Quando observamos um helicóptero em voo e admiramos a engenhosidade dos homens que criaram tal equipamento não nos damos conta de que a natureza já tinha resolvido o problema da parada no ar há milhões de anos com simples insetos como a libélula e posteriormente com o beija-flor.

Este artigo faz parte do meu livro “Viagem pelo Mundo da Tecnologia” onde, além de destacarmos as grandes invenções e suas influências em nossos dias, comentamos as invenções atuais e o estado da tecnologia que usamos e o que pode vir no futuro.

Da mesma forma quando aplaudimos a engenhosidade dos homens que criaram o radar não percebemos que este equipamento foi totalmente inspirado nos morcegos que já tinham a solução para seu uso milhões da anos antes, dadas pela natureza.

 Estes dispositivos e equipamentos que se inspiram em soluções dadas pela natureza são fruto de uma ciência muito importante que é a biônica.

 Temos então na Biônica uma ciência que une a biologia a eletrônica (e também a mecânica – seria então melhor usar o termo biomecatrônica, como um termo que mostra a convergência entre a biologia, mecânica e eletrônica),

 A natureza criou soluções muito eficientes para inúmeros problemas das criaturas vivas. Criou pernas para andar, criou asas para voar, criou sensores de luz para ver, sensores de som para ouvir e até giroscópios para o equilíbrio e GPS para a orientação.

 Assim, concluímos que a nossa observação da natureza pode ser extremamente útil para encontrarmos soluções para problemas técnicos, principalmente os que envolvem a robótica e a mecatrônica.

 Cada vez notamos a aproximação dos recursos tecnológicos das criaturas vivas, não apenas nós humanos que estamos começando a integrar recursos dos mais diversos tipos (estamos nos tornando biônicos) como também em outros seres vivos como animais, plantas e até micro-organismos.

 A separação de disciplinas que havia antigamente, quando se separavam os estudos entre as ciências físicas e as biológicas parece estar invertendo.

 A convergência de disciplinas como a que já ocorre dentro de alguns setores como a mecânica e a eletrônica dando origem a mecatrônica, está rompendo as fronteias de uma separação maior, e todas as áreas do conhecimento humano estão seguinte para um ponto único.

 Já existem psicólogos para robôs, robôs que acompanham doentes e fazem operações cirúrgicas, algoritmos que fazem previsão do tempo e cálculos de investimentos na bolsa, robôs que olhando para sua cara analisam suas expressões e interpretam seus sentimentos, robôs que monitoram a “saúde” de uma planta e até conversam com ela.

 Os cobots (robôs colaborativos) e os chatbots (robôs conversadores) são uma realidade devendo estar convivendo de modo cada vez mais intenso com nós humanos.

 

A biônica não é uma ciência nova e suas criações tecnológicas podem ser vistas de uma forma intensa já a partir da primeira metade do século vinte.

 Algumas curiosidades da biônica do passado podem já dar uma ideia ao leitor do que vem no futuro.

 

 

O Peixe-Sensor

 Existe um peixe, denominado Ituí Cavalo (cujo nome científico é Apteronotus Albifrons da família dos Gymnotoidae, também conhecido como Black Ghost) que vive em rios de águas escuras da Amazônia que é capaz de utilizar campos elétricos de baixa frequência para detectar objetos a sua volta e mesmo outros animais.

 

 

Figura 1 - O Itui Cavalo
Figura 1 - O Itui Cavalo

 

 

Este peixe possui um órgão gerador de eletricidade, do tipo semelhante aos usados pelos peixes elétricos capaz de produzir um campo de corrente de alguns volts de intensidade em torno do animal.

A frequência deste campo, que varia de 400 Hz a 2 000 Hz dependendo do peixe, é tão estável, que já se utilizou este animal para gerar os pulsos de sincronismo que alimentam um relógio.

O que ocorre é que, ao lado dos órgãos emissores, o peixe possui também órgãos sensores que permitem ao animal fazer uma "imagem mental" do que está a sua volta pelas deformações que as linhas do campo de corrente sofrem pela presença de objetos menos condutores ou mais condutores.

Já publicamos em artigos e livros o modo de se "ouvir" o campo de corrente deste peixe (que pode ser encontrados em casas de peixes ornamentais) ou de se observar a forma de onda do sinal emitido num osciloscópio.

Basta colocar no aquário em que se encontra o animal dois eletrodos e ligá-los à entrada de um bom amplificador de áudio ou de um osciloscópio.

O sinal, com amplitude que pode passar de 2 volts ‚ facilmente captado e excita qualquer circuito com facilidade.

Em experimento realizado com alunos meus no Colégio Mater Amabilis em Guarulhos, demonstramos esse peixe acionando um amplificador que reproduzia na forma de som as correntes geradas.

A biônica, observando formas de vida como esta, com soluções interessantes para o problema da orientação em águas turvas pode criar o equivalente eletrônico ou biônico para a orientação humana e mesmo de robôs.

Uma possibilidade interessante consiste em se usar campos magnéticos criados por bobinas e sensores apropriados num circuito de processamento num equipamento de ajuda para cegos.

Os pequenos objetos metálicos que as pessoas carregam ou mesmo as propriedades diamagnéticas de objetos podem causar deformações no campo que seriam detectadas e processadas pelo circuito informando o cego quer seja por meio de sinais auditivos quer seja por estímulos diretos ao cérebro.

Inspirados nesta mesma ideia podemos sugerir o desenvolvimento de equipamentos de estacionamento ou detecção de colisão para automóveis ou orientação para robôs móveis.

 

Curiosidades da Natureza – A Aranha Biônica

A robótica como ramo da mecatrônica está numa fase de desenvolvimento espantosa e a cada dia vemos os mais estranhos "seres mecânicos" em demonstração com sistemas de propulsão que realmente deixam-nos pasmos diante da capacidade de imaginação de seus criadores.

No entanto, a natureza, através da biônica, pode servir de inspiração para a tecnologia a ser usada na movimentação de robôs.

A natureza nunca utilizou a roda como solução de movimento para nenhum ser vivo que conhecemos. No entanto, as soluções hidráulicas foram aproveitadas e de uma forma muito interessante.

Existe uma espécie de aranha que se movimenta graças à sua hipertensão arterial!

Nas juntas das pernas desta aranha existem pequenas bolsas que, ao se expandirem fazem com que as pernas se movimentem no sentido necessário ao movimento, conforme mostra a figura 2.

 

Figura 2 - A propulsão hidráulica da aranha
Figura 2 - A propulsão hidráulica da aranha

 

 

Quando esta aranha deseja saltar, e o cérebro envia ao sistema de propulsão do inseto um comando, o que ocorre é que a pressão sanguínea do inseto aumenta enormemente injetando com força líquido nas bolsas das articulações.

Com a rapidíssima expansão, as bolsas incham e a perna da aranha se movimenta no sentido de fazê-la saltar.

No interessante livro do autor russo I. Mirov (La Bionique – Edições EM de Moscou de 1970 – em francês) o autor descreve em pormenores como se descobriu a propulsão hidráulica da aranha e sugere como ele poderia ser usada em robôs ou mesmo em veículos "saltadores".

 

O Giroscópio da Libélula

Também descrito no livro de Mirov, e aproveitado hoje na construção de sensores inerciais, fundamentais para a navegação aérea, principalmente dos drones é o giroscópio da libélula.

Um dos problemas mais intrigantes do vôo dos insetos é a capacidade deste animais tão pequenos poderem manter sua estabilidade.

Nos aviões modernos usamos os giroscópios tanto para manter sua rota como também para evitar movimentos laterais que poderiam tornar desconfortável a viagem para os passageiros (os aviäes usam dois giroscópios).

Como a natureza não faz uso da roda na maioria de suas soluções o giroscópio na forma tradicional do disco suspenso em um sistema cardânico não pode ser encontrado nos seres vivos.

 

Figura 3 – O sistema cardânico
Figura 3 – O sistema cardânico

 

 Assim, a solução encontrada pela natureza e que também já é aproveitada pelo homem em alguns tipos de sensores é o do conjunto de lâminas vibrantes.

Em certos insetos, como a libélula, foram encontradas câmaras contendo cílios que, vibrando de forma muito rápida, apresentam o mesmo comportamento do disco que gira de um giroscópio, ou seja, uma inércia muito grande a qualquer tentativa de se modificar a direção de suas oscilações.

A força que surge com as mudanças de direção é percebida por órgãos sensores apropriados e enviada ao cérebro na forma de impulsos que permitem ao animal corrigir ou manter sua rota.