Um dos circuitos mais importantes que encontramos em eletrônica é chamado de PLL, ou Phase Locked Loop. O PLL está para a frequência assim como o amplificador operacional está para a tensão. Qualquer profissional de Eletrônica que trabalhe com circuitos de comunicações, instrumentação digital, DSPs, microcontroladores e microprocessadores, ou mesmo circuitos de sinais analógicos, precisa conhecer o princípio de funcionamento do PLL. Neste artigo vamos analisar, de uma forma simples, o funcionamento deste importante circuito eletrônico básico.

 

Nota: Artigo publicado na revista Eletrônica Total 153 de 2012.

 

PLLs ou Phase Locked Loops (que alguns traduzem por Elo Travado em Fase) são encontrados em receptores de AM, FM, modems, sintetizadores de frequências, telefones sem fio, telefones celulares, instrumentos digitais e analógicos e numa infinidade de outras aplicações onde frequências estejam presentes. O PLL trabalha com frequências do mesmo modo que um amplificador operacional trabalha com tensões, daí sua importância na eletrônica moderna.

 

 

PLL Básico

 

Para entender como funciona um PLL vamos analisar seu funcionamento por partes, começando com uma configuração bastante simples, que é mostrada na figura 1. Nesse circuito, temos um bloco (que analisaremos melhor depois) cuja tensão de saída depende da diferença de fase entre dois sinais de mesma frequência aplicados à sua entrada.

 


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Essa tensão é filtrada por um filtro passa-baixas que, na configuração mais simples, nada mais é do que um resistor e um capacitor. O sinal desse filtro serve para controlar a frequência do bloco final, o qual consiste num oscilador controlado por tensão ou VCO (Voltage Controlled Oscillator).

Tal circuito gera um sinal cuja frequência pode ser deslocada dentro de uma faixa de valores a partir da tensão aplicada na sua entrada.

O sinal desse oscilador, conforme mostra o diagrama básico, é aplicado à entrada através de um elo (loop) de realimentação. Partindo-se da situação em que não existe sinal de entrada, a frequência do sinal na saída será determinada apenas pelas características do VCO e ficará num valor central.

Se aplicarmos na entrada desse circuito um sinal de frequência f, o detector de fase entrará em ação e comparará a frequência do sinal com a frequência do VCO que é aplicada à entrada. Supondo que os sinais tenham frequências diferentes, o detector de fase irá gerar um sinal que é a diferença das frequências (f - fo), que será aplicado ao filtro.

O resultado é que, como essa frequência é relativamente baixa, ao ser aplicada ao filtro, será criada uma tensão que oscila sensivelmente atua sobre o VCO. A reação do VCO a esse ripple ou ondulação é uma mudança de frequência que, justamente, tende a fazer com que sua saída se aproxime da frequência do sinal de entrada.

No momento que as frequências se igualarem, o ripple desaparecerá e a tensão na saída do filtro passa-baixas se estabilizará, "travando" o VCO exatamente na frequência de entrada.

Dizemos que o VCO capturou o sinal ou "travou" o sinal, reconhecendo sua frequência. Na figura 2 é ilustrado num gráfico o que acontece.

 


 

 

 

Qualquer alteração na frequência do sinal de entrada que vier a ocorrer, gerará um novo sinal diferença na saída do detector de fase e uma mudança de tensão na saída do filtro o que levará o VCO a "procurar" a nova frequência. Em teoria, um circuito como esse seria bastante simples de implementar, mas provavelmente não teria um desempenho conforme o esperado, devido a diversos fatores que devem ser levados em consideração.

Assim, para a implementação de um PLL real, é necessário ir além, analisando alguns pontos importantes de seu funcionamento.

 

 

Faixa de Captura

 

Ao tomarmos como exemplo os blocos da figura 1, consideramos que a diferença de frequência entre o sinal de entrada e o gerado pelo VCO era suficientemente baixa para que pudesse passar pelo segundo bloco, que é o filtro passa-baixas.

Se trabalharmos com sinais muito diferentes, a diferença poderá ser uma frequência alta demais para passar pelo filtro e o sistema não funcionará. Não teremos uma tensão de saída para atuar sobre o VCO. Isso significa que existe uma faixa bem determinada de frequências em torno da qual o VCO opera e o circuito pode atuar, travando.

Essa faixa de frequências é chamada de "faixa de captura" ou "lock range': em inglês. A faixa de captura de um PLL é dada pela diferença entre a frequência mais alta e a frequência mais baixa em torno de fo (frequência central do VCO), que pode ser capturada, veja a figura 3. Nos PLLs comuns que podemos obter na forma de circuitos integrados, a frequência central fo pode ser selecionada através de resistores e capacitores externos, enquanto a faixa de captura depende do tipo.

Assim, um CI como NE567, por exemplo, poderá operar com um fo de até 500 kHz, capturando sinais cuja faixa de frequências em torno de fo chegará a ser de até 10 para 1, ou seja, o f1 é 10 vezes menor que o f2 no gráfico da figura 3.

 


 

 

 

 

Detectores de Fase

 

Há dois tipos diferentes de detectores de fase nos PLLs comuns. Esses detectores são chamados de tipo I e tipo II.

 

Detector de fase tipo 1

O detector de fase do tipo I consiste de um multiplicador de quatro quadrantes. Para entender melhor como funciona este tipo de circuito, vamos supor que na sua entrada sejam aplicados dois sinais digitais de mesma frequência, mas com uma certa diferença de fase, conforme explicaremos a partir da figura 4.

Imaginaremos que esses sinais sejam aplicados a uma porta "OU Exclusivo': o que nos leva a obter uma saída que seja formada por pulsos cuja largura corresponde justamente à diferença de fase entre os dois sinais. Esses pulsos, conforme sua largura, representam uma tensão média que, certamente, será proporcional a essa diferença de fase de acordo com a curva em (b) da figura 4.

 


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Um ponto muito interessante que podemos observar analisando essa figura é que a frequência do sinal de saída é o dobro da frequência dos sinais de entrada (conforme veremos oportunamente, esta característica permite que os PLLs sejam usados para multiplicar frequências). O grande problema desse tipo de circuito é que ele tenderá a travar quando sinais de frequências múltiplas forem aplicados à entrada, conforme mostra a figura 5.

 


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Em outras palavras, esse tipo de detector de fase não é capaz de diferenciar um sinal da frequência fundamental de uma harmônica, podendo travar em qualquer um dos dois.

Um outro problema que também deverá ser considerado é que se os sinais aplicados na entrada não tiverem um ciclo ativo próximo de 50%, o detector do tipo 1 também não funcionará corretamente. O grande fator positivo na operação desse tipo de circuito é a sua imunidade a ruídos na entrada.

 

 

Detector de fase tipo II

 

Este tipo de detector trabalha com as frontes dos sinais aplicadas na entrada. Em outras palavras, ele leva em conta o instante em que os sinais mudam de nível, o que significa que eles devem trabalhar com sinais retangulares.

Podemos comparar este detector a uma chave de 1 polo x 3 posições, observe a figura 6.

 


 

 

 

Quando o sinal de entrada tiver uma transição negativa fará com que a chave seja levada para a posição de nível lógico 1 (para cima), a não ser que ela já esteja nessa posição. Da mesma forma, uma transição negativa do sinal do VCO fará com que a chave passe para a posição de nível lógico 0 (para baixo). Isso significa que os dois sinais têm diferença de fase, e a chave atua para cima e para baixo gerando, assim, um sinal de controle.

Se os sinais tiverem a mesma frequência e fase, a chave não conseguirá mudar de posição em velocidade suficiente e, com isso, assume uma posição média onde o nível não é alto e nem baixo (circuito aberto).

Veja que, neste tipo de detector, se os sinais estiverem em fase não haverá sinal de saída e, assim, não haverá sinal residual quando ele travar. Também é preciso observar que para o filtro passa--baixas a chave atua como um circuito de carga e descarga do capacitor. O filtro, neste tipo de detector, funciona de maneira semelhante a um circuito de amostragem e retenção (sample and hold).

Outro ponto importante deste circuito é que a faixa de captura não depende do filtro passa-baixas. O ponto negativo deste tipo de detector de fase está na possibilidade dele ser enganado por ruídos no sinal. Um sinal que tenha oscilações, semelhante ao apresentado na figura 7, poderá levar o circuito a gerar várias transições indevidas. Sinais livre de ruídos devem ser usados com PLLs que possuam este tipo de detector de fase.

 


 

 

 

Na tabela 1, temos uma comparação de desempenho dos dois tipos de detector abordados.

 

 

Filtro Passa-baixas

 

O filtro passa-baixas tem duas funções neste tipo de circuito. Ele proporciona um sinal que é uma tensão cujo valor médio corresponde à diferença de fase dos sinais e, ao mesmo tempo, determina a velocidade segundo a qual a frequência do VCO muda.

Visto que a velocidade segundo a qual ele atua sobre o VCO é um fator importante para determinar a imunidade ao ruído presente no sinal de entrada, nos projetos de PLLs os componentes associados ao filtro devem ser escolhidos com o máximo cuidado.

O tipo mais simples de filtro é aquele formado por um circuito RC, de acordo com a figura 8 em (a). No entanto, como essa configuração mais simples não garante o melhor desempenho, costuma-se usar outra um pouco mais complexa, que é mostrada na mesma figura em (b). Para maior estabilidade o valor de R2 deve ser da ordem de 1/5 do valor de Ri nesse tipo de filtro.

 


 

 

Esta regra é apenas uma aproximação, pois existem métodos de cálculo que podem ser aplicados em casos onde se deseja uma performance muito mais próxima da ideal.

 


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Usando PLLs

 

As propriedades do circuito que analisamos servem para uma infinidade de aplicações práticas que envolvem a necessidade de se reconhecer um sinal de determinada frequência como ponto de partida para a aplicação.

Vamos pensar em algumas dessas aplicações:

 

 

Regeneração de sinais

 

Há aplicações onde se necessita que o sinal aplicado à entrada do circuito seja exatamente o mesmo que se tenha na saída. Esse tipo de comportamento é, em especial, altamente desejável num modem, onde se precisa recuperar sinais que percorrem longas distâncias através de linhas telefônicas, as quais os deformam.

Os projetistas de circuitos digitais sabem que, quando aumentamos a relação sinal/ruído, ao mesmo tempo temos uma diminuição da faixa passante. No caso específico dos PLLs, a faixa passante está determinada basicamente pelas características do filtro. Na figura 9 mostramos como é possível implementar um demodulador para sinais FSK usando um PLL.

 


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Evidentemente, as transmissões de dados empregando-se FSK não são mais usadas, mas o circuito serve como um exemplo de aplicação.

 

 

Demodulação de FM

 

Eis uma função bastante interessante que pode ser implementada utilizando-se um PLL. Este tipo de aplicação para os PLLs, particularmente, é usada em circuitos de comunicações porque eles são muito mais lineares do que os detectores de relação ou de quadratura.

Contudo, o circuito também é um pouco mais caro pela necessidade de se ter um VCO linear e de ser capaz de operar em frequências muito mais altas. Neste tipo de aplicação, o VCO é ligado de tal forma que sua frequência central seja a mesma que a frequência intermediária usada no receptor com o qual ele opera.

A faixa de captura deve ser pelo menos duas vezes mais larga do que a faixa de frequências em que se desloca o sinal, quando modulado em frequência. Atente para a figura 10, onde para um receptor de FM comum que tenha uma FI de 10,7 MHz e uma largura de faixa de modulação de 75 kHz, esses são os valores a serem considerados no projeto.

 


 

 

 

Uma outra aplicação semelhante é aquela ilustrada em blocos na figura 11.

 


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O sinal de um amplificador de áudio modula em frequência um oscilador de alta frequência. Este sinal modulado em frequência é aplicado à rede de energia, sendo separado por um filtro passa-altas na entrada do receptor remoto. Tal sinal é aplicado ao PLL que, então, o demodula para amplificação por um amplificador de áudio. Este é princípio de funcionamento de muitos intercomunicadores de escritório e babás eletrônicas.

 

 

Multiplicação de frequências

 

Um amplificador operacional pode ser usado como multiplicador de tensão na configuração exibida na figura 12. A relação entre os resistores da rede divisora determina o ganho e, portanto, quantas vezes a tensão de saída é maior (ou menor) que a tensão de entrada (dependendo do fator de multiplicação escolhido).

 


 

 

 

Como afirmamos na introdução, os PLLs fazem com as frequências o mesmo que os amplificadores operacionais fazem com as tensões. Dessa forma, usamos o bloco da figura 13 para multiplicar frequências. Uma aplicação possível para este circuito é a geração da subportadora de 38 kHz nos receptores de FM estéreo a partir do tom piloto de 19 kHz. Vamos tomar este circuito básico e analisar seu princípio de funcionamento.

 


 

 

 

Conforme podemos ver, na saída do VCO ligamos um divisor de frequência, por exemplo, por 2 para jogá-lo à entrada do comparador. Isso significa que, para que tenhamos a captura do sinal de entrada, é preciso que o sinal gerado pelo VCO e, portanto, aplicado ao divisor de tensão, tenha exatamente o dobro dessa frequência.

Se usarmos um divisor por 3, a captura só acontecerá se o sinal gerar um sinal com o triplo da frequência, e assim por diante. Fica claro, então, que o divisor de frequências vai determinar por quanto podemos multiplicar a frequência de um sinal e obtê-la na saída do VCO.

 

 

Translação de Frequências

 

Diversos circuitos integrados são disponíveis com a capacidade de gerar uma série de frequências a partir de uma frequência de referência. O circuito integrado MC14151, da Motorola, é um exemplo. Uma das principais aplicações para esses circuitos é gerar diversas frequências a partir de um único oscilador, que utilize um cristal por exemplo. Assim, pode-se operar um transmissor ou receptor em diversos canais empregando-se apenas um cristal de controle.

Na figura 14 apresentamos a estrutura em blocos de um desses circuitos. Na figura em questão temos um circuito que produz sinais de frequências que obedecem às seguintes relações:

 


 

 

 

 

 

 

(f1 + f2) – f1 = f2

 

e

 

(f1 + f2) + f1 = 2f1 + f2

 

 

Se o filtro passa-altas deixar passar apenas a frequência diferença, então as entradas do comparador de fase estarão na mesma frequência ocorrendo o travamento do circuito, em uma operação estável.

 

 

Demodulação AM

 

Sinais modulados em amplitude também podem ser detectados com o uso de PLLs num circuito denominado "sincródino" e que tem o diagrama de blocos mostrado na figura 15. As características de linearidade desse circuito apresentam muitas vantagens em relação à técnica tradicional de detecção que faz uso de diodos.

 


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O PLL gera um sinal retangular que está travado em fase com a frequência da portadora. O circuito adicional é um inversor opcional com o ganho -1 ou +1, e que funciona como um retificador sincronizado.

 

 

Conclusão

 

PLLs são empregados em uma infinidade de aplicações e o que apresentamos foi uma simples descrição do seu princípio de funcionamento e algumas aplicações em circuitos práticos. Existem muitos circuitos integrados de PLLs, tais como o 4046, NE567 e outros, que podem ser usados em projetos cujas frequências cheguem até alguns megahertz. Tipos especiais podem ser encontrados para aplicações em frequências mais altas, mas seu funcionamento e modo de uso não se altera.

Analisando os datasheets de tais componentes, os leitores podem agora ter muito mais facilidade para entender suas características e como usá-los em um novo projeto.

 

 

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