Guerras e outros conflitos acabam por exigir esforços das partes envolvidas que incluem a necessidade de inovações tecnológicas. A segunda Grande Guerra (1939-1945) não foi exceção, e pelas suas dimensões, resultou em esforços que levaram a enormes desenvolvimentos tecnológicos que até hoje desfrutamos . Neste artigo tratamos de alguns deles.

Nota: Este artigo faz parte do meu livro “Viagem pelo Mundo da Tecnologia” (2018) onde, além de destacarmos as grandes invenções e suas influências em nossos dias, comentamos as invenções atuais e o estado da tecnologia que usamos e o que pode vir no futuro.

 

Avanços da Segunda Guerra Mundial

Quando existem conflitos, os esforços realizados pelas partes envolvidas podem levar a muitos avanços da tecnologia.

Podemos dar como exemplo o desenvolvimento do GPS como consequência da Guerra do Golfo e das telecomunicações na corrida espacial dos americanos com os russos.

No entanto, a segunda guerra foi responsável também por muitas inovações tecnológicas que hoje desfrutamos dos resultados.

Um fato interessante que deve ser comentado é o modo como a tecnologia avança.

Pode parecer óbvio para muitos que a tecnologia se desenvolve por caminho único e que cada descoberta é consequência dos avanços anteriores da ciência e da própria tecnologia, que seriam únicos.

Em outras palavras, a tecnologia seguiria um caminho único sem alternativas. Se vamos descobrir algo mais adiante, isso já está determinado pelas descobertas anteriores e isso não eliminaria alternativas.

No entanto, a história mostra que isso não ocorre, e que os avanços da tecnologia podem seguir caminhos diferentes que não dependem de nenhuma regra predeterminada.

Podemos começar dando como exemplo a tecnologia desenvolvida na China quando comparada com a tecnologia dos europeus, antes de haver um contato entre as duas civilizações, antes da idade média.

Os chineses já tinham a bússola, usavam a pólvora, os espelhos quando na Europa não havia nada disso. Marco Polo levou isso como novidade ao regressar da sua grande viagem.

 

Figura 1 – Ilustração feita por minha mãe Dyrce Braga (Lilinha) para o Livro das Maravilhas (1956), mostrando os irmãos Polo em Veneza em 1254, antes da viagem à china.
Figura 1 – Ilustração feita por minha mãe Dyrce Braga (Lilinha) para o Livro das Maravilhas (1956), mostrando os irmãos Polo em Veneza em 1254, antes da viagem à china. | Clique na imagem para ampliar |

 

A Alemanha Nazista se isolou do resto do mundo criando uma tecnologia própria que, baseada em algumas crenças, levou a coisas estranhas para nós hoje.

Por exemplo, os nazistas achavam que a detecção de inimigos seria mais fácil com a utilização de sensores para radiação infravermelha e, com isso, pouco avançaram no desenvolvimento do radar, o que não ocorreu com os aliados.

O próprio rádio tinha uma diferença de abordagem, conforme detalho em artigo “O Rádio na Alemanha de Hitler”.

Mas, a necessidade de se vencer o conflito levou a diversos avanços importantes na tecnologia.

Um deles é o radar que se desenvolveu a partir das válvulas magnetron que são utilizadas até hoje em nossos fornos de micro ondas.

De fato, depois da guerra enormes radares usando as válvulas magnetron foram posicionados em diversas partes do mundo, como no Alaska, para detectar um eventual ataque russo. A guerra fria teve início. Logo os soldados que cuidavam desses radares descobriram que poderiam se aquecer se ficassem na frente das antenas a uma distância segura e, mais do que isso, poderiam cozinhar suas salsichas em distâncias menores.

Logo surgiu a ideia de se usar as micro ondas para aquecer ou cozinhar os alimentos. Os primeiros fornos de micro ondas apareceram por volta de 1956 e não eram não pequenos e práticos como hoje. Deem uma olhada na figura.

 

Figura 2 - Forno de microondas de 1956
Figura 2 - Forno de microondas de 1956 | Clique na imagem para ampliar |

 

As teorias relacionadas com a computação tiveram um grande avanço nessa época, com o trabalho de Alan Turing na tentativa de decifrar os códigos secretos nazistas, principalmente da famosa máquina de criptografia Enigma (16).

Essa máquina nada mais era do uma máquina de escrever mecânica com um cilindro de tal maneira configurado que trocava as teclas das letras digitadas de tal forma que a mensagem que saia no papel era impossível de ler.

No entanto, se quem recebia a mensagem e a digitasse numa máquina com um cilindro igual, a mensagem era “invertida” e decifrada, pois as teclas seriam trocadas na ordem inversa. A mensagem original recuperada.

Hoje existem técnicas de criptografia muito mais avançadas, mas os estudos teóricos e as bases vêm dessa época. Já temos a criptografia quântica. (17)

 

A Ideia do telefone celular

Em certas ocasiões aparecem gênios que, estando à frente do seu tempo acabam por propor coisas que somente muito tempo depois se tornam viáveis.

É o caso do telefone celular, na realidade, a modulação digital que possibilitou o desenvolvimento de tecnologias de transmissão de dados (som, imagem, dados digitais, etc.) que hoje são comuns;

Merece destaque em nossa viagem pelo mundo da tecnologia contar a estória de Hedy Lamarr que foi a criadora do processo de modulação por salto de frequência (frequency hop) que possibilitou a criação do telefone celular.

 

Hedy Lamarr

 

Frase de Hedy Lamarr: “Any girl can be glamorous. All you have to do is stand still and look stupid.” – “qualquer garota pode ser glamorosa. Tudo que tem de fazer é ficar parada e parecer estúpida”.

Se o leitor se surpreendeu com a frase de uma bonita atriz de Hollywood dos anos 30, que participou de filmes memoráveis como “Sansão e Dalila” ao lado de Victor Mature, deve também se perguntar o que ela fez de importante para merecer sua inclusão no mundo dos grandes nomes da eletrônica.

A resposta pode parecer incrível para muitos. Hedy Lamarr era uma engenheira eletrônica profundamente competente, tendo patenteado em 1933 a técnica que conhecemos como “frequency hop” ou salto de frequência que tornou possível as modernas comunicações sem fio, como Bluetooth, telefonia celular, Wi-Fi, Lora e muito mais...

Sua invenção só não pode ser aplicada na época porque a tecnologia de então não acompanhava as ideias de Hedy Lamarr que, em termos de tecnologia, estava muito à frente de seu tempo!

Mas vamos à história completa!

Hedy Lamarr nasceu em Viena em 1914 com o nome de Hedwig Eva Maria Kiesler. Suas habilidades artísticas começaram com sua ida a escola de Max Reinhardt em Berlim, até que em 1933 ele fez o Filme Extase, que a tornou famosa.

Com o crescente envolvimento da Alemanha num pesado processo de armamento, Hedy separou-se do marido deixando a Europa em 1937 e indo para Hollywood, para trabalhar na MGM.

No entanto, o que muitos não sabem é que, como muitas artistas famosas como Ingrid Bergman, Katharine Hepburn, ela trabalhou de forma desconhecida em atividades envolvendo os esforços de guerra de seu país.

Assim, em 1933 ela se casou com o Fritz Mandal, o primeiro de seus seis maridos, participando ativamente da sociedade vienense onde mantinha contactos com líderes importantes da época como Hitler e Mussolini.

Seu marido era um especialista em granadas e blindagens, além de aeronaves militares. Foi com ele que Hedy Lamarr aprendeu muito sobre sistemas de controle.

George Anteil foi o co-inventor do processo de Hedy Lamarr. Ele nasceu em Trenton, Nova Jersey em 1900. Como Hedy, George aparentemente nada tinha a ver com tecnologia.

Depois de estudar música no Curtis Institute da Filadelfia, ele foi para Europa para tentar a carreira de pianista, fixando-se em Paris em 1923.

Ele se tornou um compositor inovador para a época, usando recursos “mecatrônicos”, se é que podemos adotar o termo em vista do tempo em que isso ocorreu.

Suas músicas tinham nomes sugestivos como Sonata do Aeroplano, Morte da Máquina e outras, mostrando uma mentalidade bem à frente de seu tempo, “com visão no futuro” se assim podemos dizer.

Sua Balada Mecânica usava 16 pianos e xilofones além de recursos estranhos, evolvendo tecnologia, como sinos elétricos, motores de avião e uma sirene!

Em 1933 Antheil voltou aos Estados Unidos para se tornar compositor de filmes.

Além disso, ele escrevia artigos sobre endocrinologia, chegando a publicar livros sobre o assunto.

O encontro dele com Hedy Lamarr ocorreu no verão de 1940, quando eles eram vizinhos em Hollywood.

O assunto que os aproximou foi um problema de glândulas! Hedy queria saber como poderia aumentar seus seios (não se havia silicone na época!).

No entanto, a conversa passou para armas e Hedy manifestou o interesse em se mudar para Washington para oferecer seu trabalho ao National Inventors Council.

O começo da conversa que eles tiveram abordou o controle remoto de torpedos. A ideia de se controlar torpedos por sinais de rádio não era nova, no entanto o conceito de “saltos de frequência” que é a base das telecomunicações modernas como a telefonia celular, Bluetooth, e outras técnicas wireless.

Antheil propôs que mudanças rápidas de frequência do sinal, que impediriam que o inimigo pudessem interferir no controle, poderia ser feita da mesma forma que no processo que ele usou para sincronizar os dezesseis pianos quando ele apresentou a peça Balada Mecânica.

Os dois desenvolveram a ideia e resolveram entrar então entrar com um pedido de patente para um “Sistema de Comunicação Secreto”.

A ideia, apresentada em 10 de junho de 1941 usava rolos de papel do tipo encontrado em pianos antigos, para sincronizar as mudanças de frequência entre o transmissor e o receptor, tendo sido propostas 88 frequências no processo. O número escolhido deve-se ao fato de que um piano tem 88 teclas.

Naquela época havia um alarde geral feito pelo National Inventors Council pedindo novas invenções e o que ocorreu foi uma avalanche de milhares de propostas, a maioria das quais nunca resultou em nada que efetivamente pudesse ser patenteada.

Antheil sugeriu então que ele e Lamarr poderiam trabalhar na ideia de modo que ela pudesse adquirir uma forma capaz de ser patenteada.

Com a ajuda de um professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia, eles tiraram todos os problemas do documento e o reapresentaram, obtendo a patente em 11 de agosto de 1942, conforme mostra a figura 3.

 

 

Figura 3 - Patente de Hedy Lamarr de 11 de agosto de 1942, registrando um transmissor de “comunicações secretas” que operava pelo princípio do salto de frequências.
Figura 3 - Patente de Hedy Lamarr de 11 de agosto de 1942, registrando um transmissor de “comunicações secretas” que operava pelo princípio do salto de frequências.

 

 

No entanto, não era simples colocar o novo sistema em prática.

O problema maior era a precisão que os mecanismos de sincronismo da frequência deveriam ter para que o sistema funcionasse. Assim, apesar a pressão de Antheil sobre a marinha, a ideia de se usar o sistema no controle remoto de torpedos, um recurso importante na época da Segunda Grande Guerra, eles encontraram problemas quanto a viabilidade da ideia.

Na verdade, posteriormente eles descobriram que o sujeito que fazia a avaliação dos projetos em Washington ao ler a patente, vendo que o mecanismo de sincronismo das frequências era semelhante ao de um piano, interpretou que deveria ser colocado um “piano e um pianista dentro do torpedo” e descartou a ideia...

Apesar das explicações sobre o princípio de funcionamento do sistema ser bastante simples, a invenção tinha outros problemas técnicos para serem solucionados.

A tecnologia ficou abandonada até que em 1957 engenheiros da Divisão de Sistemas Eletrônicos da Sylvania retomaram sua análise.

No arranjo, que agora usava somente eletrônica, sem nenhum recurso mecânico, eles conseguiram desenvolver um sistema de comunicações militares seguro.

O sistema foi usado pela primeira vez em 1962, no bloqueio americano a Cuba, justamente três anos depois de vencer a patente de Lamarr e Antheil.

Com a patente vencida, caindo em domínio público, os dois não receberam qualquer pagamento pela sua criação que hoje é a base das telecomunicações digitais.

Lamarr morreu no ano 2 000 tendo seu nome colocado no rol dos grandes cientistas que contribuíram para o desenvolvimento da tecnologia eletrônica.

 

 

Figura 4 - Hedy Lamarr - Foto
Figura 4 - Hedy Lamarr - Foto

 

 

Figura 5 - Hedy Lamarr – desenho feito por minha mãe Dyrce Braga em 1937 (aproximadamente)
Figura 5 - Hedy Lamarr – desenho feito por minha mãe Dyrce Braga em 1937 (aproximadamente) | Clique na imagem para ampliar |

 

 

A chegada da TV

A TV já estava em estado experimental bem antes da segunda guerra, mas com o aperfeiçoamento das tecnologias ela pode surgir com força com o fim da guerra.

Os aparelhos de TV vieram a se juntar aos eletroeletrônicos das residências, ocupando agora o novo lugar de “rei” que era antes do rádio.

É muito comum que, quando uma nova tecnologia surge logo dizem que a anterior vai desaparecer totalmente, pois uma substitui a outra.

Isso nem sempre é válido, pois dependendo da tecnologia continua a coexistências das duas.

O aparecimento do carro não eliminou a carruagem e bicicleta, assim como o aparecimento do avião não eliminou o carro e o foguete certamente não vai eliminar a existência do avião.

Assim, mesmo mudando de plano, o rádio ainda continuou importante e até hoje o é, mesmo que de forma que está mudando pela convergência que o está levando para a forma digital.

Milhões de aparelhos foram vendidos abrindo as portas para a ampliação da modalidade profissional que estava bem próspera: o técnico de rádio que agora também passou a ser técnico de TV e com ele algumas tarefas adicionais como a instalação de antenas, sistemas coletivos, etc.

Uma próspera indústria envolvendo profissionais como repórteres, anunciantes, atores, cantores e orquestras teve então uma nova mídia para poder trabalhar.

Os primeiros experimentos na transmissão de imagens usavam recursos Rudimentares. Um deles usava um disco perfurado que rodava diante de um sensor de luz. O padrão em espiram do disco possibilitava a exploração da imagem que então se convertia num sinal elétrico. Era o disco de Nipkow.

 

Figura 5 - Disco de Nipkow de 1884
Figura 5 - Disco de Nipkow de 1884

 

Com a criação da tubo vidicon em 1921, e depois o plumbicon e o iconoscópio foi possível captar a imagem sem a necessidade de se usar peças móveis e as primeiras experiências com a transmissão de imagens começaram.

Em 1928 foi feita a primeira transmissão de imagens através do atlântico e o primeiro estúdio entrou em funcionamento em 1936 nos Estados Unidos.

As primeiras estações entraram em funcionamento e desde então a tecnologia evoluiu, chegando à TV digital como hoje conhecemos.

Podemos dizer que nesta época os aparelhos eletroeletrônicos que estavam presentes nas casas das pessoas aumentavam dia a dia.

Já tínhamos o televisor, o rádio, amplificadores e toca-discos, intercomunicadores. Do tempo que manusear um rádio era coisa séria, e somente o dono da casa tinha autorização para isso, a tecnologia começou a se tornar cada vez mais popular.

Todos podiam ter e usar à vontade. Mas, não era ainda muito barata. Os aparelhos custavam caro. Um televisor significava a economia de muitos meses assim como uma eletrola e outros aparelhos daqueles tempos.

Hoje, substituindo os pesados tubos das câmeras analógicas temos os CCDs, chips extramente pequenos que são a base das câmeras digitais, como as que equipam nossos celulares.