Todos os leitores que trabalham com eletrônica ou simplesmente a tem como um passatempo possuem um multímetro ou pelo menos conhecem este instrumento pela sua utilidade na bancada. No entanto, mesmo usando constantemente este instrumento, não são muitos que podem dizer que conhecem seu princípio de funcionamento. Na verdade, a utilização do multímetro, na maioria dos casos é "mecânica" não havendo qualquer preocupação do usuário em saber o que realmente está ocorrendo nos circuitos internos de seu instrumento. Neste artigo, bastante didático, analisaremos de uma forma resumida o princípio de funcionamento do mais importante de todos os instrumentos eletrônicos.

Não podemos ver ou sentir as correntes muito fracas que circulam pelos circuitos eletrônicos ou mesmo saber o que ocorre com um componente quando submetidos a determinadas tensões. Para que possamos então avaliar o estado de circuitos e componentes precisamos de um auxiliar, um instrumento, que possa traduzir de uma forma que nossos sentidos possam perceber, o que ocorre nos circuitos eletrônicos.

O mais simples e também o mais importante desses instrumentos é o multímetro.

Os técnicos mais antigos também costumam chamar este instrumento de Tester, Multiteste ou VOM (Das iniciais das unidades que ele mede, ou Volt-Ohm-Miliamperímetro).

Atualmente encontramos multímetros com os mais diversos aspectos, que são basicamente divididos em dois grupos: os que possuem um indicador com um ponteiro, e que são denominados analógicos, e os digitais em que existe um mostrador de cristal líquido onde aparece o valor numérico da grandeza que está sendo medida.

Na figura 1 temos os aspectos mais comuns desses multímetros.

 

O multímetro, apesar de sua grande utilidade e de poder ser levado a qualquer parte é um instrumento delicado que o técnico deve manejar com muito cuidado.

Para entender o que o multímetro pode fazer, suas limitações e também os cuidados que devemos ter na sua utilização vamos começar nossa análise pelo instrumento indicador dos tipos mais comuns, os analógicos.

 

O INSTRUMENTO DE BOBINA MÓVEL

H. C. Oesterd descobriu que uma corrente elétrica pode atuar à distância sobre uma agulha imantada, mudando sua orientação. Pelo movimento da agulha seria, em princípio, possível saber se um fio estava ou não sendo percorrido por uma corrente.

Aperfeiçoando a idéia, foram desenvolvidos os primeiros instrumentos capazes de indicar a passagem de correntes elétricas e mais do que isso, medir sua intensidade.

Na figura 2 temos então a estrutura básica de um instrumento de bobina móvel, do tipo que podemos encontrar nos multímetros analógicos mais comuns e que aproveita o princípio descoberto por Oesterd.

 

O termo analógico vem do fato de que há uma correspondência direta entre a posição da agulha indicadora e a intensidade da corrente que está sendo medida.

Neste instrumento, um imã em forma de ferradura cria um campo magnético que corta as espiras de uma bobina montada num tambor.

Este tambor pode movimentar-se sobre um eixo (daí o nome do instrumento: bobina móvel) e tem preso um ponteiro que se desloca sobre uma escala. Uma mola espiral de retorno garante que a bobina e ponteiro voltem à sua posição inicial quando a força que o movimenta desaparece.

Quando uma corrente circula pela bobina, o campo magnético que essa corrente cria interage com o campo magnético do imã, aparecendo então uma força (momento) que tende a girá-lo. O movimento é contraposto pela mola, de modo que o ponteiro tende a avançar tanto mais quanto maior for a força e, portanto quanto maior for a corrente.

Fazendo uma escala para o ponteiro, podemos calibrá-la em termos de valores de corrente.

Os instrumentos obtidos desta forma são muito sensíveis e podem detectar correntes de milionésimos de ampère com uma indicação precisa de seu valor. Como milionésimo é "micro", e a unidade de corrente é o ampère, estes instrumentos são denominados microamperímetros.

Quando então dizemos que um instrumento é um microamperímetro de 100 uA de fundo de escala, ou de 0-100 uA, isso quer dizer que, para o ponteiro ir até o final da escala (fundo), precisamos de uma corrente desta ordem. Trata-se, portanto, da corrente máxima que ele pode medir.

Podemos usar instrumentos deste tipo como base para um multímetro, acrescentando componentes que permitam a medida de outras grandezas como tensões e resistências, ou mesmo de correntes mais intensas.

 

Vejamos como isso pode ser feito:

 

MEDINDO A CORRENTE

Para medir uma corrente como, por exemplo, a que passa por uma lâmpada quando alimentada por uma pilha, intercalamos o instrumento de medida ao circuito, conforme mostra a figura 3.

 

Desta forma, a corrente pode passar pelo instrumento e pela lâmpada.

O que precisamos fazer se desejamos medir uma corrente maior do que a máxima suportada pelo instrumento? Por exemplo, se desejarmos medir a corrente de uma lâmpada que exige correntes de 50 mA, mas dispondo de um microamperímero cujo fundo de escala seja de apenas 100 uA? (lembramos que 50 mA correspondem a 50 000 uA).

A idéia básica consiste em se desviar "por fora" do instrumento o excedente da corrente, conforme mostra a figura 4.

 

Podemos calcular então a resistência "por fora"de modo que, para 50 mA, ela desvie 49 900 mA deixando então 100 uA para o instrumento. Com isso, o instrumento de 100 uA terá suas características modificadas, passando a ter um fundo de escala de 50 mA. Ele passará a ser um miliamperímetro de 0 a 50 mA.

Nos multímetros é justamente isso que se faz: temos uma chave que coloca no circuito resistências de "desvio" denominadas "shunts"para diversos valores, que então mudam as escalas do instrumento.

Temos então multímetros que medem 50 uA, 5 mA, 50 mA e até 500 mA conforme o shunt que seja colocado no circuito.

É claro que o usuário das escalas de corrente deve ter muito cuidado, pois se um shunt impróprio for usado numa medida (escolhendo a escala errada) pode haver excesso de corrente no instrumento o que causaria sua queima! E, veja que o instrumento é justamente a parte mais cara do multímetro.

Na dúvida sobre a intensidade da corrente que vamos encontrar num circuito, começamos sempre escolhendo a maior escala.

 

MEDIDA DE TENSÃO

A bobina de um instrumento indicador, como o que vimos, possui certa resistência que depende da espessura do fio usado no seu enrolamento e do número de voltas.

Supondo que nosso microamperímetro de 100 uA, tomado como exemplo, possua uma "resistência" ôhmica de 1 000 ohms, quantos volts precisaríamos aplicar nos seus terminais para termos a corrente de fundo de escala? Essa situação é mostrada na figura 5.

 

Esta pergunta pode ser respondida com a simples aplicação da Lei de Ohm:

V = R/I

Onde:

V é a tensão aplicada em volts

R é a resistência do instrumento e vale 1 000 ohms

I é a corrente de fundo de escala de 100 uA mas que transformada em ampères resulta em 0,0001.

Calculando temos:

 

V = 1 000 x 0,000 1

V = 0,1 volt

 

Ora, como 0,1 V é o mesmo que 100 mV (mV = milivolts) o nosso microamperímetro também funciona como um voltímetro que mede tensões de 0 a 100 mV.

O que seria necessário fazer para que esse instrumento fosse capaz de medir tensões maiores?`

Vamos supor que desejamos medir tensões de até 100 volts em lugar de apenas 1 mV.

A solução está na ligação em série com o instrumento de uma resistência multiplicadora tal que, somada com a resistência do instrumento resulte num circuito que deixe circular somente a corrente de 100 uA, conforme mostra a figura 6, isso quando a tensão de 100 V fosse aplicada.

 

Essa resistência pode ser facilmente calculada pela Lei de Ohm:

R = V/I

 

Neste caso:

R é a resistência total que deve ter o circuito em ohms

V é a tensão que desejamos medir (100 V)

I é a corrente do instrumento usado que é de 0,0001A ou 100 uA

Aplicando a fórmula:

R = 100/0,0001

R = 1 000 000 ohms ou 1 Megohms

 

Ora, como o instrumento já entra com 1 000 ohms, o resistor colocado em série será de 999 000 ohms.

Nos multímetros comuns encontramos então uma certa quantidade de resistores internos, denominados resistores multiplicadores, que são ligados em série com o instrumento, conforme a faixa de tensões que desejamos medir.

Também, neste caso, é importante levar em conta a fragilidade do instrumento: se escolhermos um resistor pequeno demais para a tensão medida, a corrente pode ser excessiva danos vão ocorrer.

Na falta de conhecimento sobre o valor da tensão (ordem de grandeza) começamos sempre ligando a escala mais alta (maior tensão).

 

MEDIDA DE RESISTÊNCIAS

A medida da resistência de um circuito ou de um componente é feita aplicando-se uma tensão neste circuito ou componente e medindo-se a corrente que passa. Sabemos, pela Lei de Ohm, que a intensidade da corrente nestas condições, vai ser inversamente proporcional à tensão conforme indicado na figura 7.

 

Tomemos como exemplo novamente o nosso instrumento de 100 uA. Para usá-lo na medida de resistências precisamos, em primeiro lugar, de uma fonte de energia, para fazer circular a corrente no dispositivo ou circuito que vai ser testado. Uma pilha comum de 1,5 V serve perfeitamente para esta finalidade.

Veja que, nas outras medidas, não precisamos de fonte de energia (pilha ou bateria), pois no próprio circuito analisado temos disponível para o teste uma tensão ou corrente, o que não ocorre com a medida de resistências: nela, o circuito deve estar desligado e a corrente para o teste deve ser fornecida pelo próprio instrumento.

Levando em conta que a tensão disponível é de 1,5 V e que a corrente é de 100 uA, temos ainda a resistência do instrumento de 1 000 ohms a ser considerada. Que resistência precisamos ligar em série com o instrumento para medir resistências externas se ultrapassar o final da escala?

 

A figura 8 mostra o que precisamos fazer:

 

Neste caso:

R = ?

V = 1,5 V

I = 0,0001 A

Aplicando a Lei de Ohm:

R = V/I

R = 1,5/0,0001

R = 15 000 ohms

 

Como o instrumento já entra com 1 000 ohms, ligamos em série com o instrumento um resistor de 14 000 ohms (na verdade, conforme veremos, será interessante poder ajustar este resistor para compensar as variações de tensão da pilha, por isso, conforme veremos, na prática podemos usar um trimpot de 47 000 ohms).

Quando então a resistência que ligamos em série com este circuito for zero, a corrente será de 100 uA. O fundo de escala do instrumento corresponde, portanto a 0 ohm.

Se agora ligarmos em série um resistor de exatamente 15 000 ohms, ou seja, esta for a resistência que vamos medir externamente, conforme mostra a figura 9, o que ocorre?

 

A resistência total do circuito, nestas condições, dobrará e consequentemente a corrente circulante cairá à metade. Desta forma, o instrumento terá seu ponteiro se deslocando até o meio da escala, conforme mostra a figura 10.

 

Veja que, quanto maior for a resistência que ligamos em série, menor será a corrente e menor será a deflexão. Por isso, nesta escala, as resistências aumentam da direita para a esquerda e nos extremos temos zero e infinito.

 

O que muda nos multímetros, quando trocamos de escala, é o valor que temos no meio e que é o ponto onde temos maior comodidade para uma leitura. Escolhemos a escala de modo a termos uma medida mais cômoda e, portanto mais precisa.

Veja então que, para usar o multímetro, basta ligar suas pontas de prova no circuito em que desejamos medir a resistência.

Ocorre, entretanto, que com o tempo, a tensão na pilha tende a cair, e com isso afetar a medida, pois ela depende dessa tensão. Para compensar este efeito, em lugar de usar um resistor fixo em série com o instrumento é preferível ter um trimpot.

Este trimpot permite ajustar a leitura antes de cada medida de modo a termos a indicação de zero de resistência quando as pontas de prova forem unidas, conforme mostra a figura 12.

 

Este ajuste é denominado ajuste de nulo ou ajuste de zero (Zero Adj do inglês) e deve ser feito antes de qualquer medida de resistência.

Se atuando sobre o trimpot de Zero Adj não for possível colocar o ponteiro no zero da escala, com as pontas de prova unidas, isso é sinal que a pilha interna do multímetro está fraca e precisa ser substituída.

 

ESCOLHENDO E USANDO UM MULTÍMETRO

Existem centenas ou mesmo milhares de tipos de multímetros disponíveis no mercado e com as mais diversas características. Estes multímetros podem ser simples e baratos do tipo analógico, com poucas escalas e pequena sensibilidade, ou ainda mais sofisticados com muitas escalas, grande sensibilidade e até indicação digital.

Alguns possuem requintes como a capacidade de medir outras grandezas além de resistências, correntes e tensões, como por exemplo o ganho de transistores, capacitâncias, servir de injetores de sinais, etc.

Um dos pontos importantes que o comprador deve observar na hora de escolher seu multímetro é a sensibilidade.

A sensibilidade de um multímetro é medida em ohms por volt e deve ser a maior possível para que o instrumento não influa na medida que vai ser feita. Valores considerados baixos, encontrados nos multímetros de menor custo estão na faixa de 1 000 a 5 000 ohms por volt. Valores médios, para os multímetros que servem para a maioria dos trabalhos de reparação estão na faixa de 5 000 a 20 000 ohms por volt, e valores considerados altos são os que estão acima dos 20 000 ohms por volt.

Os tipos digitais, pelo uso de transistores de efeito de campo são especificados pela resistência de entrada, que também deve ser a maior possível. Tais instrumentos possuem uma resistência de entrada da ordem de 22 000 000 ohms em todas escalas o que é excelente para todos os trabalhos profissionais.

Do mesmo autor deste artigo recomendamos o Livro "Tudo Sobre Multímetros" que deve ser reeditado e que contém tudo que o usuário deste instrumento precisa saber para usá-lo ou para adquiri-lo.