Nesta aventura de 1965, os geniais Beto e Cleto utilizam a eletrônica para descobrir que andava roubando as galinhas do seu Juca. Com a criação de um oscilador eles condicionaram as galinhas e provar quem era o autor do crime.

Na realidade, esta é uma estória que envolvem dois outros personagens, que não são Beto e Cleto e que criei em 1965. Sempre gostei de escrever, e as estórias de ficção me despertavam especial interesse. Na revista americana Popular Electronics havia dois personagens que protagonizavam aventuras no mundo da eletrônica desde 1948 e eu os acompanhava desde o início de minha carreira. Suas estórias é que me deram inspiração para criar depois de muitos anos o Prof. Ventura, Beto e Cleto. Escrevi diversas estórias com Juca e Chico que eram dos nomes da versão brasileira já que John T. Frye, o criador americano tinha como personagem Carl e Jerry, dois técnicos de TV. A que apresento é de 1965, mas tenho algumas de até antes e que agora recupero. A estória aqui reproduzo, inspirada na série original e usando os nomes dos personagens traduzidos na época pela versão brasileira, Juca e Chico, foram transferidos para os nossos bem conhecidos Beto e Cleto. Ela é uma verdadeira aula de eletrônica e eletricidade mostrando que eu já sabia como fazer muitas coisas que só depois com a série McGyver se tornaram populares. O prof. Ventura não aparece nesta estória que lembra a tecnologia da época. A data é 18 de agosto de 1965.

 

Quando tudo começou ...

 

Era uma tarde quente de verão. Nossos heróis, como na maior parte do tempo, estavam no porão da casa que lhes servia de laboratório.

Cleto, com sua massa rotunda descansava numa velha poltrona, parecendo mais uma lâmpada vermelha fora do soquete, cor esta certamente devida ao calor do ambiente.

Beto, pelo contrário, mesmo com a temperatura elevada do ambiente, não parava de andar pelo laboratório reunindo componentes, como resistores, solda, transformador, transistores etc.

Era alguma nova montagem, sem dúvida, pensou Cleto, espreguiçando-se, como quem não quer nada com o mundo. Ele havia visto aqueles componentes milhares de vezes, por isso nem perguntou ao amido o que ele tramava.

Cleto continuou em sua sonolência, jogado no sofá, como um saco desajeitado de laranjas, esperando o tempo passar, como se o calor com isso também o fizesse. Enquanto isso, Beto continuava imperturbável no seu trabalho.

Beto, em dado momento, saiu do porão desaparecendo a largos passos pela escada que conduzia à cozinha e ao quintal. Cleto não se importou muito com fato, até que seu amigo volta trazendo entre os braços um raro espécimen de “galináceo cacarejante”.

O gordo deu uma olhadela ao perceber a galinha cacarejar, e como quem desperta com um balde d’água, pulou da poltrona.

- Isso já é demais mano! Já vi gatos e aparelhos, diodos em pernas de rã, mas galinhas não. Vai me dizer que o meu caro companheiro pretende construir um receptor do tipo “galinodino” operado por módulos transistorizados de penosas?

Beto, com um ar de riso, diante da perplexidade do amigo, acariciava a galinha acanhada, até que resolveu explicar tudo.

Não, colega. Não ser trata de nenhum “galinodino” nem transistor operado pela galinha. Nada parecido, é o seguinte:

Beto explicou:

- O seu Manuel, aquele sujeito que mora no outro quarteirão, tem no fundo do quintal um pequeno galinheiro. Pois bem ele me procurou ontem preocupado, dizendo que as galinhas vêm sumindo à razão de 3 a 4 por noite, sem motivo explicável.

- E aí – interrompeu Cleto – O que tem a eletrônica com as galinhas? Por que ele não põe um alarme no galinheiro.

Beto continuou:

- Ele pós, mas acontece que misteriosamente as galinhas ainda continuam sumindo. Temos de ajudar a descobrir o ladrão, é claro, se você quiser ajudar.

- E o que você pretende fazer? – Cleto perguntou com o olhar fixo na galinha, imóvel nas mãos de Beto.

O seu Manuel desconfia de um homem que vive numa chácara lá perto do rio, que justamente começou a vender galinhas quando as suas começaram a desaparecer. O que preciso é de um “identificador eletrônico de galinhas”.

 

Nota: naquela época não havia ainda as etiquetas RFID que poderiam ser usadas. Hoje, quando recupero este artigo, elas são comuns em animais.

 

Cleto teve um sobressalto.

- Um identificador eletrônico de penosas? Ora, é mais fácil perguntarmos as galinhas que as rouba. – Cleto não estava muito firme em relação a ideia.

- É justamente isso que vamos fazer – respondeu Beto.

Cleto virou-se com um ar de espanto, ligando a resposta dada ao calor reinante no momento.

- Parece que o calor te afetou. Amigo. Eu acho com você não sair na rua, pois aqueles dois sujeitos de branco podem pegá-lo e você vai ter de usar uma camisa fechada nas mangas por um bom tempo!

Beto não se abalou com a observação do amigo.

- Ora, não é nada disso que você está pensando. Veja o que montei! – Dizendo isso, Beto apontou para um aparelho na bancada, que tinha acabado de montar.

Cleto olhou com surpresa.

- O que é isso? Um tradutor de cacarejos transistorizado? Muito bem... Vamos começar o interrogatório? Coloque a penosa no banco das testemunhas do roubo, e o inspetor Cleto vai mostrar como se faz!

Beto, desta vez não se conteve, rindo do amigo, mas acabou explicando o que era o aparelho.

- É um oscilador de áudio transistorizado, ligado a uma pequena etapa de potência. A saída é ligada a um alto-falante pequeno. – Beto disse isso apontando para o componente.

Ele continuou:

- Este trimpot controla a frequência das oscilações, ao mesmo tempo em que a alimentação bem dessas duas pilhas, fornecendo 3 V. O conjunto todo é instalado nesta caixa de plástico.

Cleto queria saber mais:

- Muito bem, meu caro inventor. Mas para que serve? O que tem isso a ver com um roubo de galinhas?

Cleto precisa explicar mais:

- Na certa você deve lembrar daquelas aulas sobre “reflexo condicionado”. A experiência do cão que é alimentado ao som de uma campainha. Depois de algumas vezes em que isso é feito, todas as vezes que ele ouvir a campainha vai salivar como se estivesse comento. Pavlov! Vamos fazer algo parecido, mas com galinhas.

Cleto começava a entender a ideia do amigo.

- Já sei! – emendou Cleto – Vamos acostumar as galinhas a comer ao som deste oscilador. A partir daí, ao ouvir o som do aparelho, virão correndo, pesando ser um chamado para a refeição!

- Isso. Mas, o principal vem depois. Se essas galinhas treinadas forem roubadas, podemos identificá-las no meio de outras, simplesmente acionando o oscilador.

Cleto tirou então suas conclusões:

- Deixaremos então essas galinhas serem roubadas, e iremos depois à casa do sujeito que desconfiamos. Se as galinhas forem as mesmas correrão logo ligarmos o oscilador.

- Exatamente. E podemos começar imediatamente as experiências. Para isso eu trouxe essa galinha. – Explicou Beto, colocando a galinha no chão ao mesmo tempo em que tirou do bolso um punhado de milho.

De fato, a coisa estava certa na teoria. Beto colocou a galinha no chão e deu um pouco de milho, ao mesmo em que acionava o oscilador para emitir um som agudo. Ele sabia que as galinhas ouvem até aproximadamente 13 kHz, por isso ajustou o oscilador para uma frequência abaixo desta.

Depois de comer, a galinha passou a caminhar pelo porão. Cleto ia pegá-la quando Beto apertou novamente o botão do oscilador e jogou novamente milho no chão.

Os dois repetiram a operação várias vezes, até julgarem que a galinha já estava preparada para o teste final. Beto falou:

- Muito bem. Acho que a penosa já aprendeu. Vamos ver se funciona sem o milho.

Beto apertou o botão, mas não jogou alimento. A galinha que estava passeando pelo porão, ao ouvir o som, veio correndo pronto para comer o milho que pensou estarem lhe dando. Parecia que a coisa funcionava.

- Acho bom, não enganamos muito a penosa, pois pelo contrário, ela não atenderá mais ao chamado do oscilador. – disse Beto.

- Pois é. Todas as vezes que aplicarmos o som, deveremos dar alimento as bichinhas, reservando o som sem comida apenas para a identificação final no galinheiro do suspeito.

- Vamos então à casa do seu Manoel amanhã cedo. Pois agora já é quase noite e as galinhas já estão se recolhendo.

O tempo havia passado rapidamente para os dois amigos entretidos com o desenvolvimento do projeto. Cleto foi embora pouco depois, já tendo combinado que no dia seguinte, bem cedo iriam à casa do seu Manoel.

Chegaram cedo à casa do amigo que lhe pediu ajuda, encontrando um homenzinho furioso, chapéu enterrado na cabeça, ralhando como um louco e com um enorme pedaço de pau numa das mãos.

- Malditos! Levaram 4 hoje. Se eu pego quem foi eu....

Com a aproximação dos dois, ele se acalmou um pouco.

- Ah! Vocês vieram. Levaram mais 4 galinhas hoje! Isso apesar da tranca e da cerca. Se não derem uma solução vão acabar com todas as galinhas.

- Não se preocupe. – disse Beto, procurando acalmar o amigo furioso. – Podemos ficar aqui por algum tempo, na hora das galinhas serem alimentadas e fazer alguns preparativos para pegar o ladrão?

- Não sei o que estão pretendendo, mas se é para acabar com os roubos, podem. Por falar em alimentação, costumo alimentar as galinhas pela manhã é no final da tarde.

Beto interferiu:

- Teremos de mudar um pouco isso, se nos permitir.

O rapaz tirou então da mochila um pacote contendo milho. Seu Manoel ficou confuso.

- Vocês as alimentarão? Para quê?

Cleto entrou no galinheiro e enquanto alimentava com punhados pequenos de pilha as pouco mais de uma dúzia de galinhas que estavam, manteve o oscilador ligado, produzindo pulsos de som agudo. Enquanto isso, Beto tentava explicar ao confuso dono das galinhas o que pretendiam. É claro que seu Manoel, não entendeu nada. Mas, mesmo assim, deixou que colocassem em prática sua ideia.

E eles tentaram. Passaram a manhã e a tarde condicionando as galinhas. Voltaram para a casa no final do dia, na esperança de que uma ou mais delas fosse roubada naquela noite. Cleto comentava.

- Fiquei tanto tempo naquele galinheiro que sou capaz de ir dormir num poleiro, quando chegar em casa.

Juca não conteve o riso. Combinaram se encontrar pela manhã na casa do seu Manoel.

Levando o oscilador, foram até a casa do amigo esperando que alguma galinha tivesse sido levada durante a noite. De fato, apesar do roubo, seu Manoel não estava tão nervoso. Havia sumido 5 galinhas.

Decidiram então ir à casa do suspeito, mas antes passaram pela delegacia, explicando a um policial amigo o que havia ocorrido e o que pretendiam fazer, O policial os acompanhou, apesar de não ter entendido muito as explicações de Beto.

- Espero que saibam o que estão fazendo. – comentou o Guarda Firmino, como era conhecido.

Ao chegarem à casa de aparência modesta com um enorme quintal dando fundos para um rio, somente com a presença do guarda foi possível convencê-lo a mostrar suas galinhas.

Dirigiram-se então para um enorme galinheiro no final do terreno, no qual havia mais de 200 galinhas ciscando. O guarda teve uma expressão de dúvida ao ver tantas. Era impossível reconhecer as roubadas no meio delas.

Beto, empunhando o oscilador, entrou no cercado. As galinhas se afastaram à medida que avançava, deixando uma clareira em sua volta.

Num determinado ponto, porém, Beto acionou algumas vezes o oscilador ajustado para todo volume. O som característica foi emitido e para espanto do guarda, de seu Manoel e do suspeito, cinco galinhas saíram da “multidão” se aproximando de Juca. Estava provado. Eram as galinhas “treinadas” de seu Manoel.

O granjeiro, vendo aquilo, tentou escapar, mas mesmo sem esconder seu espanto, segurou o ladrão. Estava preso.

De volta para casa, levando num engradado suas galinhas roubadas, tinha uma expressão feliz e ao mesmo tempo confusa. Parecia engraçado. O guarda, deixando o suspeito na delegacia acompanhou os três, mais confuso ainda.

- Um aparelho para identificar galinhas? Não acredito.

O dono das galinhas agradeceu a Beto e Cleto, dando uma dúzia de ovos para cada um como “recompensa”. De volta ao porão, era o gordinho Cleto que falava.

- Você sabe o que eu estou pensando?

- Pois está claro. – respondeu Beto, vendo que o amigo olhava para os ovos. – Você vai comer todos eles, e vai ser hoje.

Cleto censurou o amigo:

- Não é nada disso. Você se enganou. – Ele continuou:

- Já temos um identificador de galinhas? Que tal pensarmos agora numa chocadeira quântica para desenvolver galinhas vindas da quarta dimensão...

Beto espantado, deu um empurrou no amigo e os dois começaram a rir, imaginando um projeto futurista.

 

A estória é de 1965 e apenas o final foi alterado para uma conclusão mais “high tech” da época da sua recuperação em 2020.