Escrito por: Newton C. Braga

Estamos na era digital. Quase todas as antigas tecnologias tradicionais que envolvem o trabalho com imagens e sons estão se tornando digitais. A Internet contribuiu muito para isso, já que sons e imagens precisaram ser transmitidos pelas linhas telefônicas. Depois do CD substituir as fitas e discos antigos, depois do DVD aparecer tendendo a descartar completamente as fitas de vídeo, e depois do anúncio da TV digital que ainda encontra algumas dificuldades para ser implantada mesmo nos Estados Unidos, chegou a vez do velho e tradicional rádio. A tecnologia da transmissão digital deve reviver o velho rádio de OM, Ondas Curtas e FM trazendo uma nova dimensão para este meio de comunicações, que ao contrário do que muitos pensam não está tendendo a morrer. Veja neste artigo o que nos deve proporcionar a nova tecnologia do Rádio Digital.

Este artigo foi publicado originalmente em 2001

 

Sempre que uma nova tecnologia desponta existe uma onda de falsos analistas que dizem que imediatamente aquela tecnologia vai descartar alguma outra anterior que ela parece substituir.

Foi assim com o aparecimento da televisão que levou estes mesmos analistas a dizerem que isso significaria o fim do rádio e do cinema. Os dois hoje não ocupam todo o espaço possível das comunicações mas sim compartilham com o rádio que continua forte.

O que está ocorrendo em nossos dias é que o desenvolvimento da tecnologia digital se tornou tão grande que ela pode ser usada para dar nova vida a novos meios de comunicação que antes tinham sua capacidade limitada pelo uso de um sistema analógico.

É o caso da telefonia que, com a era digital possibilitou que este sistema fosse usado com a Internet e foi além com a viabilidade dos aparelhos celulares; da TV que está se tornando digital (apesar das dificuldades ainda encontradas para a adoção do sistema) e evidentemente não poderia escapar o velho e tradicional rádio.

Sim, o rádio digital vem aí abrindo novas portas para este meio ainda muito eficiente de comunicações e que poderá ter novos recursos e qualidade nunca imaginados nos velhos tempos em que ele imperava com as enormes difusoras de ondas médias e curtas espalhadas pelo mundo.

O que é o rádio digital e o que ele oferece é o que veremos neste artigo.

 

O VELHO RÁDIO AM

Na década de 30 e 40 o rádio imperava como meio sem concorrente de comunicações com potentes estações de ondas médias em todas as localidades e estações de ondas curtas que espalhavam seus sinais pelo mundo tornando possível saber o que se passava em qualquer parte a um "simples toque dos dedos".

Rádios de ondas médias e curtas disputavam a preferência dos clientes, sendo alguns verdadeiras preciosidades que até hoje podem ser encontrados nas mãos de colecionadores.

 


 

 

 

O princípio do velho rádio era simples:

Um transmissor de alta potência operando entre 140 kHz a 26,1 MHz, conforme a faixa (ondas longas, médias ou curtas) modulados por sinais de áudio (voz, música, efeitos sonoros, etc.), conforme mostra a figura 2.

 

Uma estação de rádio AM em blocos.
Uma estação de rádio AM em blocos.

 

Cada estação ocupava um canal de 10 kHz o que era mais do que suficiente para resultar numa qualidade de som satisfatória para a tecnologia da época.

Os sinais de ondas longas e médias davam cobertura local com alcances da ordem de algumas dezenas de quilômetros durante o dia e muito mais à noite.

As ondas curtas, que eram o "filet mignon" das estações antigas tinham cobertura mundial. Seus sinais podem refletir-se na ionosfera e com isso cobrir enormes distâncias na terra, conforme mostra a figura 3.

 

As ondas curtas refletem na ionosfera.
As ondas curtas refletem na ionosfera.

 

 

É claro que este tipo de tecnologia, em que os sinais transmitidos eram analógicos tinham muitas limitações como:

a) O alcance depende de condições atmosféricas e mesmo ligadas a atividade solda, principalmente no caso das ondas curtas.

b) O canal estreito limita a qualidade de som o a quantidade de informação a ser transmitida.

c) O tipo de modulação em amplitude torna o sinal sensível a todo o tipo de interferências que afetam sua qualidade.

 

Uma outra limitação importante a ser considerada e que pode ser superada com o uso da tecnologia digital está no fato de que a informação no AM fica concentrada em bandas laterais e que a portadora é desperdiçada.

É claro que, com o advento do FM, da Internet o uso do rádio tradicional hoje é bastante limitado mas ainda forte nos casos em que ele consiste na única forma de acesso a informação ou a recreação como:

a) regiões afastadas onde não chega a TV, Internet ou outro meio

b) no carro

c) no uso pessoal, dada a portabilidade dos rádios pequenos

 

Hoje em dia, as estações de AM principalmente se adaptaram ao novo público que utiliza este equipamento e concentram suas programações em serviços de utilidade pública, notícias e esportes.

No entanto, o rádio da forma tradicional não chegou ao seu limite e a nova tecnologia digital deve atingi-lo talvez tanto um novo e enorme impulsos aos serviços que ele pode prestar.

 

Rádio nos Anos 20

Nos primeiros anos do rádio as coisas eram bem diferentes de hoje. Naquele tempo eram utilizados como receptores os rádios de cristal ou rádios de galena como eram conhecidos.

Estes rádios constavam de uma grande antena (para captar o máximo de sinais possível pois não havia circuito amplificador) ligada a um circuito de sintonia. Os sinais captados selecionados iam a um detector que era um cristal de um sal de chumbo denominado galena. Ao se tocar este cristal com um fio muito fino (chamado de bigode de gato) encontrava-se o "ponto sensível" e detecção ocorria. Era possível então ouvir num fone de ouvido os sinais da estação.

 


 

 

Nada de amplificação, nada de circuitos de alta fidelidade! Tudo que você ouvia no fone dependia de quanto sua antena podia captar de energia da estação!

O mais interessante é que os rádios eram na maioria dos casos montados peça por peça pelos próprios interessados num trabalho artesanal muito interessante. Como as coisas mudam!

 

O RÁDIO DIGITAL

A ideia de se transmitir os sinais de áudio do rádio tradicional usando o espectro já existente de 100 kHz a 30 MHz tem a vantagem de que para processar sinais de áudio na forma digital é muito mais simples do que fazer o mesmo com sinais de vídeo.

Não resta dúvida que, com a possibilidade de se contar com processadores digitais de sinais (DSPs) rápidos trabalhar com sinais de áudio será simples e o custo de um rádio digital não terá uma diferença tão grande em relação ao tipo comum como ocorre com o televisor digital.

Existe já um fabricante que afirma que os primeiros modelos devem custar em torno de U$ 100 baixando rapidamente com a demanda.

Mas, o rádio digital é muito mais do que transformar o velho sinal analógico de áudio que modula uma portadora em informação digital ocupando o mesmo canal de 10 kHz.

O rádio digital terá as seguintes características que não encontramos nos rádios comuns:

a) A informação digital não ocupa a mesma largura de espectro e portanto o aproveitamento da energia no mesmo canal é maior. Isso significa que, com a mesma potência do equivalente analógico uma estação digital pode enviar seus sinais mais longe.

b) Os sinais digitais podem ser comprimidos e mais informações podem ser enviadas por um mesmo canal. Mesmo no estreito canal de 10 kHz reservado para esta modalidade de transmissão podem ser "espremidos" diversos programas inclusive com sinais estéreo. O velho sonho do AM estéreo que não vingou apesar de algumas tentativas, pode se tornar realidade e de forma simples.

c) Podem ser incluídos algoritmos para evitar qualquer deformação na qualidade do som que terá então a mesma qualidade de CD, mesmo para as transmissões na faixa de ondas médias.

d) No projeto original 9 kHz do canal serão destinados a transmissão dos sons digitalizados em sí e 1 kHz será deixado para transmissão de informações. Os receptores terão então mostradores em que informações paralelas podem ser apresentadas ao mesmo tempo em que se ouve um programa, conforme mostra a figura 4.

 

O Rádio Digital
O Rádio Digital

 

 

 

Estações de Ondas Curtas do Mundo

Na era de ouro das transmissões de ondas curtas centenas de estações transmitiam programas em muitos idiomas. Até hoje, muitas destas estações, normalmente órgãos governamentais, ainda transmitem programas em idiomas que são escolhidos de acordo com o horário em que os povos que os falam podem sintonizam com mais facilidade.

Estas estações podem emitir sinais de centenas de quilowatts e até hoje podem ser sintonizadas principalmente à noite com um bom rádio de ondas curtas. Assim, é possível ouvir hoje e aqui em nosso país nas faixas de ondas curtas estações como a BBC de Londres, ORTF de Paris, VOA de Washington, DW da Alemanha, RAI da Itália com programas em português! Com o rádio digital estas programações poderão adquirir nova vida tanto pela maior facilidade de sintonia como pela melhor qualidade de som.

 

INFORMAÇÃO TÉCNICA

Os estudos para a implantação de um sistema de rádio digital começaram em 1992 e em 1998 foi formada a DRM (Digital Radio Mondiale) uma associação com mais de 309 membros de todo o mundo que devem desenvolver um padrão único mundial para o rádio digital. Diversas idéias sobre os padrões a serem utilizados já foram discutidas se bem que já existam em funcionamento estações de diversos padrões diferentes já operando em alguns lugares da Europa, Canadá e Estados Unidos.

Algumas ideias básicas de como poderá funcionar o rádio digital em termos técnicos são dadas a seguir.

 

a) Tipo de modulação a ser usado. Para manter a qualidade nas faixas de ondas lonas, médias e curtas com uma largura de faixa de 10 kHz estuda-se a possibilidade de se fazer a transmissão de dados com velocidades entre 12 e 48 kbits por segundo. A velocidade de transmissão deverá ser determinada pelo tipo de transmissão, se estéreo ou não.

b) Codificação - o tipo de codificação a ser utilizada vai depender da imunidade desejada à interferências, ruídos e fading. O sistema TCM (Trellis Coded Modulation) e um dos que está sendo analisado.

c) Esquema de modulação - existem diversos tipos de modulação do sinal que podem ser empregados e cuja eficiência já tem sido analisada no caso da TV digital e de outros sistemas de comunicação digital. Dois são os principais que estão sendo estados.

Esquema Serial - neste caso temos um modem com portadora única em que os sinais digitais são transmitidos serialmente. este esquema parece ser bastante eficiente no caso de multi-reflexões dos sinais em que o receptor é capaz de separar o que deve e o que não deve ser considerado. Circuitos denominados DFE (Decision Feedback Equalizer) podem ser úteis na recepção de ondas curtas onde os problemas de reflexões são mais acentuados, mas sua eficiência diminui à medida que o retardo dos sinais refletidos se torna maior.

O segundo esquema de modulação é o paralelo - neste caso o modem trabalha com diversas portadoras, semelhante ao COFDM usado em TV digital. Nele, existem diversas subportadoras que são moduladas pela informação que deve ser transmitida. A demodulação é feita usando FFT (Fast Fourier Transform) associada a filtros e interpolação de frequências.

 

d) Potência x Eficiência - um ponto importante a ser considerado na transmissão digital é que o modo como os sinais são transmitidos pode afetar o rendimento do equipamento em termos de potência. Por exemplo, para um modem serial um transmissor de 100 kW tem uma eficiência entre 30 a 40 kW. Já para uma transmissão paralela a eficiência do mesmo transmissor é de 10 kW.

 

e) Faixa passante - para um modem paralelo, o espectro de sinais é quase retangular o que permite uma ocupação melhor do canal. Para o modem serial a ocupação do canal é menor devendo ser levada em conta o uso de filtros Nyquist de modo a se garantir maior proteção contra interferências dos canais adjacentes.

 

f) O que deve ter o receptor em termos de capacidade de computação - as arquiteturas dos receptores que devem receber sinais serial ou paralelos deve ser um pouco diferente. Levando-se em conta que estações de mesma eficiência para as duas modalidades de modulação sejam recebidas, observamos que em condições variáveis de propagação a capacidade de computação do modem paralelo pode ser constante e relativamente baixa. Para os esquema paralelo, a capacidade de computação aumenta muito à medida que as condições de propagação se deterioram exigindo tecnologias que ainda não estão disponíveis.

 

 

Fading

Fading ou desvanecimento é um fenômeno muito comum quando ouvimos estações distantes de ondas curtas. As camadas da ionosfera em que os sinais se refletem não são fixas, mas oscilam o que faz com que as reflexões dos sinais tenham um efeito de deslocamento e batimentos que provocam aumentos e diminuições da intensidade do sinal num ponto de reflexão, conforme mostra a figura A.

 


 

 

Quando isso ocorre, existem instantes em que os sinais que refletem em lugares diferentes se somam e instantes em que se cancelam. Como o fenômeno é dinâmico, o sinal "vai e volta" em ciclos regulares fazendo com que a estação recebida tenha o sinal oscilando entre máximos e mínimos. A estação para ir e voltar constantemente. Este fenômeno no rádio digital deve ser compensado de tal forma que a informação transmitida não se perca.

 

A IMPLANTAÇÃO DA TECNOLOGIA

Se bem que, do mesmo modo que no caso dos televisores comuns, os rádios AM não podem captar os sinais das novas estações, a adaptação das estações para a nova tecnologia é mais simples.

 

Numa estação transmissora tradicional o que temos é uma etapa de potência modulada por um amplificador, conforme mostra a figura 5.

 

Modificações na estação transmissora
Modificações na estação transmissora

 

 

O que ocorre é que as etapas de potência não precisam de alterações para poderem ser moduladas pelos sinais digitais. Assim, não será preciso mexer na parte mais cara que são justamente os circuitos emissores de alta potência.

Para os receptores a coisa é mais complicada.

O receptor deve ser próprio para receber e decodificar esta nova modalidade de sinais.

As etapas de RF (conversor e FI) se mantém pois as frequências que devem ser sintonizadas são as mesmas e a faixa ocupada pela estação é também a mesma.

A coisa começa a mudar na etapa de decodificação. Em lugar do tradicional detector de envolvente, como nos rádios comuns e mostrado na figura 6, teremos alguma espécie de detector que retirará o sinal digital da portadora e o enviará a um processador.

 

O diagrama de blocos dos novos receptores
O diagrama de blocos dos novos receptores

 

 

Este processador extrairá então os sinais digitais e os processará de modo a recuperar a informação que eles trazem. Depois disso, passando por algoritmos que eventualmente tirem ruídos ou alterem os tempos (caso venham comprimidos) os circuitos devolvem os sinais analógicos para sua forma original de modo a poderem ser amplificados e aplicados a um alto-falante conforme mostra a figura 7.

 

O microprocessador (ou DSP) no rádio digital.
O microprocessador (ou DSP) no rádio digital.

 

 

Já os sinais que correspondem às informações serão levados a um outro circuito de processamento que vai apresentá-los num mostrador,

 

CONCLUSÃO

Da mesma forma que no caso da TV digital que em nosso país ainda não teve um padrão definido o mesmo ocorre com o rádio digital. A DRN tem trinta membros e dentro de suas previsões já em 2001 deve ser aprovado um padrão único mundial para que no mesmo ano seja iniciada a produção em massa dos receptores e a operação plena já ocorra em 2002.

Como sempre, acreditamos que a melhor solução seja a adotada e com isso seja possível ter um rádio de qualidade muito melhor dentro de pouco tempo.

A possibilidade de se ter informação junto com som, e até alguns modelos dotados de pequenas impressoras em que poderemos ter fatos relevantes impressos quando quisermos (cotações do dólar, da bolsa ou resultados da loteria) é algo que abre novas perspectivas para um meio importante de comunicações que não morreu.

 

 

Membros da DRM

ABU (China)

Robert Bosch (Alemanha)

BBC (Inglaterra)

Continental Electronics Corp. (USA)

Coding Technologies (Suecia)

Deutsche Telecom (Alemanha)

Deutsche Welle (Alemanha)

ERTU (Egito)

Fraunhofer Gesellschaft (Alemanha)

Harris Corp. (USA)

IBB (USA)

Keymenlaakson Polytechnik (Finlândia)

LSI Logic Europe (Inglaterra)

Merlin Communications (Inglaterra)

Motorola Corp. (Inglaterra)

Norking (Noruega)

Nozema (Holanda)

Radio Canada Int. (Canada)

Radio France Int. (França)

Roke Manor Reserach (Inglaterra)

Radio Nederland Wereldomroep (Holanda)

Radio Televisone Italiana (Itália)

Retevision (Espanha)

Sanegean America (USA)

Sony Internationale Europe (Alemanha)

TCI (USA)

Technisat (Alemanha)

Tecsun (China)

Teledifuision de France (França)

Telefunken Sendertechnick (Alemanha)

Thomcast (France)

Voice of Russia (Russia)

Asia Pacific Broadcasting Union

CCETT (França)

European Broadcasting Union

Friedrich Ebert Stiftung (Alemanha)

IRT (Alemanha)

ITU (International Telecommunication Union) - (Suiça)

University of Kentucky (USA)

 

Mais informações podem ser obtidas na Internet em: http://www.drm.org