Em 1995 escrevemos um interessante artigo "Por Dentro do Sol" (AST001) no qual analisamos o funcionamento de nosso sol, mostrando como ele produz energia e falamos também de suas instabilidades que provocam o que denominamos "tempestades solares". Agora, no ano de 2012, uma das mais poderosas dessas tempestades ocorreu em 9 de março, afetando nossas comunicações e muito mais, mostrando que a nossa eletricidade e eletrônica são sensíveis ao que ocorre a 150 milhões de quilômetros de distância. Assim, antes de ler este artigo, sugerimos que o leitor leia aquele e depois volte, para saber um pouco mais da poderosa tempestade solar que nos afetou nesse mês de março de 2012.

Num ciclo de 11 anos o sol passa por períodos de turbulência e de calmarias que afetam o que ocorre na terra. Estudos mostram que estes ciclos estão associados a invernos extremos em alguns países, verões secos e até mesmo as oscilações do nível de lagos, como o lago Vitória na África. O que mais estes ciclos afetam não está muito bem definido, se bem que muitos estudos tenham sido realizados nos últimos anos.

No entanto, sabemos que nas épocas de turbulência quando enormes manchas aparecem na superfície do sol, algumas com mais de 300 000 quilômetros de diâmetro, explosões que geram enormes chamas (flares) ou protuberâncias que expelem para o espaço uma quantidade enorme de partículas elétricas as quais atingem o nosso planeta, normalmente em intervalos que vão algumas horas até alguns dias. A figura 1 mostra essas manchas.

 

 

Figura 1 - Manchas solares - Foto NASA
Figura 1 - Manchas solares - Foto NASA

 

 

Os campos magnéticos dessas manchas alcançam intensidades milhares de vezes maior do que o campo da terra e quando as explosões ocorrem a matéria também é expelida com velocidades de centenas de quilômetros por segundo. Na figura 2 temos uma dessas explosões com a emissão de partículas e matéria.

 

 

Figura 2 - Uma protuberância solar - foto NASA
Figura 2 - Uma protuberância solar - foto NASA

 

A terra tem uma blindagem natural para estas partículas, mas elas entram na ionosfera que está carregada eletricamente afetando suas propriedades e induzindo diversos tipos de fenômenos aqui em baixo.

Entrando na ionosfera as partículas afetam também o campo magnético da terra movimentando-se numa trajetória espiral que procura acompanhar suas linhas de força. Isso significa que essas partículas tendem a se deslocar em direção aos pólos onde penetram com tal velocidade que provocam a ionização do ar.

O resultado é a produção de franjas coloridas de ionização, no efeito que denominamos aurora boreal. É claro que esse fenômeno ocorre também no pólo sul, causando a aurora Austral.

Mas, afetando a condutividade da ionosfera, as ondas dos sistemas de telecomunicação que dependem dessa camada ou que tem de atravessá-la podem ser afetadas.

Assim, ocorre o efeito Mügel-Dellinger que é o silenciamento por certos períodos das comunicações na faixa de ondas curtas (3 - 30 MHz). Hoje em dia, não dependemos tanto desta faixa de frequência para as comunicações, pois os satélites e mesmo os celulares estão com suas frequências na faixa de VHF e UHF(30 MHz a 3 GHz) e mesmo mais, mas houve tempo em que essa era a faixa de ondas mais utilizada pelos serviços de comunicações a longa distância.

Mas, isso não significa que as faixas de 30 MHz a 3 GHz não sejam afetadas. A propagação aqui em baixo ou até um satélite pode ser afetada causando interrupções dos sinais e diversos outros problemas.

As linhas de transmissão funcionam como antenas, podendo captar os sinais induzidos pela movimentação das partículas e com isso sofrer problemas como descargas responsáveis por apagões, transientes e outros problemas. Além disso, a movimentação das partículas na ionosfera induz na terra correntes que podem entrar nos sistemas de distribuição de energia, através de suas conexões à terra, causando sérios problemas de funcionamento.

 

 

Figura 3 - Alegoria da internet prevendo o fim do mundo por uma tempestade solar.
Figura 3 - Alegoria da internet prevendo o fim do mundo por uma tempestade solar.

 

Um exemplo pode ser dado nas linhas de transmissão trifásicas de 138 000 volts ou mais que são formadas por 3 cabos elevados, dois correspondentes a base e um de terra. Esses cabos são convertidos de 69 000 V em 18 300 V para distribuição e depois em 110 V ou 220 V para uso.

Quando ocorre uma tempestade solar são gerada Correntes Induzidas Geomagneticamente ou do inglês GIC (Geomagnetically Induced Currents) que podem entrar nos transformadores pela conexão à terra.

Essa corrente contínua induzida (DC) se soma à AC da linha de modo a mudar a relação de corrente entre a tensão AC e a corrente, o que faz com que o transformador sofra uma sobrecarga durante metade dos seus semiciclos operação. Essa corrente pode chegar a centenas de ampères em alguns casos, fazendo com as chapas do núcleo do transformador vibrem de forma intensa devido ao fenômeno da magnetostrição. Num transformador de grande porte essa vibração pode ser suficiente para partir as chapas do núcleo ou ainda gerar focos de calor.

Encontramos informações na internet de um transformador na usina nuclear de New Jersey que entrou em pane em 1989 devido a problemas de isolamento acumulado por GIC durante diversas tempestades solares. Pontos de calor atingindo temperaturas da ordem de 400º C tem sido observados como causa de panes em transformadores.

Observa-se claramente que os aumentos e diminuições das falhas em transformadores seguem os ciclos de 11 anos das manchas solares.

 

 

Figura 4- O ciclo de 11 anos das manchas solares
Figura 4- O ciclo de 11 anos das manchas solares

 

O solo em que está o transformador influi na indução dessas correntes, mas tipicamente elas podem ter intensidades de 5 a 10 A pelas variações diárias das correntes induzidas, mas chegam a mais de 200 ampères durante tempestades severas.

Os custos de reparação dos transformadores são muito altos e, além disso, durante o tempo em que eles estão fora de serviço a empresa de energia pode precisar comprar energia de outras fontes, o que representa custos adicionais.

Outro problema que deve ser levado em conta é a sensibilidade dos satélites que existem hoje no espaço. Centenas de satélites de todos os tipos no valor de bilhões de dólares têm sua integridade comprometida pelo aumento da radiação a que estão sujeitos. São satélites meteorológicos, de comunicações, com finalidades militares, científicas e muito mais, orbitando a terra e mesmo o sol.

Com o aumento do nível de radiação, seus circuitos eletrônicos são afetados e até mesmo danificados de modo irreversível tirando-os de operação. Os painéis solares, por exemplo, usados na alimentação dos circuitos passam a receber uma intensidade anormal de radiação que reduz seu rendimento e até mesmo os pode tirar de operação.

 

Conclusão

O ciclo dos 11 anos das manchas solares afeta muitos de nossos equipamentos elétricos e eletrônicos, assim como sistemas sensíveis que, pela sua complexidade, tornam-se cada vez mais críticos.

Assim, a preocupação em se proteger esses sistemas, evitando a ocorrência de falhas é uma preocupação cada vez maior para os projetistas que devem conhecer tanto a eletrônica como a astrofísica, dado o envolvimento cada vez maior dos fenômenos cósmicos no dia a dia de nossa tecnologia.