Dicas Para os Montadores

Montar circuitos eletrônicos é uma atividade muito agradável e traz muita satisfação quando tudo dá certo. No entanto, nem sempre as coisas ocorrem como o esperado e aquilo que deveria se dar uma satisfação passa a ser um transtorno e até mesmo causa de conflitos... A eletrônica tem sua lógica, no entanto, falhas de diversos tipos podem ocorrer num processo de montagem e o montador nem sempre está preparado para diagnosticar um problema. Neste artigo damos algumas “dicas” sobre o que fazer quando um projeto não funciona.

 

A experiência do autor de mais de 30 anos de publicação de montagens, além das aulas que dá mostram que os problemas de funcionamento dos aparelhos montados por leitores e alunos têm sempre as mesmas origens. É claro que não descartamos os casos em que os próprios diagramas ou placas podem conter erros introduzidos no processo de desenho e que às vezes escapam de nossa revisão.

Temos sempre o cuidado de montar os aparelhos publicados, muitos dos quais muitas vezes não funcionam sozinhos, pois suas configurações podem fazer parte de mais um projeto, o que nem sempre é compreendido por quem vê algo montado, aparentemente “igualzinho” ao original, mas que não funciona. Se isso acontecer, o que fazer? O que pode ter ocorrido?

 

 

Analisemos os casos mais comuns:

  1. Confira sempre sua montagem pelo diagrama e depois pelo desenho da placa de circuito impresso.

Nos projetos que damos em nossa revista é comum colocarmos junto ao diagrama os valores dos componentes que são repetidos na lista de material com informações adicionais como tensão de trabalho para os capacitores, dissipação e código de cores para os resistores, etc.

 

Assim, se houver uma discrepância entre os valores o leitor pode ter um ponto de partida para uma eventual falha. Veja depois se os resistores e capacitores estão com os valores corretos na montagem.

 

É muito comum que um resistor de 1k seja colocado em lugar de 10k numa montagem. Marrom, preto, vermelho pode ser facilmente confundido com marrom, preto, laranja, principalmente se o vermelho do primeiro estiver desbotado. Para os capacitores, o problema é mais grave devido aos códigos utilizados.

 

É comum que se troque os valores de componentes como por exemplo usar 4k7 = 4 700 pF em lugar de 4K7 = 4,7 pF numa montagem, o que a leva a não funcionar. Na figura 1 mostramos alguns códigos de capacitores cerâmicos que causam confusões.

 

 

Figura 1 – Códigos de capacitores cerâmicos.

 

Conferir com uma lente os valores dos componentes numa montagem é fundamental, antes mesmo de se alimentar o circuito para um teste de funcionamento.

 

  1. Tipos e especificações de componentes

 

O tipo de componente indicado para uma aplicação é fundamental para o seu funcionamento, principalmente nos casos mais críticos. Isso ocorre, por exemplo, nos circuitos de altas freqüências (transmissores, receptores, osciladores, etc.) onde existem funções em que o uso de capacitores cerâmicos é obrigatório. Se, na função indicada para um capacitor cerâmico for utilizado um de poliéster, mesmo que de mesmo valor que o pedido, o circuito poderá não funcionar.

 

Para os transistores, diodos, SCRs e outros semicondutores em alguns casos pode ser indicado um sufixo que significa uma característica adicional. Por exemplo, para os transistores a última letra pode significa tanto o ganho como a tensão de trabalho, e ela deve ser observada quando se adquirir o componente. Por exemplo, o TIP31A é diferente do TIP31 porque o “A” significa que este transistor suporta uma tensão maior, conforme mostra a figura 2.

 

 

 

 

 

 

Figura 2 – O sufixo está associado às características do componente.

 

Da mesma forma, o BC548B tem um ganho maior que o BC548.

Se usarmos um BC548 comum onde se recomenda um BC548B poderemos ter problemas de funcionamento no aparelho que está sendo montado.Existem ainda os casos em que são especificadas tensões e corrente mínimas. Para os capacitores é comum indicarmos a tensão de trabalho. Na figura 3 temos alguns capacitores com as indicações de suas tensões de trabalho.

 

Figura 3 – Eletrolíticos com tensões de trabalho indicadas.

 

Esta é a tensão máxima que eles suportam e não a tensão que neles aparece quando em funcionamento. Assim, se num circuito temos tensões até uns 12 V, é comum utilizarmos capacitores de pelo menos 16 V (nos locais em que os 12 V podem aparecer), dando assim uma tolerância para funcionamento seguro.

Se um capacitor de menor tensão for utilizado, ele pode ter seu dielétrico rompido “queimando” e impedindo o funcionamento do aparelho. Para as correntes vale o mesmo. Num circuito em que tenhamos uma corrente menor do que 1 A podemos utilizar um diodo que suporte 1 A ou mais. Também é preciso estar atento às dissipações, ou seja, à quantidade de calor que o componente pode dissipar.

Se utilizarmos um resistor de 1/8 W onde se exige um de 1 W, ele esquentará demais e poderá queimar. Os resistores têm suas dissipações associadas ao seu tamanho, conforme mostra a figura 4.

 

Figura 4 – Resistores maiores dissipam mais potência


Nesta relação devemos ainda incluir os componentes que devem ser “montados” em casa. É o caso das bobinas que são elementos extremamente críticos nos transmissores e receptores. Se o número de espiras, separação entre espiras, diâmetro e características do núcleo não forem obedecidas o circuito não vai oscilar na freqüência correta.

 

  1. Posição de componentes polarizados

 

Diodos, transistores, capacitores eletrolíticos, SCRs e circuitos integrados possuem posições corretas para sua montagem. Se forem invertidos o aparelho certamente não funcionará e mais do que isso: o próprio componente pode queimar. Normalmente, nos desenhos das placas de circuito impresso são indicadas as posições dos componentes, mas para os casos em que o próprio leitor projeta a placa, ele deve conhecer o formato e a disposição dos terminais para saber como posicionar cada componente. Na figura 5 temos o modo como as posições dos componentes polarizados são indicadas.

 

Figura 5 – Indicações de componentes polarizados ou com posição certa de montagem.

 

  1. Soldas frias

 

Esta é, sem dúvida alguma, a maior causa de não funcionamento de aparelhos eletrônicos. Chamamos de “solda fria” aquela que “não pega”. Aparentemente o componente está soldado, mas se examinarmos com uma lente vemos que ele está solto, que a solda não aderiu aos seus terminais ou à placa de circuito impresso. Resultado: a corrente não pode passar e com isso o aparelho não funciona.

O caso mais comum ocorre quando soldamos fios esmaltados de bobinas numa placa. Estes fios precisam ser raspados antes de serem soldados, pois a fina capa de esmalte que os recobre impede a

aderência da solda. Na figura 6 temos alguns casos de soldas frias.

 

Figura 6 – Soldas frias (temperatura insuficiente do soldador ou placa suja)

 

  1. Desenho de placa

Ao se elaborar uma placa de circuito impresso, diversos problemas podem ocorrer.

O primeiro é a interrupção e curto entre trilhas quando a placa é corroída. As interrupções podem ser reparadas com uma ponte de soldas e os curtos eliminados com um estilete. Na figura 7 temos algumas imperfeições na elaboração de placas de circuito impresso.

 

Figura 7 – Imperfeições de uma placa de circuito impresso.

 

De qualquer forma, antes de fazer a montagem, examine com uma lente todas as trilhas da placa para verificar se estão perfeitas. Outro problema que pode ocorrer é o projeto mal feito de uma placa. Trilhas “esquecidas” podem significar a falta de uma conexão entre componentes que vai impedir o funcionamento do aparelho.

 

Confira a montagem da placa com o diagrama e isso pelo menos duas vezes!

 

Existem também as montagens que são críticas quanto a disposição e largura das trilhas. As trilhas que trabalham com sinais de altas freqüências devem ser curtas e não podem ter curvas em ângulos retos (quinas). As trilhas que trabalham com correntes intensas devem ser largas.

 

Adota-se a regra geral de que para cada ampère de corrente a trilha deve ter 1 mm de largura. Numa fonte de 3 A, as trilhas que conduzem a corrente principal deve ter pelo menos 3 mm de largura.

 

 

  1. Tolerâncias

Este é o fator que influi enormemente no funcionamento de certos aparelhos, principalmente os mais críticos. O controle sobre a ação das tolerâncias dos componentes é algo bastante difícil de se fazer principalmente quando os componentes utilizados são adquiridos em lojas comuns ou aproveitados de outros equipamentos. O que ocorre é que, quando se projeta um circuito ou se faz a montagem de um protótipo utilizam-se componentes comuns que podem ter tolerâncias elevadas.

Por exemplo, os resistores podem ter tolerâncias de 5% a 20% enquanto que os capacitores eletrolíticos chegam a ter tolerâncias de até 40%. Isso significa que se somarmos os desvios dos valores de todos os resistores de um circuito, se por uma casualidade todos tiverem desvios no mesmo sentido o circuito poderá ser levado a uma condição em que o funcionamento se torna impossível.

Para os transistores o problema pode ser ainda mais grave. Um transistor BC548 pode ter ganhos entre 110 e 800. Se, casualmente o montador de um projeto experimental utilizar um transistor que esteja com ganho 500, portanto dentro da faixa e conseguir fazê-lo funcionar de um modo precário. Outro montador que utilize o mesmo transistor, mas que esteja com ganho 200 (dentro ainda da faixa), não conseguirá fazer o mesmo circuito funcionar!

Existe ainda um fator agravante para o uso de transistores: um transistor de uso geral pode ser “recarimbado”. Existem fornecedores desonestos que compram lotes de transistores que não passam nos testes de fábrica por estarem com suas características abaixo das exigidas e os recarimbam com designações de tipos de uso geral como BC548, 2N2222,m 2N3904, etc. e os vendem.

Nas aplicações menos críticas eles funcionam, mas se for exigido um ganho maior o comprador “dança”. O correto (normalmente fazemos isso nos nossos projetos) é calcular o circuito para o transistor na condição mínima de ganho.

De qualquer forma, diante de um circuito que não oscile, que tenha baixo ganho ou ainda apresente instabilidades uma possibilidade de se sanar o problema é a troca do transistor, mesmo que por um igual mas que pode estar com maior ganho...

Muitos multímetros possuem teste de transistores com indicação do ganho e existem também os provadores de transistores. Na figura 8 temos um provador de transistores.

 

Figura 8 – Um teste de transistor e diodos de baixo custo.

 

Será interessante ter um deles.

 

  1. Fornecedor confiável, componentes confiáveis

Evidentemente, problemas de fornecimento de componentes com características diferentes das exigidas, de má procedência ou mesmo “recarimbados”, podem ser evitados com um fornecedor de confiança.

 

  1. Ajustes

 

Muitos projetos precisam de ajustes críticos para serem colocados no ponto de funcionamento. Se bem que em revistas destinadas a leitores que não tenham recursos para aquisição de instrumentos complicados a maioria dos ajustes possa ser feita sem instrumentos ou no máximo com um multímetro, existem certos cuidados a serem considerados.

 

O principal problema que ocorre com ajustes estão nos circuitos osciladores e de alta freqüência. É comum que o montador ajuste um circuito não para sua freqüência correta mas para uma freqüência múltipla, ou seja, uma harmônica. Quando isso acontece o circuito funciona, mas seu rendimento é bem menor que o esperado.

 

Num transmissor, por exemplo, o alcance ficará reduzido e o montador terá dificuldades em saber porque. Num reconhecedor de tom de um controle remoto, por exemplo, o circuito se torna instável e começa a responder comandos indevidos, conforme mostra a figura 9.

 

Figura 9 – Ajustes indevidos em reconhecedores de tom.

 

Finalmente temos até a perda de seletividade dos circuitos que começam a “misturar” estações. O melhor procedimento neste caso é tentar o reajuste em outra posição do elemento de controle (trimmer, trimpot, etc.).

 

 

  1. Configurações semelhantes

 

Os circuitos eletrônicos seguem configurações que têm sempre a mesma disposição de componentes. Transistores, por exemplo, sempre têm elementos de carga (resistores, bobinas, etc.), resistores de polarização e capacitores de acoplamento e desacoplamentos, conforme mostra a figura 10.

 

Figura 10 – Configuração comum.

 

Procure um circuito semelhante e veja se os valores estão compatíveis, se é daquele modo que a ligação deve ser feita, a polaridade da alimentação, etc. Se a configuração empregar um circuito integrado popular como o 555, verifique em outros artigos ou esquemas se as ligações são semelhantes para aquela função. Elas podem servir de referência, inclusive dando uma ordem de grandeza dos componentes utilizados.

 

 

  1. Desconfiômetro

 

Uma outra “ferramenta” que é muito importante quando se monta algum circuito eletrônico e ele não funciona é o “desconfiômetro”.

Se alguma coisa vai mal, desconfie de tudo.

Lembre-se que, pela Lei de Murphy, justamente aquilo que tem a menor possibilidade de falhar ou de estar errado é que está causando o problema na sua montagem...

Verifique tudo! Mesmo o que você tem certeza de que não é a causa do problema...

 

  1. Procurando ajuda

 

Evidentemente, o primeiro lugar em que o leitor pensa para poder pedir ajuda é a nossa equipe técnica. No entanto, para que possamos ajuda sem ver a montagem (o que para nós é impossível – pois não temos condições de examinar um a um os projetos que eventualmente nos sejam enviados) é preciso que o leitor saiba explicar o que fez.

 

Muitos leitores nos enviam longas cartas descrevendo de forma imprecisa o que acontece com seus aparelhos o que dificulta bastante a possibilidade de darmos qualquer ajuda. Para que o leitor tenha sua consulta efetivamente respondida e de forma que possa ajudar proceda da seguinte forma:

 

  • Seja objetivo na sua consulta – ela deve ser curta e direta para facilitar nosso exame.

  • Indique sempre em que ponto do site se encontra o artigo que montou. De preferência dê o nome (ART003, PN002, etc.)

  • Explique de forma clara o que acontece com ele: não funciona, não dá ajuste, não tem alcance.

  • Indique se usou algum componente com especificação diferente da indicada na lista de materiais.

  • Indique se alterou valores de componentes

  • Se algum componente aquecer ou queimar indique qual.

  • Se tem um multímetro indique as tensões que pode medir nos principais pontos do circuito.

 

É importante também alertar que a nossa correspondência é volumosa.

Assim, não espere que uma consulta enviada pela manhã já tenha sua resposta à tarde. Precisamos de tempo para analisar o problema, localizar o artigo e, é lógico atender os leitores que estão na sua frente.

Também precisamos informar que não temos condições de alterar projetos publicados para atender às necessidades do leitor. “Como modificar o amplificador X, artigo Y para que ele se transforme numa máquina de fazer pipocas?”

Também não podemos dar opiniões sobre equipamentos comerciais ou indicar alterações. Isso ocorre porque alterações e modificações nem sempre são simples e possíveis. Mesmo quando são possíveis não podemos indicar alguma coisa ao leitor sem experimentar ou ter certeza de que funcione!