Escrito por: Newton C. Braga

"O futuro é sem fio". Essa afirmação feita há alguns anos atrás é um retrato fiel do que estamos presenciando em nossos dias. Os cabos que interligam os diversos computadores e elementos de uma rede estão desaparecendo e novos dispositivos, nunca antes imaginados, estão se comunicando através de redes sem fio. Tudo isso é possível graças a uma velha tecnologia, descoberta por uma artista de cinema austriaca, da época da Segunda Grande Guerra. Veja nessa artigo como tudo isso é possível e como tudo começou.

As redes sem fio, telefones celulares, comunicações digitais por RF têm um aspecto comum em sua tecnologia. Todas operam pelo que se denomina Spread Spectrum (SS) ou Espectro Espalhado. Em especial, os sistemas wireless de redes locais (WLAN) que estão ocupando um espaço cada vez maior no mercado e de muitos produtos que devem aparecer nos próximos anos fazem uso dessa tecnologia.

Dessa forma, ao se falar em qualquer de rede que não empregue meios físicos, ou seja, sem fio ou de tecnologia wireless, o tema Spread Spectrum é obrigatório assim como a tecnologia do salto de freqüências ou frequency hopping. De modo a levar aos nossos leitores conceitos básicos sobre o assunto, preparamos esse artigo que certamente será útil para que os profissionais reciclem seus conhecimentos, ou tome contacto com uma tecnologia com a qual muitos ainda não estão devidamente familiarizados. Trataremos das vantagens de seu uso, seu princípio de operação além de alguns aspectos históricos interessantes.

 

Uma Invenção Feminina

Talvez um dos aspectos mais interessantes da tecnologia do Spread Spectrum e Frequency Hopping, esteja no fato de que ela foi inventada por uma artista de cinema de Hollywood, que fez muito sucesso a partir dos anos 30. Nascida em 1913 na Austria e falecida em 2000, essa artista era também uma excelente engenheira eletrônica.

Hedy Lamarr

 

Casada com um engenheiro, ambos foram procurados por Hitler que estava em busca de um sistema de controle remoto para seus torpedos e  bombas, o qual fosse à prova de interferências ou intercepção pelo inimigo. Hedy teve a idéia de se transmitir os sinais através de um sistema que mudava constantemente de freqüência (frequency hopping), mas não revelou isso a ninguém, tendo fugido para os Estados Unidos, onde passou a fazer filmes. Sansão e Dalila com Victor Mature é um dos seus maiores sucessos.

 

Hedy Lamarr e Victor Macture em "Sansão e Dalila", super-produção de 1949 de Cecil B. DeMille.

 

A oportunidade de voltar ao assunto veio de uma conversa com outro engenheiro americano que convenceu-a a desenvolver a idéia. O resultado do trabalho conjunto foi a patente do processo de transmissão que hoje é a base da telefonia celular e de todas as comunicações sem fio por RF. Na época não existia uma tecnologia que pudesse colocar em prática as idéia avançadas de Hedy. Somente algum tempo depois é que ela começa a ser utilizada em sistemas de comunicações militares.

 

Página da documentação da documentação da patente de Hedy Lamarr

 

Se bem que ela não tenha recebido nada em troca de sua invenção, pois a patente venceu justamente quando os primeiros telefones celulares foram criados, deram-lhe como justa homenagem o título de Patrona das Comunicações sem Fio.

 

 

A Tecnologia Spread Spectrum

O que se faz no Spread Spectrum é colocar a informação num sinal que tenha um espectro de freqüência muito largo. Isso é bem diferente dos processos convencionais em que o sinal modula uma portadora numa faixa bem estreita, conforme mostra a figura 4.

Como a informação se espalha num espectro largo de freqüência, quando captados por um receptor comum, esses sinais se assemelham a um ruído. Essa característica além de tornar o sinal difícil de interceptar (Low Probability of Intercept ou LPI)  também os torna imunes à interferência e ruídos (anti-jam ou AJ). Os códigos que geram os sinais são denominados Pseudo Ruídos ou Pseudo Aleatórios.

Espalhando uma faixa de freqüências relativamente ampla, a densidade de potência dos sinais é baixa, ou seja, eles ocupam menos watts por hertz, diferentemente dos sinais de banda estreita convencionais que ocupam uma faixa estreita, conforme mostra a figura 5.

Existem diversas técnicas para se obter esses sinais. As mais usadas nos sistemas comerciais são aquelas em que a faixa de sinal de RF é de 20 a 254 vezes mais larga do que a faixa da informação que está sendo enviada. Em alguns casos ela chega a ser até 1 000 vezes mais larga.

Existem dois tipos de tecnologia de espectro espalhado: seqüência direta e salto de freqüências (direct sequence ou frequency hopping -  adotando os termos em inglês ). Menos usados são os sistemas que fazem o "salto de tempo" ou "time hopped" e ainda "sibilo" ou "chirp", usando o termo inglês original.

O sistema de seqüência direta funciona da seguinte forma: uma portadora é modulada com uma seqüência que corresponde ao código enviado. Podem ser usados códigos de apenas 11 bits  até os mais longos com milhões de bits isso numa velocidade que pode variar entre 1 bps até muitos Mbps. Na figura 6 temos o aspecto de um sinal desse tipo. O lobo principal desse sinal tem uma largura de faixa igual ao dobro da freqüência de clock do código modulador, isso dos pontos de nulo a nulo.

 

Os lobos laterais possuem pontos de nulo a nulo ocupando uma faixa igual à freqüência de clock. O sinal mostrado na figura é do tipo BPSK (Binary Phase Shift Keyed). No frequency hopping, o funcionamento é o seguinte: a faixa de freqüências que vai ser utilizada é preenchida por sinais que estão constantemente mudando de freqüência, conforme mostra a figura 7. Conforme o número sugere, os sinais "saltam" constantemente de uma freqüência para outra segundo um padrão determinado que o receptor deve conhecer para acompanhar esses saltos.

Com isso, cada vez que o transmissor salta de uma freqüência para outra, o receptor acompanha de modo a manter sua sintonia. Se usarmos um analisador de espectro para visualizar um sinal desse tipo, teremos o padrão mostrado na figura 7.

Observe que os picos correspondem a cada pacote de informações enviadas numa freqüência diferente. Se bem que o analisador mostre esses sinais lado a lado, eles são produzidos numa ordem pseudo-aleatória, determinada por um código próprio. Como cada freqüência é determinada no transmissor, a sua seqüência pode ser enviada ao receptor de modo que ele controle o seu circuito conversor acompanhando o sinal. Assim, para sintonizar o sinal basta então que o receptor conheça previamente para que freqüência vai o próximo salto da freqüência do transmissor.

Observe que, como o sinal emitido está constantemente mudando de freqüência, a mesma banda pode ser compartilhada por diversos outros sinais ao mesmo tempo. Basta que os saltos das freqüências dos outros transmissores ocorram para freqüências que naquele instante não estejam sendo ocupadas, conforme mostra a figura 8.

Evidentemente, os códigos devem ser gerados de modo que não ocorram conflitos capazes de colocar dois sinais ao mesmo tempo numa mesma freqüência. Outro fato que merece ser ressaltado é que, se existirem ruídos ou sinais interferentes concentrados numa determinada faixa do espectro usado, como o sinal ocupa uma banda mais larga ele não é integrado no receptor que trabalha com uma sintonia mais larga.

Para receber esses sinais utiliza-se uma configuração diferente da encontrada nos receptores convencionais de banda estreita. O processo de recepção é denominado de-hopping (de-salto) sendo realizado por um circuito chamado correlator.

O correlator tem uma característica muito importante para as telecomunicações usando essa tecnologia SS por salto de freqüência. Ele não responde a ruídos naturais nem artificiais, e nem interferências.

Isso ocorre pela sua característica de banda larga que o faz integrar os sinais numa faixa ampla, ignorando os sinais de interferências ou ruídos que ocorram numa faixa estreita.  O correlator responde apenas aos sinais SS (Spread Spectrum) de mesmas características que o codificado previamente. Isso é mostrado na figura 9.

 

 

Os receptores usados nas aplicações práticas trabalham com ganhos de 11 a 16 dB dependendo da velocidade dos dados que devem ser recebidos. Com isso eles podem tolerar interferências que tenham níveis de 0 a 5 dB acima dos sinais que devem ser sintonizados.

Uma outra característica dos sinais SS é a sua imunidade ao que se denomina "spoof" e "exploit". Denomina-se spoof  (engano) é  ato de introduzir indevidamente qualquer tipo de informação indesejável no sinal. Exploit (explodir) é o processo de decompor ou invadir o código transmitido de modo a poder ser feita sua decifração.

 

 

Conclusão

Graças ao Spread Spectrum e Frequency Hoping as tecnologias wireless conseguem ter um desempenho que permite uma enorme gama de aplicações práticas. As redes sem fio (WLAN), telefonia celular, sensoriamento remoto para uso industrial são alguns exemplos de aplicações dessa tecnologia. Com o desenvolvimento de novos produtos usando recursos sem fio, que é o caminho da convergência entre internet, vídeo e telefonia, a presença de sinais SS no ambiente em que vivemos será cada vez maior.