorme caixa de papelão.

- Agora só falta chamar o Zé Matias para fazer e entrega...


No dia seguinte, num horário que todos sabiam que o guarda Oliveira ficava de plantão em busca de motoristas apressados Zé Matias foi chamado à casa do prof. Ventura para "fazer um trabalho de entrega".

O professor explicou ao motorista da velha caminhonete que ele devia ir com cuidado, e que não estranhasse se no transporte o aparelho fizesse algum tipo "barulho"... Vinda do professor, essa observação não o abalou, pois conhecia muito bem as estranhas invenções com que ele trabalhava. Depois, com muito cuidado os três colocaram a caixa na carroceria e a amarraram na posição certa para dar o efeito planejado.

Tão logo a caminhonete saiu, pipocando com a estranha carga, os três correram para o carro do professor Ventura. Cortando caminho, ajudados pela baixa velocidade da caminhonete do Zé Matias, os três não tiveram dificuldades em chegar bem antes ao local planejado para a ação: numa curva, um pouco antes de chegar ao posto rodoviário, eles deixaram a estrada principal e subiram até o alto de um morro onde tinham uma excelente vista: a estrada, o posto e até mesmo a cidade distante alguns quilometros podia ser avistada.

Mas, o que mais interessava aos três, e que eles podiam ver claramente, era o posto policial a uns 300 metros abaixo, com a pequena sala onde se destacava na janela o perfil do guarda Oliveira e o comprido fio que ía até a beira da estrada até uns 200 metros antes da curva, onde o radar detectava os mais apressados!

De binóculos na mão e o transmissor pronto para ação os três aguardaram. Não demorou muito para que avistassem o Zé Matias "dando tudo" para subir um dos compridos aclives que antecediam o posto policial.

- Atenção! Lá vem ele. - alertou Beto, que foi quem primeiro focalizou a caminhonete.

Tão logo o pequeno veículo chegou ao tôpo da elevação que antecedia a curva onde estava o radar, a uns 600 metros da antena, Cleto apertou o botão do transmissor:

- Agora!

Zé Matias nem percebeu o pequeno tremor que indicava o fechamento do relé e a força que o motor elétrico começou fazer para tirar da imobilidade a pesada hélice de tela de metal. Pouco a pouco o "ventilador" foi ganhando velocidade e o tremor diminuiu, até que em pouco mais de 40 segundos ela estava na sua velocidade máxima: 800 rpm e "somando" 90 quilômetros por hora na velocidade do velho calhambeque! Zé Matias, evidentemente não percebia nada e no mesmo rítmo do motor de seu veículo continuava a assobiar uma melodia enjoada!

A 40 quilometros por hora, isso significava que o veículo havia percorrido pouco mais de 400 metros desde o instante que o relé foi acionado, o que dava uma margem de segurança de quase 200 metros, para o início da detecção pelo radar. O professor que havia calculado tudo antes, mostrava que realmente sabia planejar as coisas, e se regogizava disso com o cronômetro na mão!

- Até‚ agora, tudo conforme o planejado!

E, realmente a partir daí as coisas começaram a ficar mais interessantes. Quando a caminhonete entrou no alcance do radar, imediatamente o alarme de excesso de velocidade foi dado na saleta do guarda!

Num salto, o guarda Oliveira, sem pensar, pegou o talão de multas e saindo rapidamente do seu posto, foi para a beira da estrada pronto para interceptar mais um "rapidinho"!

- "130 por hora! Esse "cara" vai ver o que ‚ bom!" - Pensou alto o Guarda Oliveira, feliz por "fisgar" o primeiro peixe do dia, que até agora tinha sido muito fraco. Afinal ele precisava justificar o dinheirão investido no equipamento importado que agora ele usava!

Olhando para a pista, onde deveria apontar em segundos o "corredor" o guarda estranhou, pois isso não ocorreu. O tempo passou, e muitos segundos depois do previsto, um vulto familiar apontou na curva: o fordinho do Zé Matias!

-"Não ‚ possível! Ele novamente, mas eu não posso perder tempo com esse "peixe menor", vou esperar o outro que vem atrás que é muito maior!" - O guarda estava enganado. O outro “peixe” não apareceu, e isso, por uns instantes, deixou o Guarda confuso...

-"Espere aí," - pensou o guarda - "Aí tem coisa! O radar detecta 130 por hora, não passa ninguém, e depois aponta o fordeco... Esse "cara" está me enganando!"


Mil coisas começaram então a passar pela cabeça do Guarda Oliveira, enquanto que vagarosamente, nos seus quase 40 por hora, o fordeco do Zé Matias se aproximava: um motor "envenenado" que só era acionado quando não havia ninguém olhando!

Um foguete amarrado por baixo do chassi! Um motor de reserva com muitos cavalos a mais para correr quando quisesse... Essas foram apenas algumas das possibilidades que fizeram o Guarda interceptar o velho Zé Matias quando ele, procurando dar tudo, já ía passando pelo posto rodoviário. O diálogo que se seguiu foi muito interessante, e o professor Ventura, Beto e Cleto ouviram tudo através do seu transmissor "secreto".

O "ventilador" já havia sido desligado pelo controle remoto, e por isso nenhum barulho estranho na caixa poderia causar algum tipo de suspeita...

- Bom dia "seu" Zé Matias! - O guarda cumprimentou o motorista com um ar bastante desconfiado...

- ..."Dia", dia seu guarda! Me "descurpe" se "tava" devagar, mas não "trapaiei" ninguém, não é? Nesta hora o movimento é pequeno... - Zé Matias não desconfiava de nada do que tinha ocorrido. O guarda o interrompeu...

- Não me venha com essa de que estava devagar... Quero ver o motor de seu veículo. Levante o capô!

Zé Matias não respondeu nada! Estranhou um pouco, mas sabia que de nada adiantava argumentar. Desceu e abriu do lado de fora. O guarda não havia se dado conta que nos carros antigos, como aquele, o motor era aberto por duas tampas laterais que levantavam como asas, e que o trinco era do lado de fora!

Com um ar bastante desconfiado, mãos unidas para trás, o guarda começou a rodear a velha caminhonete. O pobre do Zé Matias, cada vez mais aumentando a desconfiança, só olhava, sem entender nada.

O guarda olhou por baixo, olhou dentro do motor, puxou um fio aqui, afastou uma peça ali para ver se encontrava algo de anormal, um carburador extra, uma bomba injetora eletrônica mas, nada! Tudo que ele conseguiu foi sujar a mão de graxa e, tudo isso, sem perder a calma...

Na verdade, mesmo que houvesse alguma coisa de anormal, o guarda teria dificuldade em saber pois seus conhecimentos de mecânica não eram lá grande coisa...

- Muito bem! Onde que está o "veneno"? - finalmente, o guarda falou mais ríspido com o Zé Matias – referindo-se aos recursos usados nos carros preparados com motor mais potente, o que hoje chamamos de “tuning”..

- Uai, se é isso que o senhor quer não tem "probrema"!

Voltando para o interior do veículo ele levantou o banco e "puxou" um garrafão cheio com um líquido transparente.

"- Deve ser combustível especial! Que esperto!" - pensou o guarda, mas o que Zé Matias revelou frustrou o guarda:.

- Este "veneno" é "do bão"! - exclamou orgulhoso Zé Matias mostrando o "garrafão de cachaça", - mas eu "inda" não tomei nada hoje! Se o senhor quiser eu trago um pouco lá  do alambique!...- O guarda logo o repeliu mandando-o guardar... Zé Matias também ía mostrar também seu "bafo" ao guarda para provar que realmente não havia bebido nada quando ele interrompeu mais rispidamente:

- Não me venha com essa! Você passa a 130 por hora no meu radar, e depois aponta lá em cima do morro devargazinho, como se não soubesse de nada! Aí tem coisa e eu vou descobrir!... - Nervoso, o guarda deu mais algumas voltas no carro, e até mandou o Zé Matias entrar e acelerar o velho motor. Prestando atenção a algum ruído que revelasse um motor "envenenado", nada conseguiu: o motor pipocava e com muito custo ganhava velocidade...

- Desça! - Mandou o guarda que já mostrava sinais maiores de alteração agora. Zé Matias, entretanto, que nunca perdia a calma, obedecia sem reclamar.

Não se confomando em não encontrar nada, o guarda resolveu lançar suas últimas cartas:

- Então você não vai revelar seu segredo! Passando a 130 por hora diante do meu nariz, digo, do meu radar e me fazendo de bôbo! Só tenho duas alternativas: ou multo você ou aprendo sua "viatura" por estar com suas características alteradas!...

O velho Matias olhou para o Guarda e aí, a surpresa de Beto, Cleto e o professor Ventura que ouviam tudo pelo rádio, pois ele falou:

- O senhor pode "murtar" como "quisé", ou "inté prendê" a "véia Maricota", mas vai "ficá " muito chato quando eu "chegá" na cidade e "dissé" "prá " todo mundo que eu "tava" a 130 por hora e que o senhor me "murtá" por "insesso" de velocidade. Vai "sê" um bocado "difici" "explicá" , mas o "probrema" não ‚ meu...Vou "inté pendurá a murta num locá  bem visiver pra todo mundo vê"...

Ele tinha razão! O guarda logo percebeu que na verdade ele estava diante de um belo problema: se multasse ou aprendesse a velha caminhonete corrria o risco de cair no ridículo, a não ser que provasse que ela estava realmente alterada e a 130, mas a única prova era o radar pois não havia encontrado nada de anormal no motor! E se o radar estivesse com problemas?

Em suma, era arriscado demais, pois isso poderia levá-lo ao ridículo! Mas ele tinha suas dúvidas... O que poderia ter ocorrido: o radar havia realmente falhado ou o velho disfarçado muito bem a "potência" extra da caminhonete? Retraindo-se, e tratando agora com mais respeito o Zé Matias que realmente estava se mostrando muito mais esperto do que sua simplicidade podia prever, o guarda resolveu liberar o veículo com sua "estranha carga".

- Pode ir, mas cuidado! Tô de olho em você! - disse o guarda Oliveira muito sério. Zé Matias não respondeu nada.


Tão logo o velho veículo foi liberado e se afastou pipocando nos seus 40 por hora, sob o olhar muito desconfiado do Guarda, Beto, Cleto e o Professor Ventura cairam na gargalhada, comprimentando um aos outros pelo sucesso da brincadeira, e se apressaram em tomar um atalho para o Sítio onde deveriam receber a entrega.

- Sucesso! O guarda não vai mais amolá-lo!

Mas, não era bem assim pois, para o Guarda, as coisas não tinham terminado. Caminhando até o radar êle olhou desconfiado para o aparelho e recolhendo-o carregou-o de volta até sua sala. No dia seguinte enviou-o aos laboratórios da polícia para uma verificação: a reposta veio em pouco tempo.

Não havia nada de anormal!

O guarda não se conformava, mas não haviam provas!

- Um dia eu o pego! - O guarda não havia desistido.

Mas, se daquele dia em diante foi um respeito maior ao Zé Matias por parte de guarda, isso não significa que ele deixou de ser incomodado: muito pelo contrário! Todas as vezes que a velha caminhonete cruzava com o guarda, era parada e recebia uma vistoria geral: da pintura até a última vela do motor eram verificadas pelo Guarda Oliveira que procurava ainda a causa do envenenamento secreto do motor. Só observando, Zé Matias ficava impassível observando tudo, mas muito espertamente não afirmava nem negava nada, se aproveitando da situação e deixando o policial inconformado!

- Eu um dia pego você! - Era a frase que o velho Zé Matias ouvia do guarda ao ser liberado e que já tinha decorado...

Beto e Cleto que jé  tinham visto a tal vistoria algumas vezes resolveram contar tudo ao velho motorista:

- Acho que não adiantaria, pois ele não entenderia nada! Mas se vocês quiserem, eu vou junto!...

Quando o guarda se afastou, o professor Ventura, Beto e Cleto se aproximaram do Zé Matias que já ía saindo depois de uma vistoria:

- Temos algo para lhe contar, mas em segredo: pode ser?

- Pode "uai"! - respondeu o motorista

Levando-o para um canto discreto, o professor, procurando não ser técnico em sua explicação, contou como o "ventilador" que ele transportou na verdade era uma engenhoca para enganar o radar do guarda!...

Para surpresa dos três, Zé Matias deu uma boa gargalhada parecendo que tinha entendido tudo::

- Ah! Então é isso? Foram vocês. Pensei por um instante que meu segredo tinha sido descoberto, mas como vocês procuraram me ajudar, merecem conhecer esse segredo!...

Zé Matias parecia diferente, pois o "sotaque caipira" desapareceu, o que deixou o Professor Ventura, Beto e Cleto surpresos! Ele continuou.

- Venham comigo!

Zé Matias assumiu a direção da velha "maricota" e o professor se acomodou ao seu lado.

Beto e Cleto subiram na pequena carroceria. Dirigindo em silêncio, foram para um trecho deserto da rodovia, do lado contrário ao que o guarda normalmente ficava. Em dado momento, Zé Matias foi para o acostamento, e sem desligar o motor olhou para todos os lados. Ainda sem falar nada, abaixou-se e num local secreto acionou alguma coisa. Imediatamente o motor pipocante da "maricota" mudou de rítmo.

Funcionando com suavidade ele atendeu imediatamente a aceleração de Zé Matias e a caminhonete saiu do acostamento e foi ganhando velocidade. Em alguns segundos, para total surpresa do professor e mais ainda dos rapazes na carroceria, o "velho" calhambeque rodava a mais de 120 por hora com incrível suavidade!...

Percebia-se perfeitamente que Zé Matias ainda não estava "pisando" tudo! Durou pouco a demonstração! Zé Matias encostou a caminhonete. Todos desceram e ele finalmente falou, completamente sem sotaque caipira para maior espanto ainda de todos:

- Agora vocês vão conhecer meu segredo!

Abrindo o motor da velha "maricota" e dentro dele um "compartimento secreto" ele mostrou:

- Ignição eletrônica, injeção eletrônica, controle de mistura e tudo mais de um verdadeiro carro, controlado por dois microprocessadores da mais avançada tecnologia!...

O velho caipira falava como um "expert"! O professor e os rapazes não podiam acreditar no que viam!

- Mas, tem mais ainda! Surpresos com minha fala, não é?

- E muito! O senhor não tem nada de caipira! - respondeu o professor.

- Sim é verdade! Na realidade não me chamo Zé Matias. Meu verdadeiro nome é Fritz Bauer. Meu pai veio da Alemanha com as primeiras industrias de automóveis, e além de aprender tudo sobre motores com o "velho" também cursei a escola de engenharia.

Trabalhei durante anos como Engenheiro Especialista em Motores, até que já aposentado, quando perdi minha esposa resolvi me retirar da "vida civilizada" para algo diferente. Não tendo mais que um primo distante na Alemanha, assumi uma nova identidade nesta pacata cidade onde pretendo terminar meus dias!...

- Zé Matias!... - interrompeu Beto.

- Sim, isso mesmo! Levando uma vida simples e solitária, como vocês sabem só mantive uma velha recordação: a caminhonete onde me distraio com alguns "dispositivos" que instalei!...

- Mas, e o guarda?

- Vocês me deram um susto! Quando ele me parou aquele dia dizendo que eu estava correndo a 130 pensei que meu segredo tinha sido descoberto! Depois pela conversa do guarda achei que o problema foi um desarranjo do radar, mas fiquei prevenido!...Cheguei até a imaginar que seria o "treco" que vocês tinham me mandado entregar o causador do problema, pois conheço muito bem as suas "invenções"!...

Zé Matias, ou melhor Fritz, disse isso olhando para o professor que estava surpreso, muito surpreso!

- Mas, devo agradecer vocês e fazer um pedido: guardem meu segredo que eu guardo o de vocês!

Os três foram levados de volta … cidade. Uma nova amizade iria surgir com o professor visitando Fritz para conversar sobre assuntos técnicos, coisa que ninguém suspeitava: achavam que o professor visitava o "velho" apenas por que tinha dó da sua solidão!... Quando Fritz, ou melhor Zé Matias, se afastou com a velha Maricota os três, ainda zonzos com os acontecimentos e não sabendo se enganaram ou foram enganados, puderam ouvir quando o pipocar da velha maricota despareceu numa curva tomando lugar um ronco suave de um potente motor "envenenado"!