Ouvir música num fone de ouvido é algo muito simples e ninguém talvez tenha pensado que as características deste tipo de som pudessem ter algum tipo de melhoria. Baseado num dispositivo da Murata, um autor inglês publicou um interessantíssimo projeto que merece ser abordado neste artigo: um fone dotado de um giroscópio de estado sólido. Para quê? Bem, isso o leitor vai descobrir lendo o nosso artigo.

 

A revista inglesa Electronics World, de outubro de 1996, publicou o interessante projeto "Music in Mind" de Ian Hickman que mostra o que pode ser em termos de melhoria no som de um fone de ouvido.

Se bem que não possamos reproduzir o artigo vamos dar algumas indicações muito interessantes para os leitores interessados em pesquisas neste campo e mesmo no sensorial, inclusive um endereço onde o kit do equipamento que o artigo descreve pode ser adquirido.

É claro que antes de tudo devemos satisfazer a curiosidade do leitor que deseja saber o "diabo" do motivo pelo qual se deseja colocar um giroscópio num fone de ouvido.

Os mais imaginosos, que sabem que os giroscópios são usados nos aviões, poderão pensar em algum tipo de "navegação aérea" que leve o ouvinte "às nuvens" orientando-se mesmo sem visibilidade, mas não é nada disso...

A idéia é simples: os fones de ouvido não produzem o senso de volume no som, pois a proximidade do ouvido com que ocorre a reprodução praticamente coloca o som dentro de nossas cabeças.

Qualquer movimento que fazemos com a cabeça não altera em nada o modo como ouvimos o som, pois a sua fonte que é o fone, acompanha este movimento.

Isso não ocorre com o som ambiente reproduzido por caixas acústicas convencionais: quando movimentamos a cabeça muda a posição dos nossos ouvidos em relação às caixas e isso é processado pelo nosso cérebro dando um colorido a mais nas nossa sensações: temos a sensação de direção e volume.

 

O movimento da cabeça altera o modo de percepção dos sons.
O movimento da cabeça altera o modo de percepção dos sons.

 

Para obter o mesmo efeito no som reproduzido num fone, a idéia é agregar um circuito que produza alterações nos volumes dos amplificadores de acordo com o movimento da cabeça.

O autor do projeto descrito na Electronics World teve a idéia de fazer isso ao ler um anúncio da Murata de um pequeno giroscópio de estado sólido que, em princípio, era justamente indicado para aplicações relacionadas com sistemas de navegação.

Para que o leitor entenda como o giroscópio de estado sólido pode ser usado num fone que tenha "senso de posição" vamos começar por explicar seu princípio de funcionamento.

 

O GIROSCÓPIO

Professor Ventura e seus alunos Beto e Cleto, são personagens de diversas aventuras publicadas na revista Eletrônica Total. Além das confusões em que se metem, o que há de interessante nas estórias é o que se ensina de eletrônica e mesmo de outras ciências. Na estória "Entrega Rápida" o professor Ventura explica como funciona um giroscópio de uma forma bastante fácil de entender. No diálogo que se segue, que é retirado daquela estória temos uma explicação completa sobre o funcionamento do giroscópio e que pode ser muito útil no entendimento do projeto do Giro-Fone.

 

 

 


 

No laboratório, o professor Ventura começou a remexer em velhas caixas até que achou um objeto conhecido de todas as pessoas: uma roda de bicicleta. No entanto, essa roda era um pouco diferente, pois tinha uma "adaptação". Seu eixo tinha sido preparado para receber duas manetes, como as que existem nos guidões da bicicletas para que ela pudesse ser segura por este ponto.

 

Roda de bicicleta adaptada para a experiência
Roda de bicicleta adaptada para a experiência

 

- Vai mandar o Lú andar nisso aí? - perguntou Cleto não entendendo porquê o professor pegou tal objeto.

- Não é nada disso! - respondeu o professor.

- Então vai contratá-lo e abrir um circo! - brincou Beto.

O professor não se incomodou com a observação. Tomando fôlego, como sempre, ele iniciou sua "fundamentação teórica", o que sempre ocorria antes de montarem ou "aprontarem" alguma coisa:

- Vocês já ouviram falar do giroscópio? - a pergunta, na verdade já tinha resposta, pois o próprio professor havia ensinado os rapazes um pouco de física quando estudaram a conservação da quantidade de movimento angular, e deu como exemplo o giroscópio.

- Será interessante re-explicar, pois assim ficará mais fácil percebermos onde isso se "encaixa" na nossa brincadeira! - a observação de Beto tinha motivo, pois já fazia um bom tempo que tinham estudado o assunto, e nenhum dos dos dois estava ainda percebendo onde a roda de bicicleta "adaptada" se encaixava na história. O professor convidou-os então para ir até o anfiteatro da escola.

Subindo ao palco, o professor parou diante do piano, e puxou para perto de Cleto, que segurava a roda de bicicleta, o banquinho giratório.

- Vamos fazer uma experiência interessante agora!... Qualquer corpo que gira manifesta forças que tendem, a mantê-lo em equilíbrio. É o caso de um pião que não cai, pois quando pende para o lado imediatamente surgem forças que tendem a levá-lo de volta a uma posição de equilíbrio. Essas forças ocorrem devido ao que denominamos em física de "conservação do momento angular", ou seja, do "produto massa x velocidade angular". No caso do giroscópio, o que temos é um pesado disco de metal que se comporta como um pião, mas faz algo mais: uma vez colocado em movimento, rodando a uma altíssima rotação de dezenas de milhares de voltas por minuto, ele adquire um estado de equilíbrio dinâmico e passa a manifestar uma forte oposição a qualquer força que tenda a modificar este estado de coisas, ou seja, o plano de rotação do disco!

- E o que a roda de bicicleta tem a ver com isso? - perguntou Cleto não sabendo ainda o que fazer com o objeto.

- Muita coisa! Imagine que esta roda seja o disco de um giroscópio.

Dito isso, o professor mandou que o rapaz se sentasse no banquinho de piano com a roda de bicicleta e a segurasse diante de si em posição vertical, ou seja, com o eixo na horizontal, e que levantasse os pés, mantendo-os afastados do chão, e sem encostar em qualquer outro lugar.

- Vamos fazer uma experiência! Quando eu falar "já" você vai tentar mudar de posição a roda, colocando seu eixo em posição vertical, de modo que ela gire num plano horizontal. Quer dizer, você vai mudar de 90 graus a posição da roda! Mas, deve fazer isso rapidamente, certo?

- Pode ir em frente!... - concordou Cleto.

Dito isso, o professor, batendo com as mãos na roda colocou-a em movimento giratório cada vez mais rápido. A velocidade atingida era bem grande, mas Cleto segurava-a firmemente, sem qualquer dificuldade aparente! Beto só observava a estranha experiência. Quando o professor percebeu que a velocidade ideal tinha sido atingida ele ordenou:

- Já!

O que ocorreu foi totalmente inesperado para os dois rapazes. Ao tentar mudar de posição a roda que girava rapidamente Cleto, sentado no banquinho, não esperava que uma forte força de oposição iria aparecer, desequilibrando-o totalmente. O corpo do rapaz diante da oposição se inclinou de forma estranha e ele simplesmente ia cair com tudo no chão, se o professor, que sabia o que ia ocorrer, e estava atento, não o segurasse!

- Puxa! - foi a expressão de surpresa de Cleto - O negócio funciona mesmo!

- Sim, a reação da roda em movimento, ou nosso "giroscópio" experimental é precisa!

- Explique-nos melhor o que realmente aconteceu! Por que a roda "se nega" a mudar de orientação quando em movimento rápido? É a conservação do movimento angular?

O professor percebeu que precisava dar mais algumas explicações:

- A inércia é algo bem conhecido de vocês: da mesma forma que é difícil tirar um corpo do repouso também é difícil pará-lo. Todo corpo tende a manter seu estado de movimento ou repouso e isso também é válido para um corpo que gira e no seu caso, o que ocorre é mais complexo.

- Eu que o diga, pela manhã, como é difícil tirar meu corpo do "repouso" e levantar!...

Beto sabia que Cleto estava brincando, mas mesmo assim o censurou:

- Ora, não é desse tipo de repouso que o prof. Ventura está falando...

O professor continuou:

- Imaginem que o disco possa girar livremente montado num sistema "cardânico", ou seja, formado por anéis que permitem que ele tome qualquer orientação. Colocando o disco em movimento rápido, como já explicamos ele adquire uma certa orientação e notamos então duas propriedades:

O professor que havia desenhado no quadro negro o tal sistema cardânico explicou com figuras (figura 3).

 

Disco giroscópico montado em sistema cardânico
Disco giroscópico montado em sistema cardânico

 

- A primeira é denominada "rigidez" e é uma forte oposição que o disco apresentará a qualquer tentativa de mudar seu plano de rotação. Essa propriedade vai depender de três fatores: a velocidade de rotação, a distância em que a massa se dispõe em relação ao centro de rotação e a massa do rotor.

- E a segunda?

- A segunda é denominada "precessão" e consiste na mudança angular do plano de rotação segundo a influência de uma força externa. Esta precessão é mais complexa de explicar, mas podemos observar num pião como ele "reage" à força da gravidade que tende a derrubá-lo fazendo com sua "cabeça" um movimento em espiral, ou seja, ele "oscila" de modo a manter seu equilíbrio. A própria terra tem esse movimento de "precessão" de tal modo que os pólos mudam constantemente de posição...

- Muito interessante! - comentou Beto - Mas por que um disco girando manifesta uma força tão grande?

- Na verdade, as forças dependem tanto da massa como da velocidade. Se um disco é pesado e a velocidade muito grande, o produto dessas grandezas é maior ainda: o resultado é que as forças de reação passam a ser enormes! Imaginem um disco de alguns quilogramas, o que não é muito pouco, mas girando a uma velocidade de 23 mil rotações por minuto! Isso é um giroscópio!

- Com essa velocidade, a força de reação a mudanças de orientação do eixo desse disco deve ser incrível!

- Sim, - continuou o professor - e isso permite sua utilização em algumas aplicações práticas muito interessantes.

- Seria o caso dos chamados "pilotos automáticos" dos aviões? - Beto, já tinha lido algo a respeito e associava às explicações do professor.

- Nos aviões, temos um giroscópio que é acionado de modo a evitar que pequenas turbulências o tirem da rota, e também a ajudar no sentido da viagem ser mais confortável, pois com essa manutenção de direção, as oscilações laterais são evitadas. Uma vez ligados, eles podem manter o avião praticamente em linha reta, daí serem chamados de "pilotos automáticos" se bem que o nome não seja muito próprio.

A explicação do professor Ventura era interessante, mas os rapazes queriam saber mais. Beto perguntou:

- Além dos aviões, onde mais eles podem ser usados?

- Eles também são usados nos navios para reduzir os problemas dos balanços laterais. Como não existem reações às mudanças de posições que mantém a orientação do eixo ou o plano do disco, o movimento em linha reta ou com curvas suaves do navio não provoca nenhuma reação. No entanto, as oscilações laterais sofrem forte oposição e o navio não balança, tornando a viagem mais confortável!

- Puxa! Num transatlântico um giroscópio deve ser enorme! - comentou Cleto.

O professor Ventura esclareceu:

- Na verdade, não! Um disco de algumas poucas toneladas mas girando velozmente é suficiente para acrescentar muito conforto aos passageiros! A maioria dos modernos navios de passageiros usa deste recurso para dar mais conforto!

- E, voltando ao caso dos aviões? Os tipos modernos também usam somente para dar conforto ? - era a vez de Beto perguntar:

- Os aviões modernos possuem dois giroscópios, um montado na cauda com o eixo paralelo ao corpo do avião. Este é o giroscópio direcional que corrige pequenas oscilações de cauda que tendam a tirar o avião da rota. Outro, que é montado no corpo do avião tem seu eixo vertical, evitando inclinações. Estes dois giroscópios também são denominados "de deslocamento".

O professor fez uma pausa, e continuou:

- Em vôo os aviões são muito leves, ou seja, qualquer pequeno esforço pode mudar sua trajetória, de modo que, para mantê-lo em rota os giroscópios pode ser muito pequenos, não pesando mais do que alguns quilos, e é justamente aí que está a chave para nossa brincadeira! Venham comigo.

(A partir deste ponto o professor aplica a teoria à prática numa brincadeira muito interessante...)


 

 

O GIROSCÓPIO PIEZOELÉTRICO DA MURATA

O giroscópio da Murata consiste num prisma triangular com eletrodos piezoelétricos conforme mostrado na figura 4.

 

Os eletrodos são feitos de cerâmica piezoelétrica.
Os eletrodos são feitos de cerâmica piezoelétrica.

 

O prisma é feito de um metal denominado Elinvar que é mantido num processo de vibração por flexão por meio de um oscilador acoplado a um dos eletrodos de cerâmica piezoelétrica. O prisma vibra em sua frequência natural de ressonância.

Na figura 5 temos o modo de vibração do prisma.

 

Modo de vibração do prisma no sensor da Murata
Modo de vibração do prisma no sensor da Murata

 

* Os outros dois eletrodos são usados como sensores de modo a captar os sinais gerados pelas vibrações. Qualquer força que altere o modo de vibração do prisma cria um esforço diferencial nos eletrodos sensores que se reflete na forma dos sinais captados.

O sinal resultante deste esforço pode então ser separado do sinal do oscilador que mantém o prisma em vibração e filtrado de modo a poder ser usado por um circuito externo.

Observe que este esforço diferencial aparece justamente se o prisma tiver sua posição alterada no espaço, conforme o mesmo efeito que estudamos para um giroscópio formado por um prato giratório.

A diferença esta neste caso no tipo de movimento que temos para a massa que é vibratório.

Na figura 6 temos um circuito típico de aplicação deste tipo de giroscópio.

 

Circuito típico de aplicação
Circuito típico de aplicação

 

Num sistema de navegação, como o sugerido pelo fabricante para equipar um carro, qualquer alteração no movimento que ocorra no sentido da vibração vai provocar o aparecimento de um sinal diferencial no circuito. Este sinal pode alertar o motorista, por exemplo, que ele se encontra girando em círculos.

 

USANDO O GIROSCÓPIO NUM FONE DE OUVIDO

A idéia básica do autor do projeto é bastante sofisticada. Acoplando o giroscópio da Murata aos fones de ouvido ele usa estes sinais para controlar linhas de retardo e amplificadores.

Desta maneira, os movimentos da cabeça provocam alterações nos osciladores que controlam duas linhas de retardo digitais do tipo "brigada de baldes", de modo a se obter tempos diferentes para que os sinais alcancem os fones do lado direito e esquerdo.

O autor do projeto trabalha com uma faixa de frequências de 10 kHz a 200 kHz o que resulta em diferenças consideráveis entre os tempos que os sinais alcançam os ouvidos e isso em resposta aos movimentos da cabeça.

O autor do projeto cita em seu artigo que na reprodução dos sons estéreo os efeitos obtidos não são tão satisfatórios por motivos que não ficaram claros e que merecem pesquisa maior.

Na verdade, a própria finalidade do projeto, conforme indicado no artigo é justamente a pesquisa sensorial, o que significa que pode-se desenvolver muito a idéia básica.

No artigo o autor cita a Willow Technologies Ltd (Fax 1342-834306 - Inglaterra) que vende o sensor Murata ENC-05E (que mede apenas 21,5 x 8,5 x 7,6 mm).