Notícias diárias na mídia têm focalizado inovações na criação de dispositivos eletrônicos que se baseiam na física quântica. Podemos dizer que depois da eletrônica baseada na física do vácuo (válvulas), depois na física dos materiais semicondutores, passamos para um novo patamar, os dispositivos eletrônicos que se baseiam na física quântica para seu funcionamento, ou seja a eletrônica quântica. O que há de verdadeiro nisso? É o que exploraremos neste artigo.

Conforme percebemos, a tecnologia eletrônica, como muitas outras tecnologias avança conforme as novas descobertas da física. Assim, temos a tecnologia da válvula que se desenvolveu a partir de Edson e de Crookes, a tecnologia dos semicondutores a partir da física do estado sólido, e agora chegamos a uma nova transição que, ao que parece, vai ser tão ou mais impactante do que as tecnologias anteriores: a eletrônica quântica.

Na verdade, se fizermos uma análise profunda da eletrônica, desde os tempos da válvula, vemos que ela tinha algo de fenômenos quânticos, mas de forma não muito evidente. Os fenômenos envolvidos eram quânticos, mas não eram a base do funcionamento do dispositivo.

Por exemplo, os elétrons emitidos pelo catodo de uma válvula têm propriedades quânticas, mas elas não são aproveitadas como base do funcionamento da válvula. No caso dos transistores ocorre o mesmo, os níveis de energia, dopagens, portadores de carga, barreira de potencial são fenômenos que têm relação direta com a física quântica, mas a “parte quântica” não é fundamental para o funcionamento do dispositivo.

A transição já começa a ocorrer quando descrevemos um dispositivo que tem seu funcionamento baseado diretamente num efeito quântico. O efeito quântico, neste caso, é a base e não resultante do funcionamento.

Falamos, por exemplo, do tunelamento, no caso dos diodos túnel.

 

O diodo túnel

Este talvez seja o primeiro componente eletrônico de uso comum que podemos considerar como quântico. Ele se aproveita de um efeito quântico para funcionamento, que não é apenas consequência de sua operação.

O diodo túnel, como seu nome sugere, aproveita diretamente um fenômeno da mecânica quântica denominado tunelamento.

Se bem que seja observado em outros fenômenos naturais, para a eletrônica nos interessa é o que ocorre em determinadas junções, quando partículas (cargas elétricas) podem transpor uma barreira de potencial com uma energia menor do que a que seria exigido em condições normais ou clássicas.

´Podemos fazer uma analogia com um pico que a partícula tivesse de subir e passar para o outro lado. Mas na realidade é como se ela encontrasse um “túnel” pelo qual pode passar sem a necessidade de sua energia subir até um máximo.

Conceitos da física quântica, como o da natureza ondulatória da matéria, função de onda e o próprio princípio da incerteza de Heisenberg são usados para explicar o que ocorre.

Analisemos o funcionamento desse componente quântico, o diodo túnel. Na figura 1 temos o símbolo comumente adotado para representá-lo.

 

Figura 1 – Símbolo do diodo tunnel.
Figura 1 – Símbolo do diodo tunnel.

 

 

Suas propriedades de resistência negativa vêm da utilização de uma camada de depleção ultrafina na junção que dota o componente de características de resistência negativa.

O nome do componente vem do fato de que diferentemente dos demais semicondutores em que a resistência da barreira de potencial depende até certo valor da tensão aplicada, existe um ponto em que esses portadores encontram como que um túnel por onde podem passar com facilidade, resultando assim numa curva característica que é mostrada na figura 2.

 

 


 

 

 

Assim, quando aplicamos uma tensão no sentido direto o componente se comporta como um diodo comum até o instante em que ela atinge o ponto A. Este ponto ocorre com algumas dezenas de milivolts para os diodos túnel comuns e é denominado "ponto de pico".

No entanto, a partir deste ponto quando a tensão aumenta, em lugar da corrente também aumentar ela diminui abruptamente até o denominado ponto de vale mostrado em B.

Neste trecho temos então um comportamento "anormal" para o componente que passa a apresentar uma resistência negativa. O que ocorre é denominado tunelamento, consistindo num efeito quântico.

Lembramos que a resistência no gráfico em questão é a cotangente do ângulo que a curva característica apresenta no ponto visado e neste caso temos valores negativos para o trecho entre A e B.

A partir do ponto B o aumento da tensão novamente causa o aumento da corrente quando então o componente passa a apresentar um comportamento semelhante aos demais componentes eletrônicos.

No entanto, o importante da característica de resistência negativa que este componente apresenta e que é semelhante à dos transistores unijunção e da própria lâmpada neon é que o diodo túnel pode ser usado em osciladores de relaxação e até mesmo amplificar sinais. Veja que, na lâmpada neon e no transistor unijunção o fenômeno envolvido é outro, não ocorrendo o tunelamento.

Como a ação do diodo túnel é extremamente rápida, o que não ocorre que lâmpadas neon e transistores unijunção, cuja velocidade de operação limita sua aplicação a circuitos de no máximo algumas dezenas de quilohertz, os diodos túnel podem ser usados em circuitos de altíssima frequência superando facilmente os 1 000 MHz ou 1 GHz.

 

Indutores quânticos

Um dos problemas que todos conhecem e que afeta a integração de indutores é o fato de que esses componentes ainda não evoluíram o suficiente para que possamos colocá-los num chip. Eles ainda consistem em espiras de fio enrolado, eventualmente em torno de um núcleo e, para obtermos indutâncias elevadas ele se torna volumoso, difícil de fabricar e não há uma solução de integração. Na figura 3 temos um indutor “tradicional”.

 

Figura 3 – O indutor comum
Figura 3 – O indutor comum

 

 

No entanto, isso deve mudar em pouco tempo a partir da criação do indutor quântico que não se baseia para seu funcionamento na criação de um campo magnético numa bobina. Com a física quântica aplicada aos indutores poderemos ter um novo tipo de componente que apresentará uma indutância, mas que não será formado por bobinas com fios enrolados.

A ideia já está sendo explorada a partir das pesquisas feitas no Instituto Riken no Japão. O que se faz é utilizar um dispositivo que aproveita o que se denomina em física Fase de Berry em que a matéria pode manifestar um campo magnético pela posição dos spins dos elétrons que giram em torno de um átomo.

Veja que isso é bem diferente do indutor tradicional em que é o movimento do elétron que cria o campo. Nele é o spin o estado do elétron que cria o campo.

Assim, o material em que isso ocorre passa a apresentar um campo magnético efetivo pela passagem de uma corrente, o que também é denominado campo emergente.

A figura 4 dá uma ideia do que ocorre.

 

 

Figura 4 – O campo emergente criado pela circulação de uma corrente num chip
Figura 4 – O campo emergente criado pela circulação de uma corrente num chip | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Desta forma, a indutância que se manifesta quando a corrente circula por esse dispositivo não depende do fato dele formar bobinas. O efeito ocorre numa circulação linear.

Quando a corrente varia os spins se modificam gerando campos que se opõem à corrente, o que caracteriza justamente o que denominamos indutância.

Mais do que isso, verificou-se que a indutância aumenta quando a área da seção transversal do condutor diminui o que é justamente o oposto do que ocorre com um indutor convencional. Quanto menor o componente, maior será a indutância obtida.

O material ideal a ser usado neste chip indutor ainda está sendo procurado. Nos testes atuais foi usado uma liga de diversos elementos raros como o gadolínio, rutênio. Além disso, o efeito ainda só se manifesta em temperaturas extremamente baixas, denominadas criogênicas.

Talvez com a descoberta de um material que manifeste essas propriedades em temperaturas ambientes teremos o chip indutor de estado sólido sem a tradicional tecnologia de fio enrolado. Um componente quântico.

 

FETs e MOSFETs Túnel (TFET)

Outros componentes quânticos que já estão em fase de desenvolvimento são os FETs e MOSFETs quânticos, aproveitando o tunelamento que já vimos no caso do diodo túnel.

Não é preciso dizer que a elaboração de transistores quânticos significará um salto na tecnologia eletrônica tão importante como o da passagem da válvula para o transistor. Será definitivamente a entrada da eletrônica para o mundo quântico.

O novo componente, denominado Tunnel Field-Effect Transistor ou TFET se baseia no seu funcionamento o tunelamento quântico. O componente foi desenvolvido por uma equipe de pesquisadores do centro de pesquisas da IBM na Europa e pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausanne na Suíça (EPFL).

A tecnologia hibrida combina uma junção túnel com um MOSFET convencional de modo conforme mostra a estrutura desse componente na figura 5.

 

 

 Figura 5 – O TFET, um transistor de efeito de campo quântico
Figura 5 – O TFET, um transistor de efeito de campo quântico | Clique na imagem para ampliar |

 

Diversas características elétricas deste componente poderão fazer com que seu uso seja adotado. Uma delas é sua capacidade de poder operar com um limiar de condução com tensões muito baixas, como ocorre com os diodos túnel.

 

Conclusão

A criação de dispositivos eletrônicos que aproveitam efeitos quânticos que cada vez se tornam mais conhecidos como o tunelamento, o magnetismo emergente e outros pode logo nos trazer recursos para projetos com os quais dificilmente podíamos imaginar há poucos anos. Uma nova transição da tecnologia. A Eletrônica Quântica está chegando.