Quem leu a peça "O Inspetor-Geral" de Gogol (veja nota do autor), deve ter se divertido muito com a situação criada naquela pequena cidade, quando da visita da "autoridade" que vinha da Capital, para uma inspeção especial causa mil-e-uma confusões. No entanto, o que os nossos leitores talvez não imaginam é que algo semelhante possa acontecer justamente em Brederópolis e envolvendo a eletrônica a informática e nossos heróis, Professor Ventura, Beto e Cleto. No entanto ‚ a realidade e a estória vale tanto para os que conhecem a peça como para os que não a viram, mas certamente vão ficar curiosos para conhecer a versão original do autor Russo.

 

Nikolai Vassilievitch Gogol nasceu em Moscou em 1809. Era funcionário público e Professor de história. Como escritor foi autor de vários livros muito conhecidos como Taras Bulba, Arabescos, O Nariz e O Inspetor-geral. Este último, O Inspetor-geral, já foi encenado diversas vezes no teatro, com grande sucesso, revelando toda a genialidade do autor.

 

O Professor Salgado, diretor da Escola Técnica de Brederópolis, entrou apavorado no laboratório do Professor Ventura. Carregava um E-mail, recebido naquela manhã logo ao abrir sua caixa postal no computador e pelo que parecia não trazia boas notícias!

 

Foi pelo menos essa a primeira impressão que Beto e Cleto, que ajudavam o Professor tiveram, tanto pelo ímpeto com que ele invadiu o laboratório como pela sua expressão de pavor, e eles tinham razão.

 

- Calamidade! É o fim do mundo! Ele vem aí!

 

Beto e Cleto se olharam, e logo veio a pergunta óbvia:

 

- "Ele" quem?

 

O Professor Salgado cedeu e, caindo pesadamente no sofá do canto da sala, pediu para o Professor Ventura, Beto e Cleto se aproximarem:

 

- Estou em apuros! Ele está vindo!

 

O Professor, e os rapazes ainda estavam "boiando", pois não tinham a mínima idéia de quem era esse "ele"! Um enorme interrogação ainda pairava sobre suas cabeças!

 

Finalmente, o Diretor vendo que precisava explicar melhor a situação, pediu desculpas pela sua entrada tão afetada e pelas exclamações que não faziam sentido:

 

- Esta bem, eu explico: "ele" é o Inspetor do Ministério da Educação para o programa de ensino de tecnologia. O governo financiou nosso laboratório de eletrônica, nossos computadores e deu os programas especiais que usamos, conforme vocês sabem. Pois bem, de tempos em tempos é feita uma avaliação sobre o modo como estes laboratórios, computadores e os programas estão sendo usados. E é aí que está o problema "grave": ele vem aí! Vai nos "visitar"! Chega amanhã!

 

E, agitando o E-mail impresso, o Professor Salgado mostrava que ele tinha sido avisado naquele dia.

 

É claro, que não haveria motivo para preocupações do diretor, se a escola estivesse com sua programação de informáatica em ordem, e se não fosse a fama do "homem" que não era nada boa! Essa fama era bem conhecida do Professor Sales que já o tinha encontrado anteriormente, quando lecionava em outra escola, e que dizia coisas terríveis do "homenzinho de óculos que nunca sorria":

 

- Mantenho até hoje na memória aquele "olhar gélido" que me fez encolher até me sentir "menor que um átomo de hidrogênio" e mais desprezível que um "micróbio órfão"!

 

O apelido dado pelos que o conheciam já tinha chegado a Escola Técnica de Brederópolis e era uma amostra da fama terrível que o tal inspetor tinha:

 

- Caramba ‚ o "homem da GESTAPO" que vem aí! - exclamou Cleto.

 

O apelido tinha uma explicação: numa das cidades, com escola técnica, em que ele fazia uma visita, justamente na sua chegada, passava no cinema local um filme retratando os terríveis acontecimentos da segunda guerra mundial, onde um dos vilões mais detestados era um terrível "inquisidor" da polícia secreta nazista (GESTAPO)!

 

Coincidentemente o personagem tinha uma grande semelhança física com o inspetor!

 

- Até os óculos são iguais! De aros finos e redondos!

 

- Olha só o bigodinho atrevido!

 

Os alunos da outra escola chegaram até a dizer que se alguém pegasse o inspetor distraído e gritasse: Heil Hitler! Ele, provavelmente bateria os calcanhares e levantaria o braço na saudação Nazista! Exageros! Mas a fama era a fama e o rigor do inspetor na verificação dos documentos das escolas que visitava e a maneira como tratava os vistoriados fazia isso aumentar a cada dia, apavorando todo mundo!

 

Dentre os boatos que circulavam haviam os que envolviam a eletrônica: Beto aproveitou para especular sobre um deles:

 

-         Puxa! É verdade que ele carrega um computador "lap-top" onde registra até os

"pensamentos" dos alunos e dos funcionários das escolas visitadas para depois colocar isso nos relatórios?

 

O Professor Ventura sorriu, tentando negar, mas no fundo ele se lembrava preocupado, da maleta que o inspetor carregava e que de vez em quando abria, teclando alguma coisa, principalmente quando via algo "suspeito" ou que merecesse uma anotação desaprovadora. Diziam que era uma versão moderna da máquina de cifrar "Enigma" com a qual os alemães transmitiam mensagens secretas. Ninguém conseguiria decifrar os terríveis segredos do inspetor, mesmo que tivesse acesso aos seus arquivos!

 

Cleto até imaginava um teclado com letras góticas, como as usadas nos antigos documentos alemães! Mais uma vez sua imaginação trabalhava rápido demais.

 

- Apenas boatos!

 

- Mas que ele registra! Registra! - falou, preocupado o Professor Salgado no sofá.

 

- Ou transmite! - completou Cleto, lembrando da máquina nazista.

 

- Você anda jogando muito WOLF3D! - Beto que sabia que o jogo predileto do amigo no PC imitava uma fortificação nazista onde o herói deveria enfrentar muitos inimigos, advertiu Cleto.

 

Mas, o professor Salgado estava mesmo preocupado e continuou a expôr suas preocupações:

 

- Isso não importa!  O que interessa é que ele vem aí e preciso da ajuda de vocês!

 

- Nossa? Mas, o nosso ensino não está em ordem? Existe algum problema? O diretor acalmou então o Professor Ventura:

 

- Calma! Não há nada errado. O que há vocês sabem perfeitamente: com a doença do Bonifácio, por causa do dente (**) a documentação interna da escola, e o controle do uso do programa do ministério não foi passado para o computador! Apenas atrasou um pouco. Precisamos de pelo menos um dia para colocar os registros em dia e digitar as informações, mas o diabo é que o tal Inspetor deve chegar antes!

 

(**) Para os que quiserem saber o que aconteceu com o secretário da escola, o pacato "seu" Bonifácio, sugerimos a leitura da estória "O Denteródino"  do mesmo autor.

 

- Caramba! E o que nós podemos fazer? Dinamitar a ponte de acesso à cidade?

 

- Jogar tachinhas na rodovia?

 

- Curto-circuitar o lap-top do homem?

 

- Mandar o Wolfestein para liquidá-lo? - mais uma vez o "personagem" do jogo invadia a imaginação de Cleto.

 

Certamente, as idéias de Beto e Cleto de "atrasar" a chegada do inspetor eram apenas piadas que visavam antes minimizar um pouco a gravidade de situação.

 

- Claro que não! Mas, podemos "bolar" algo para atrasar, pelo menos por um dia, a vistoria, quando ele chegar amanhã. Não precisamos mais que isso para colocar os arquivos em ordem!

 

O Professor Ventura estalou os dedos:

 

- Já sei! Podemos fazer um plano de ataque relâmpago ao inspetor, mantendo-o ocupado com atividades de despistamento antes que ele tenha tempo de iniciar a vistoria! Quando o "homem" chegar ele vai ter muito com o que se preocupar antes de ver os registros e o computador! Cuidaremos para que ele tenha muito com o que se preocupar antes de ver os registros e o computador! Cuidaremos para que isso leve o tempo que for necessário para colocar tudo em ordem!

 

- Ótimo! Mas veja lá o que vai "aprontar" com suas invenções malucas! Nada de circuitos loucos em cima do homem! - ao mesmo tempo que aprovava e advertia, o professor Salgado fez uma cara de dúvida - Mas, diga-me: como vai organizar isso em apenas um dia! O inspetor chega amanhã!

 

Eles sabiam como!

 

Mas não era só distrair o inspetor a verdadeira intenção do Professor Ventura. Na verdade ele "maquinou" um plano bastante interessante para afetar o conteúdo da maleta misteriosa que ele carregaria impedindo-o de usar seus programas de avaliação pelo menos por um dia! Seria o suficiente para que o secretário, ajudado por alguns voluntários tirassem o "atraso" dos arquivos do computador da escola.

 

No dia seguinte cedo, o velho mestre, chamou Beto e Cleto ao seu laboratório para lhes explicar o "plano". Afinal o único “ônibus da capital só chegaria no dia seguinte".

 

O professor pediu para os rapazes que se sentassem no velho sofá no fundo do laboratório para lhes dar as explicações iniciais.

 

- Tenho uma idéia! Uma espécie de operação de de guerra!

 

Cleto ainda com as idéias da Segunda Guerra mundial levantou-se e exclamou entusiasmado:

 

- Blitzkrieg!  (***)

 

Beto balançou a cabeça como que negando aquela terrível comparação esperando pela conclusão das explicações, mas o Professor Ventura tinha ouvido o comentário de Cleto e gostado do termo:

 

-         Taí: blitzkrieg! Vamos fazer uma "guerrinha relâmpago" particular, e nosso "inimigo"

é o inspetor! Tudo para manter o homem afastado por uns tempos dos documentos e do computador da escola! – e com isso prosseguiu explicando seu plano - A idéia é simples! Logo que ele chegar o abordamos, não damos tempo para ele dizer ou fazer nada! levamos o "homem" para o hotel e depois o mantemos ocupado: ele não vai sair de seu quarto sem que tenha alguém por perto e o leve para alguma coisa combinada que não seja vistoriar os livros e arquivos do computador da escola!

 

- Uma ação relâmpago que não o deixe sequer respirar! - completou Beto.

 

- Isso! Blitzkrieg! - confirmou o Professor Ventura levantando o dedo para lembrar o termo alemão citado por Cleto.

 

Depois disso, o Professor Ventura enumerou num quadro negro todas as "ocupações" que tinham em mente e combinou com Beto e Cleto o modo de ação.

 

(***) Guerra relâmpago em alemão! Para os leitores que estejam estranhando as citações repetidas à segunda guerra mundial e aos alemães, o autor informa que escreveu esta estória inspirado também pelas comemorações dos 50 anos do dia D, que ocorriam na ocasião. Há  50 anos, no Dia-D as forças aliadas invadiram a Europa dominada por Hitler, e mudaram o curso da guerra que até então era favorável aos alemães. O assunto estava em "alta" na época! Um livro bastante interessante que fala da espionagem cientifica durante essa guerra é "Um Homem Chamado Intrépido" em que se descreve a Enigma, interessante máquina de cifrar usada pelos alemães, mas que caiu em poder dos aliados, permitindo assim que uma boa parte de suas operações fosse descoberta antes de realizadas. Naquela época não existiam os computadores poderosos de hoje que certamente decifriariam com facilidade os códigos usados. O livro contém citações importantes sobre a eletrônica da época como o uso do rádio e o aperfeiçoamento do radar.

 

À tarde estava tudo pronto. Beto e Cleto, juntamente com o Professor Ventura esperavam ansiosamente o ônibus que vinha da capital trazendo o Inspetor. Naqueles momentos de espera é que Beto se lembrou de algo importante e ao mesmo tempo terrível:

 

- Por falar em Inspetor, como é o nome dele? Como vai reconhecê-lo, professor?

 

- Caramba! A preocupação com o "homem" foi tanta que esqueci de perguntar ao professor Salgado! Mas, levando em conta a descrição do professor Sales acredito que não vai ser difícil identificá-lo!

 

- Mesmo porque, noventa e nove por cento das pessoas que desembarcam aqui são conhecidas nossas!... É só esperar pelo que sobra! - comentou Cleto.

 

- Mas, se houver dúvida é só encarar o homem: se a gente se encolher até o tamanho de uma ameba, então é ele!... - Beto se lembrava do olhar frio citado pelo Professor Sales.

 

O professor intimamente ainda pensou abordar qualquer um que acreditasse ser o "homem" e gritar "Heil Hitler!" mas isso, além de ridículo, poderia parecer altamente repugnante, e sobretudo subersivo, principalmente se não houvesse resposta!

 

- Que loucura! Sou mais em fazer o "V" de Vitória! - exclamou baixinho, lembrando Churchill.

 

O ônibus chegou no horário e os passageiros íam descendo um a um. Todos conhecidos que voltavam da capital até que finalmente o último, carregando uma mala de forma esquisita, parou por um instante nos degrau do ônibus antes de passar desajeitadamente para a plataforma. Era ele! A descrição do Professor Sales coincidia perfeitamente: baixinho, meio gordo, com um bigodinho atrevido e usando um óculos de lentes redondas e de aros finos! De longe não dava para ver se o olhar era tão fulminante como apregoavam!

 

Observaram que estava a procura de alguém ou algo. Era o momento de se aproximar do sujeito e abordá-lo:

 

- Gulp! - Cleto não pode deixar de engolir em sêco. Estava um pouco impressionado com a fama do Inspetor. Na verdade, estava tão apavorado que teve a impressão de ver a suástica na manga do blusão escuro do sujeito: era apenas um desenho decorativo em preto e vermelho! Para a maleta de forma esquisita Cleto imaginou até um conteúdo mais terrível:

 

"- Cabe uma metralhadora portátil certinho!"

 

Mas foi o professor Ventura que tomou a iniciativa de se aproximar do "visitante":

 

- Inspetor?

 

A maneira como homenzinho se voltou rapidamente, foi tomada como uma resposta afirmativa, pelo menos foi essa a interpretação do professor Ventura!

 

- Bem vindo a Brederópolis! Estamos às suas ordens! O "mestre" não pôde vir e nos mandou para recebê-lo e acomodá-lo da melhor forma possível! Sou o Professor Ventura, da Escola Técnica e estes são Beto e Cleto, meus "assistentes" que devem cuidar para que sua estadia na nossa cidade seja a melhor possível! - o professor engasgou antes de dizer "melhor possível", pois quase deixa escapar um "mais curta possível!"

 

O ar incrédulo, ou pelo menos espantado do homenzinho, fez com que o professor e os rapazes sentissem um "friozinho" na espinha! Foi nesse momento que o Professor e os rapazes constataram que o inspetor tinha um sério problema visual, que tornava um tanto quanto difícil perceber emoções pela sua expressão: o "inspetor" era vesgo!

 

Mas, os encarregados da recepção não se importaram com isso, e antes que ele se recuperasse da surpresa da recepção e falasse alguma coisa, se adiantaram:

 

- Já reservamos uma "suite" no melhor hotel da cidade! Depois de tão longa viagem o senhor certamente deseja descançar um pouco antes de ver o mestre!

 

- M-Mas!...

 

No fundo Cleto, já mais descontraído, pensou debochadamente que o melhor hotel da cidade era também o único e que a "suíte" era o quarto em que não havia "goteiras".

 

- E menos baratas! - comentou baixinho consigo mesmo.

 

Pegaram a mala maior do inspetor, que já havia sido retirada da parte inferior do ônibus, e quando Beto se ofereceu para carregar maleta de forma estranha que ele segurava, a reação violenta do homenzinho assustou o grupo! Ele agarrou firmemente a maleta como quem dissesse: "não toque nela!". Não disse nada mas o olhar "penetrante" revelou finalmente a fama que tinha!

 

Beto recuou assustado e logo lhe veio à mente a citação de que ela seria o "poderoso" computador que guardava os segredos do inspetor.

 

Para Cleto não havia dúvida nenhuma sobre o conteúdo:

 

"- A metralhadora!" - enguliu em seco, depois de pensar numa cena terrível em ele encontrava a documentação da escola em desordem, retirava a arma e... Não foi adiante, pois suas pernas comecaram a tremer...

 

Meio receosos, acompanharam então o homenzinho até o hotel. Somente o professor falou pelo pequeno percurso de duas quadras, descrevendo a cidade, a escola, as atrações "turísticas", tudo enfim que lhe veio à mente. Precisava distrair o inspetor! Não podia deixá-lo falar!

 

- M-Mas!...

 

Beto e Cleto não deixaram de reparar na "frieza" com que o inspetor ouvia tudo: não disse uma só palavra em todo o percurso! (Na verdade tentou!)

 

- Vai anotar tudo no computador quando chegar ao hotel! Pode estar certo! - comentou baixinho Beto no ouvido de Cleto.

 

O Professor Ventura já havia combinado com a proprietária do hotel, Dona Mafalda, o modo de tratar o "importante" hóspede, de modo que estava tudo preparado! E combinado!

 

Recebido amavelmente, o baixinho não falou nada! Ou pelo menos não consegiiu!

 

-         M-Mas...

 

Parecia surpreso e quando foi acompanhado até o quarto "especial", apenas olhou meio desconfiado! Desconfiado?

 

Na verdade como era vesgo, era difícil saber o que significava seu "olhar":

 

- Desconfiado! - afirmava o Professor Ventura.

 

- Não! Espantado! - contrapôs Beto.

 

- Meticuloso! Deve analisar cada uma de nossas ações! Não notaram a frieza de suas reações? - Cleto, na verdade, via no "sujeito" um agente secreto ou coisa pior! Estava levando muito a sério a comparação feita com o agente nazista!

 

- Pode ser! Não disse nada desde que desembarcou! - concordou o Professor.

 

- E nem largou um segundo aquela estranha maleta? Viu como reagiu quando quisemos carregá-la? O que será que contém?

 

- Não acha muito estranho tudo isso, professor?

 

- Para dizer a verdade, sim! Mas, temos que ajudar o Professor Salgado!

 

Beto e Cleto, conforme instruções do Professor Ventura e muito curiosos em relação ao inspetor, tinham instalado no quarto do hotel alguns "aparelhos" interessantes. Como não podiam deixar de aproveitar a oportunidade que tiveram para isso também colocaram algo para "ouvir o que se passava". Quando a dona do hotel os levou para mostrar o quarto, os rapazes aproveitando a distração da mulher, colocaram num vaso um pequeno transmissor de FM. O resto dos aparelhos foi fácil de distribuir pelos "cantos" do quarto.

 

Beto ainda foi meio contrário a idéia de Cleto:

 

- Só vamos ouvir alguma se o homem tiver o costume de falar sozinho!

 

- É, mas pode ser justamente isso que seria interessante!

 

O pequeno transmissor tinha um alcance de 200 metros e um circuito modulador extremamente sensível com um controle automático de ganho. Assim, quando os sons captados pelo microfone fossem fracos, ele automaticamente aumentava sua sensibilidade de modo a torná-los claros. No entanto, se os sons fossem fortes, o que poderia causar saturação e com isso distorções, ele automaticamente reduzia a sensibilidade obtendo a modulação ideal.

 

O resultado era uma capacidade excelente de escuta de conversas, que tornava o aparelhinho ideal para trabalhos de espionagem.

 

Sentados no saguão do hotel, como combinado, na espera de que se o homem saísse, colocariam em ação um plano para entretê-lo, Beto e Cleto portavam seus walkmans. É claro que, em lugar de sintonizar a FM local, o "programa" era bem outro: sintonizavam a frequência do pequeno transmissor colocado no vaso.

 

Inicialmente ouviram alguns ruídos de abertura de portas de armários, dos pesados sapatos caindo no chão e depois o abrir de malas. Uma tosse forçada, entretanto, fazia fundo para todo esse barulho.

 

Beto tirou o fone de ouvido e comentou com Cleto:

 

- Nada de anormal!

 

- É verdade, mas ainda acho que vamos ouvir algo interessante! Tenho certeza que ele tem um potente transmissor naquela maleta para falar com os "chefes"!

 

- Ora! Que chefes? Você anda impressionado!

 

Mas, a única coisa de diferente que ouviram nas duas horas seguintes foi o ruído forte da descarga do banheiro. A ação do controle automático de ganho que deformava um pouco os sons fez com que Cleto novamente se ligasse nas coisas da segunda guerra:

 

- Lá vai uma V-2! (****)

 

Beto riu.

 

(****) V-2 eram as bombas voadoras, ou bombas foguetes que lançadas da Alemanha, caiam na Inglaterra.

 

Foi somente na hora do jantar que o "inspetor" deixou seu quarto, já com roupas trocadas. Certamente precisava jantar e procuraria um restaurante. O professor Ventura imediatamente foi avisado pelos rapazes e chegou antes que ele saisse pela porta do Hotel.

 

O professor não o deixou sequer cumprimentá-lo. Na verdade, pegou-o de tal forma desprevenido que ele se assustou e novamente "emitiu" aquele olhar indefinido que não se podia dizer se era de ódio, espanto, surpresa ou "sei-lá-o-quê"!

 

- M-Mas!...

 

Antes que emitisse qualquer ruído, o professor Ventura pegou-o pelo braço e foi logo dizendo:

 

- Que bom encontrá-lo! Vinha justamente buscá-lo para jantar no nosso melhor restaurante!

 

O gorduchinho foi levado então para o "Caldeirão de Ouro", onde conforme combinado anteriormente, por ordem do Professor Salgado, foi servido um excelente jantar, na verdade "excelente demais"! O "inspetor" comeu a valer, se bem que se mostrasse inicialmente receoso, ou algo semelhante, conforme pensou o professor Ventura. Mas, o importante ‚ que não o deixaram falar!

 

M-Mas!....

 

Na saída ele foi levado de volta ao hotel, e novamente o professor Ventura não o deixou falar:

 

- Tenha uma boa noite, Inspetor! Amanhã estaremos às suas ordens! Mas, antes de iniciar a inspeção vamos lhe mostrar nossa escola! Fazemos questão de que o senhor visite todas nossas instalações.

 

No quarto do hotel, os pequenos engenhos colocados por Beto e Cleto tinham por finalidade tornar a noite do baixinho um tanto quanto desagradável:

 

- Se ele dormir pouco, e passar uma noite "daquelas" não vai querer fazer logo de cara a inspeção! - comentava Beto.

 

- É, mas se ele resolver fazer a inspeção de mau humor, a "coisa" pode ser muito pior! - advertia Cleto, pensando na "tal" metralhadora!

 

O fato ‚ que, os aparelhinhos entraram em ação com a finalidade de impedir que o sujeito dormisse: um deles era um oscilador que imitava um barulho de grilo, bem "chato" e que estava escondido por trás de um guarda-roupas. O outro, que foi colocado no forro, por um alçapão, produzia o barulho de batidas ritmadas, e finalmente um terceiro produzia "aromas" um tanto quanto desagradáveis tendo sido instalado no banheiro. Todos eles, eram controlados por um PIC programado por um PC para funcionar somente à noite.

 

Mas, ao contrário do que os "eletrônicos" pensavam, os aparelhos não fizeram efeito algum sobre o "Inspetor"!

 

Anestesiado pelo excelente jantar regado à vinho e muito cansado da viagem, tão logo ele caiu na cama, não se ouviu mais nada e nem sentiu nenhum cheiro desagradável. Na verdade, o barulho de seu próprio ronco cobria com muitos dB de vantagem os ruídos de grilinho, batidas e o que viesse!

 

Para infelicidade do Professor Ventura, Beto e Cleto, o homem acordou alegre e disposto.

 

Vestiu uma roupa limpa, desceu e tomou seu café da manhã. Quando desceu, uma surpresa: já o esperavam na porta o Professor Ventura, Beto e Cleto:

 

- Bom dia! Esperamos que tenha dormido bem!

 

O Professor Ventura tomou-o pelo braço para levá-lo à escola. O "inspetor" tentou se soltar, mas não foi possível. Já estavam na porta do hotel quando uma figura importante da cidade foi avistada pelo visitante. Um sorriso enorme se estampou em seu rosto, e ele caminhou em direção de Epaminondas Portentoso.

 

O músico e barbeiro da cidade, ao avistar o "inspetor" teve uma reação completamente inesperada para o professor Ventura, Beto e Cleto.

 

Abriu um enorme sorriso e caminhou ao seu encontro:

 

- Não ‚ possível! Pensei que não tivesse vindo! Cheguei um pouco tarde a rodoviária e não o vi! - foi dizendo Epaminondas.

 

- Mestre! Alegro-me em vê-lo! Mas estas pessoas me receberam muito bem! Você certamente os mandou, pois me reconheceram imediatamente!

 

- Verdade? Eles são velhos conhecidos meus, o Professor Ventura, Beto e Cleto, mas não os avisei! Como sabiam!

 

Beto, Cleto e Professor Ventura estavam confusos. Quem era afinal aquele homem? Epaminondas explicou então:

 

- Este ‚ meu Primo Eurípedes, que mora na Capital e é Inspetor Escolar. Está  de férias e vem para ficar uns dias comigo. Vamos nos divertir, pois ele ‚ um Músico muito bom! - ía dizer "como eu", mas a modéstia do tubista o impediu.

 

- Não tão bom como o primo Epaminondas! Ele‚ o meu mestre! Na verdade ‚ por isso que eu o chamo de Mestre!

 

- Verdade, mas por que não disse isso antes? - perguntou o professor Ventura sério. A resposta do baixinho foi clara:

 

- Vocês não me deixaram falar!

 

Neste momento, Epaminondas abraçou o primo e o levou para sua casa, conversando animadamente. Enquanto Beto, Cleto e o Professor Ventura observavam a cena com "caras de tacho". Mal a dupla virou a primeira esquina, chegou correndo o Professor Salgado com um novo E-mail:

 

- Ele não vem! Ele não vem!

 

Os três olharam sérios para o Diretor da escola e simplesmente disseram:

 

- Já  sabemos!

 

- Mas como? E, quem é aquele "sujeito"?

 

- O primo do Epaminondas!

 

E depois da longa explicação dada pelo Professor Ventura ao Professor Salgado eles não tiveram nada mais a dizer do que:

 

- Um “simples” erro de identificação!