Temos abordado em muitos de nossos artigos as diversas tecnologias usadas nas telecomunicações, incluindo o telefone digital. Porém, em nenhum de nossos artigos fizemos uma análise detalhada de como funciona o telefone celular em sí, com os diversos blocos que formam este aparelho, como cada um funciona e que tipos de sinais percorrem cada etapa. Este conhecimento é fundamental não só para os profissionais das telecomunicações como também para qualquer praticante da eletrônica que deseje conhecer todas as tecnologias que dispomos em nossos dias. É justamente o princípio de funcionamento do telefone celular que vamos abordar em dois artigos, começando por este. (2004)

Vamos analisar o princípio de funcionamento de um telefone celular baseados em documentação da Texas Instruments que toma como modelo o padrão IS-54.

 

Diagrama Funcional

Começamos então por dar um diagrama funcional do telefone celular digital em Dual-Mode na figura 1.

 


 

 

 

O aparelho típico contém as seguintes funções básicas exercidas por um ou mais blocos do diagrama que demos como exemplo:

Transmissor

Receptor

Coordenador

Conjunto de antena

Painel de controle

 

O aparelho ideal deve ser capaz de operar tanto numa célula apenas analógica como numa célula dual-mode. Tanto o transmissor como o receptor devem suportar esquemas de FM analógico e digital TDMA (time division multiple access).

A transmissão digital sempre é preferida de modo que, quando este sistema está disponível ele deve ser utilizado pelo aparelho como preferência só passando para o analógico quando ele não está disponível.

No circuito mostrado, o transmissor converte o sinal de áudio captado a partir do microfone num sinal de RF, enquanto que o receptor converte o sinal de RF num sinal de áudio, reproduzido no fone.

A antena tem por finalidade converter os sinais de RF em ondas eletromagnéticas para a transmissão e converter as ondas eletromagnéticas em sinais, para o processo de recepção.

A finalidade do painel de controle é servir como um dispositivo de entrada e saída (I/O) para o usuário. Nele temos um teclado, display , o microfone e o fone de ouvido (alto-falante).

Coordenando as atividades de todos os blocos existe um circuito coordenador. Esse coordenador sincroniza as funções de transmissão e recepção do telefone celular.

Na figura 2 mostramos os blocos funcionas da parte digital do telefone celular Dual-Mode.

 


 

 

 

A partir do que vimos podemos fazer uma análise detalhada de como funciona cada um dos blocos que formam um telefone celular digital.

 

O Transmissor

A finalidade do transmissor é aplicar os sinais de baixo nível que o microfone recebe e transformá-lo num sinal codificado de RF. Para isso, o transmissor converte os dados codificados em “modulação de código de pulso” ou PCM numa taxa de amostragem de 64 bps em um sinal com menor velocidade de dados.

Depois ele multiplexa a informação, controla essa informação, agrega bits que permitem proteger a integridade dos dados, evitando erros e então o passa para um sistema de modulação e amplificação.

O sinal, já na forma digital e amplificado, serve então para modular o circuito transmissor. Neste ponto, o circuito coordenador insere no sinal

informações que permite o controle do processo de comunicações.

Analisemos separadamente os blocos que formam o transmissor.

 

Processamento de entrada

Os sinais que correspondem à voz obtidos a partir do microfone, inicialmente são amplificados e depois aplicados num filtro anti-falseamento (antialiasing) e depois amostrados numa velocidade de 8 kHz de modo a gerar um sinal digitalizado de 64 kbps.

Normalmente, nenhuma pré-ênfase é aplicada.

A figura 3 mostra o diagrama de blocos desta parte do aparelho de telefone celular.

 


 

 

No padrão de telefonia celular não se prevê a utilização de circuito cancelador de eco, mas é recomendada a sua implementação. Os circuitos que formam esta etapa são:

- Um amplificador com ganho especificado para produzir um sinal que seja 18 dB menor que o fim da escala.

- Um filtro passa-faixa para evitar o falseamento

- Um conversor analógico-para-digital. A resolução mínima recomendada para este conversor é de 13 bits para a conversão PCM uniforme ou 8 bits u-law.

 

Codificador de Palavra

O codificador de palavra tem por finalidade reduzir a taxa de dados comprimindo o fluxo de dados de 64 bps de modo a criar um fluxo de 7 950 kbps.

O padrão IS-54 aceita também uma codificação de palavra denominado “vector sum excited linear prediction (VSELI). Esse algoritmo pertence à classe dos codificadores conhecidos como code excited linear predective coders (CELI) que usa um livros de códigos para quantizar vetores de excitação do sinal. VSELP é uma variação do CELP.

O sinal que chega de 64 kbps é agrupado em blocos ou frames de modo a formar um fluxo de 50 frames por segundo. Isso significa que cada frame contém 160 amostras e representa uma duração de 20 ms. Cada frame é codificado em 159 bits.

Com isso obtemos a codificação final de 50 x 159 = 7 950 kbps que é mostrada na figura 4.

 


 

 

 

O decodificador de palavra utiliza dois livros separados de código. Cada código tem um ganho independente. As excitações dos livros de código são multiplicadas pelos seus ganhos correspondentes e somadas para criar uma excitação combinada. Os parâmetros usados no codificador de palavra VSELP são dados na tabela abaixo.

 

Tabela

Parâmetro Notação Especificação
Taxa de amostragem s 8 kHz
Comprimento do frame Nf 150 amostras (20 ms)
Comprimento subframe N 10 amostras (5 ms)
Ordem do Preditor de curto-termo Np Np 10
Número de tomadas para o preditor de longo termo NL 1
Número de bits no código 1 de palavras (número de vetores de base) M1 7 bits
Número de bits na palavra de código (número de vetores de base) m2 7 bits

 

Codificador de Canal

A função principal do codificação de canal é proteger o fluxo de dados contra o ruído e o desvanecimento que são inerentes a um canal de rádio. O codificador faz isso adicionando bits extras ou redundantes.

Quanto maior for o número de bits redundantes, maior será a imunidade do sistema.

O codificador de canal protege o fluxo de dados em quatro estágios:

1. Codificação convolucional

2. Geração de verificação cíclica de redundância (CRC)

3. Interleaving

4. Geração de burst

 

Os dois primeiros modos são operações matemáticas enquanto que os dois últimos são aproximações heurísticas. O receptor faz uma operação inversa para determinar quando erros ocorrem a transmissão.

Na propagação dos sinais de rádio descobriu-se que o fading (desvanecimento) ocorre em condições localizadas no tempo e espaço.

Como resultado, o “interleaving” espalha as informações do fluxo de dados em dois frames, porque não se deseja que um bit de erro ocorra em frames sucessivos.

Entre o interleaving e o gerador de burst , o codificador de canal multiplexa a informação de controle. Na figura 5 mostramos os componentes desta parte do circuito de um telefone celular.

 


 

 

 

Codificação Convolucional

Esta função tem por finalidade fornecer a capacidade de correção de erros pela adição de redundância a seqüencia transmitida. A codificação convolucional é implementada por shift registers lineares.

Um codificador convolucional é descrito pela velocidade com que os dados entram no codificador e pela velocidade com que os dados deixam o codificador. Por exemplo, um codificador convolucional rate-1/2 é aquele em que a cada 1 bit de dados que entram no codificador, 2 bits deixam o codificador. Tanto menor a relação (ratio), maior é a redundância.

Para reduzir a taxa de bits, não são todos os 159 bits de um frame que são protegidos contra erros. Apenas 77 desses bits, chamados bits de classe 1, são protegidos contra erros. Os 82 bits restantes, denominados bits de classe 2, não são protegidos. A figura 6 mostra o que ocorre neste esquema de proteção.

 


 

 

 

Verificação de Redundância Cíclica

Dos 77 bits que são protegidos contra erros, verifica-se que apenas 12 são significantes. Eles são então protegidos por um processo de computação de redundância cíclica antes de serem aplicados ao codificador convolucional. Um CRC de 7 bits é computado dividindo os dados por uma constante específica e o restante é transmitido como dados. O receptor detecta erros comparando o restante recebido com o que ele calculou previamente.

Na figura 7 mostramos como o sistema de proteção contra erros adiciona 101 bits a cada 20 ms, com um total adicional de 5050 bps.

 


 

 

 

Interleaving (Intercalação)

Como explicamos, os dados de cada frame são divididos em dois blocos e espalhados antes de serem transmitidos, conforme mostra a figura 8.

 


 

 

 

Isso é feito porque o desvanecimento pode destruir um frame, mas é muito difícil que ele destrua dois frames sucessivos. Como resultado, não são todos os bits de um frame de palavra que são perdidos se tivermos apenas uma fatia perdida.

Os 159 bits de um frame de lavra são classificados como bits classe 1 e bits classe2. Os dados são colocados no array intercalado nos quais os bits classe 1 são inter-misturados com os bits classe 2. Esses bits sequem as seguintes locações numéricas:

0, 26, 52, 78

93 até 129

130, 156, 182, 208

223 até 259

 

Multiplexação do Sinal de Controle

A informação do sinal de controle é inserida nos intervalos entre dados. A informação de controle inclui:

- Canal de controle associado lento (Slow associated control channel ou SACCH)

- Canal de controle associado rápido (Fast associated control channel ou FACCH)

- Código de cores de verificação digital (Digital verification color code ou DVCC)

Palavra de sincronização (SYNC)

 

A figura 9 mostra como funciona este controle.

 


 

 

 

O SACCH (Canal de Controle Associado Lento) é um canal de sinalização para o trajeto da palavra na transmissão servindo para a troca de mensagens de supervisão na transmissão entre a estação base e o telefone celular. Essas mensagens SACCH são continuamente mixadas com os dados do canal. São usados 12 bits para esta finalidade.

O FACCH (Canal de Controle Associado Rápido) é um canal de sinalização para o controle de transmissão e de mensagens de supervisão entre a estação base e o telefone celular. Essas mensagens não são mixadas com os bits de informação. Elas substituem o bloco de informação do usuário quando necessário.

DVCC (Código de Cores de Verificação Digital) – trata-se de um código de 8 bits que é enviado da base para o telefone e é usado para gerar uma verificação. O campo do CDVCC tem 12 bits sendo 8 do DVCC servindo para verificar o volume de tráfego nos canais adjacentes.

SYNC (Sincronismo) – trata-se de um campo de 14 símbolos usados para sincronização, temporização e identificação dos blocos de informação.

 

Mobile Assisted Handoff

O Mobile Assisted Handoff ou MAHO é um novo destaque do padrão IS-54. A estação base pode comandar o telefone celular para fornecer a medida da qualidade do sinal no canal em uso e em 12 outros canais. Desta forma, a unidade móvel (telefone celular) pode medir duas quantidades:

1. A intensidade do sinal recebido (RSSI) que é uma medida expressa em dB.

2. A taxa de erros de bit (BER) que é uma estimativa da informação sobre os erros pela medida do fluxo de dados de correção na entrada do decodificador.

 

Essas medidas de qualidade do canal (RSSI e BER) são enviadas à estação base para ajudar na sua capacidade de manuseio dos sinais. Isso reduz a sua sobrecarga. Os sinais RSSI e BER normalmente são enviados via SACCH, se bem que eles também possam ser enviados via FACCH durante a descontinuidade da transmissão (DTX). DTX é um modo de operação em que a unidade móvel transmite de modo autônomo entre dois níveis de potência enquanto a unidade móvel está no estado de conversação.

 

Gerador de Burst (salva)

Depois que os dados são comprimidos e protegidos contra erros, o fluxo de bits recebe uma nova compressão, agora no tempo, passando ao formato de burst (salva), conforme mostra a figura 10.

 


 

 

Essa figura mostra como os dados são comprimidos no tempo e usados no canal de 48,6 kbps.

 

Modulador ω/4 DQPSK do Transmissor e Amplificador de RF

Os dados numa taxa de 48,6 kbps são agora aplicados a modulador do tipo “diferential quaternary phase-shift keying” ou DQPSK. Este modulador agrupa dois bits ao mesmo tempo de modo a criar um símbolo. O termo diferencial é usado porque os símbolos são transmitidos como mudanças relativas de fase, em lugar de valores absolutos de fase.

Na figura 11 mostramos que para certas transmissões a origem deve ser cruzada. Isso implica que a potência da envoltório no decodificador vai ser 0 quando a origem é cruzada, causando um impacto indesejável nos filtros.

 


 

 

Para aliviar isso, o esquema ω/4 é usado, conforme mostra a figura 12.

 


 

 

Neste esquema, as transmissões são +/- 45 graus ou +/- 135 graus e a com isso a origem nunca é cruzada na passagem de um estado para outro.

A figura 13 mostra como os dados seriais são agora apresentados como dados paralelos de 2 bits e aplicados aos multiplexadores depois de conversão digital para analógico.

 


 

 

Como dois conversores digitais para analógico (DAC) são necessários, eles são referidos algumas vezes como Dual DACs. Os sinais binários variam os sinais deslocados em fase através de multiplicadores. Filtros limitam a resposta dos impulsos dos sinais binários de modo a assegurar que a portadora de RF ocupará apenas a faixa alocada. Os dois sinais são então somados para formar uma portadora final deslocada em fase.

A conversão da banda-base para RF, ou seja, a translação de freqüência da portadora modulada, é tipicamente feita em diversos etapas de modo a se alcançar a faixa de 800 MHz.

 

Amplificador de RF

O amplificador de RF tem por finalidade aumentar a intensidade do sinal modulado para que ele alcance os níveis necesários à transmissão. Apesar da transmissão analógica, que usa FM, o amplificador de RF para DQPSK deve ser linear. Em FM, amplificadores push-pull não lineares classe C são usados para amplificação. Esses amplificadores têm uma eficiência de aproximadamente 50%.

Entretanto, amplificadores não lineares não podem ser usados em DQPSK porque eles podem causar distorções de fase. Os amplificadores lineares usados em DQPSK são menos eficientes, algo em torno de 30%. A figura 14 mostra como funciona esta etapa.

 


 

 

Enquanto um duplexador é necessário para a seção analógica do telefone dual-mode, ela não é necessária para a parte digital, porque neste caso o receptor e o transmissor não operam simultaneamente.

Uma chave PN é o suficiente para isolar o transmissor do receptor. Com isso o duplexador pode ser removido da parte digital. Removendo o duplexador, obtemos alguns benefícios: quando os sinais DQPSK estão passando através de um duplexador, distorção de fase pode ocorrer, e além disso existe alguma perda de potência que exige então um amplificador de maior potência. Assim, com a eliminação do duplexador pode-se obter uma autonomia maior para bateria do telefone celular.

No segundo artigo desta série trataremos do funcionamento do circuito receptor do telefone celular.