Em outro artigo neste site focalizamos o problema da captação de ruídos da rede de energia (60 Hz) em equipamentos sensíveis como eletrocardiógrafos, eletroencefalógrafos e outros. Vimos de que modo filtros, aterramentos e a disposição apropriada dos eletrodos pode evitar os efeitos nefastos de tais ruídos, baseados em ampla documentação fornecida pela Texas Instruments. Neste artigo, damos prosseguimento ao assunto, tratando agora do problema da Rádio Interferência ou RFI, baseados ainda na ampla documentação que a Texas forneceu em seu Seminário de Aplicações Eletrônicas para o Segmento Médico realizado em São Paulo em 13 de setembro de 2005.

Conforme podemos ver em outros artigos anteriores dessa série, os fraquíssimos sinais gerados pelas células dos organismos vivos, incluindo os seres humanos, exigem circuitos de elevado grau de amplificação e alta impedância de entrada.

Aliando a impossibilidade de termos uma conexão direta com as fontes de sinais, mas sim através de eletrodos que cobrem áreas onde os sinais se manifestam de forma distribuída, à sensibilidade dos circuitos a possibilidade de que sinais externos causem interferências é muito grande, exigindo cuidados redobrados tanto no projeto como no manuseio dos equipamentos.

Poderíamos dizer que o que diferencia os ruído de 60 Hz da RFI é apenas o espectro de freqüências abrangido pelos sinais de rádio freqüência, mas essa pequena diferença faz com que evitar o problema seja muito mais crítico. O espectro desses sinais mostrado na figura 1, dá uma idéia da complexidade do problema.

 

Figura 1
Figura 1

 

O que ocorre é que uma infinidade de equipamentos tanto de uso médico, como até mesmo máquinas que nada tenham a ver essa aplicação, quando em funcionamento podem gerar RFI e essa RFI pode ser captada pelos circuitos sensíveis dos equipamentos médicos.

 

Procedimentos Para se Evitar Captação de Sinais de RF

Diversos procedimentos simples podem ser adotados para se evitar a captação de sinais de RF capazes de interferir num equipamento médico.

 

a) Blindar as entradas

Todos os cabos de entrada devem ser blindados, com as malhas externas (blindagens) devidamente aterradas. Observe que mesmo uma pequena ponta descoberta de um cabo, no local em que faz conexão com o circuito já pode ser um caminho para a entrada de sinais capazes de causar problemas nos circuitos. A figura 2 mostra um exemplo disso.

 

Figura 2
Figura 2

 

b) Usar plano de terra

Um terra comum a todos os equipamentos é muito importante para se evitar o aparecimento de potenciais de aterramento ou que a linha de aterramento entre os equipamentos apresente uma certa impedância.

Essa impedância faz com que a própria linha de terra atue como uma antena captando sinais interferentes, conforme sugere a figura 3.

 

Figura 3
Figura 3

 

c) Minimizar os terminais de entrada e utilizar componentes pequenos para evitar tanto a captação de sinais conduzidos como irradiados.

 

Existem duas formas segundo as quais os sinais interferentes podem chegar aos circuitos de um equipamento médico.

Os sinais podem ver pela própria linha de alimentação ou através de cabos de conexão, sendo portanto conduzidos até o circuito, conforme mostra a figura 4.

 

Figura 4
Figura 4

 

A rede de energia é a maior responsável pela condução de RFI, os quais podem ser gerados normalmente por outros equipamentos ligados à mesma rede de energia.

A segunda maneira é através da irradiação, quando os sinais vem pelo espaço e são captados por partes do equipamento médico que atuam como antenas como, por exemplo, cabos sem a devida blindagem, conforme já vimos nesse mesmo texto.

 

d) Usar filtros em modo comum e diferencial

O uso de filtros é uma primeira alternativa importante para se reduzir os sinais de altas freqüências que sejam captados pelos equipamentos médicos.

A Texas Instruments recomenda o uso de filtros diferenciais e em modo comum, como o mostrado na figura 5.

 

Figura 5
Figura 5

 

Esse filtro atua eficientemente na rejeição dos sinais que estão na faixa de 200 kHz a 2 GHz, deixando passa praticamente sem atenuação os sinais de baixas freqüências provenientes dos eletrodos colocados num paciente.

Podemos dizer que esse filtro tem duas faixas de freqüências de rejeição. As freqüências que vão de 200 kHz a 50 MHz, e outra que vai de 50 MHz a 2 GHz.

A figura 6 mostra um gráfico em que se simula a interferência de um transmissor de 470 MHz x 500 mW operando nas proximidades de um equipamento médico.

 

Figura 6
Figura 6

 

Observe como o sinal de RF induz um offset de 1,5 V no sinal observado além de uma componente de ruído no próprio sinal de ECG.

Nesse caso, o offset causado pela presença do transmissor é da ordem de 4,0 V. O teste é feito com um circuito numa matriz de contactos com os eletrodos flutuantes. O transmissor é colocado a uma distância de aproximadamente 50 cm.

 

Normas

A Norma IEC 60601-1-2 trata dos problemas de EMI e RFI em equipamentos de uso médico. Diversas modificações têm sido sugeridas de modo a acrescentar novos itens visando adequar a norma às novas tecnologias que surgem nesse campo.

Assim, a norma prevê a operação de equipamentos de uso médico não só em ambientes hospitalares mas também aqueles que são carregados pelos pacientes usados em residências. Temos então os seguintes casos a serem considerados, mostrados na tabela dada a seguir:

 

Ambiente Localização Características Gerais
Manutenção da saúde Hospitais, clínicas, consultórios médicos Esses equipamentos são parcialmente controlados, com as normas cobrindo sua utilização
Residências Consultórios e clínicas pequenas Não são controlados, mas existe a presença de um profissional médico
Residências Residência do paciente Não controlado, um profissional médico não está presente normalmente
Móvel/Transporte Carros, aeronaves, ambulâncias Não controlado, presença de equipamentos de RF capazes de gerar interferências e campos magnéticos
Ambientes Especiais Salas de emergências, locais de emergências A presença de sinais interferentes varia muito. A norma não cobre.

 

Fontes de RFI

As fontes mais comuns de RFI que afetam equipamentos médicos são os transmissores portáteis como os telefones celulares e rádios usados em sistemas de segurança.

Os telefones celulares têm uma potência típica de 600 mW enquanto que os transmissores usados em sistemas de seguranças podem ter potências entre 1 W e 5 W.

Esses transmissores podem produzir campos de RF que chegam a 50 V/m ou mais, por exemplo, quando levarmos em consideração que eles ficam no bolso da camisa de um paciente que usa marca-passos, conforme mostra a figura 7.

 

Figura 7
Figura 7

 

Em ambientes como dentro de um carro, podemos encontrar equipamentos de transmissão cujas potências podem superar os 100 W.

As estações de rádio e TV comerciais são outra fonte perigosa de RFI. Medidas revelam campos tão potentes como 1,3 V/m ao nível do solo, nas proximidades de uma estação de TV.

Temos ainda a considerar estações radar, telemetria e transmissores de comunicações, além de equipamentos de uso industrial cujas potências podem facilmente superar os 10 kW, dependendo da aplicação.

A presença de tais fontes de interferências nas proximidades de equipamentos de monitoramento de pacientes como o ECG deve ser analisada com muito cuidado para se evitar sua ação.

Nesse artigo vimos apenas alguns pontos que devem ser levados em conta quando se instala um equipamento de uso médico num ambiente sujeito a ruídos e interferências.