Nenhum corpo celeste tem uma influência tão grande sobre os dispositivos eletrônicos que utilizamos, principalmente os que envolvem as telecomunicações, como o Sol. De fato, a radiação que o astro-rei emite não se limita à faixa visível e ao calor (infravermelho), expandindo-se por regiões do espectro, que muito tem a ver com nossos equipamentos eletrônicos de comunicações. O que ocorre no interior do Sol, e como isso influi na nossa eletrônica do dia a dia, é o que procuraremos explicar neste artigo.

 

Nota: Artigo publicado na revista Eletrônica Total 147 de 2011.

 

Por muito tempo, o homem manifestou uma enorme curiosidade no sentido de saber como o Sol podia "queimar" tanto combustível sem se esgotar. Teorias que explicavam o fenômeno como, por exemplo, a de que a energia vinha de sua contração, não resistiam aos cálculos mais simples, que mostravam que o astro-rei mantinha sua plena capacidade de emissão nos últimos 5 bilhões de anos.

Somente com a descoberta da radioatividade é que explicações consistentes puderam ser dadas para a enorme quantidade de energia que o Sol produz, e também para o tipo de energia que ele emite.

Sim, o Sol produz energia a partir de reações nucleares. Situado a 150 milhões de quilômetros da Terra, e com um diâmetro de 1 392 000 quilômetros, o astro-rei tem um volume mais de 1 milhão de vezes maior do que a nossa pequenina Terra. Trata-se de uma gigantesca usina nuclear cósmica de que dependemos totalmente, pois toda a energia de que dispomos (exceto uma pequeníssima parcela) vem do astro-rei de forma direta ou indireta.

Quando consumimos alimentos vegetais, a energia que eles contêm foi concentrada nas suas substâncias nutritivas a partir da fotossíntese, consistindo, portanto, em energia solar absorvida. Quando ingerimos alimentos de origem animal, os animais, ou obtiveram a energia armazenada em seus tecidos comendo vegetais, ou outros animais.

Até a energia elétrica que alimenta nossos equipamentos eletrônicos vem da água da chuva, que é produto da evaporação causada pelo calor do Sol e que a devolve em locais mais elevados de modo a conter energia potencial.

Podemos seguir indefinidamente dando exemplos mas, para nós, é mais importante ver o que há no Sol e o que a Eletrônica tem ,a ver com isso.

 

 

Como funciona o Sol

 

O Sol consiste numa grande esfera de gás hidrogênio e gás hélio. Os outros elementos conhecidos, mais pesados, existem, mas numa quantidade muito menor.

Nas camadas superficiais externas do Sol, os gases apresentam a consistência, ou natureza física, como conhecemos: aquecidos a uma temperatura da ordem de 6 000 graus, eles perdem os elétrons e formam o que denominamos de "plasma".

À medida que nos aprofundamos, entretanto, a pressão das camadas superiores vai aumentando, fazendo com que os elétrons não mais possam se manter em torno dos átomos em órbitas fixas, e com isso os dois gases formam uma grande mistura de núcleos atômicos e elétrons livres.

A temperatura dessa mistura sobe tremendamente à medida que nos aproximamos do núcleo. As estimativas mostram que essa temperatura deve chegar a uns 15 milhões de graus na parte central do Sol, conforme mostra o gráfico da figura 1.

 


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Numa temperatura dessa ordem, na faixa de 10 a 15 milhões de graus, é criado o ambiente que permite a ocorrência de um tipo especial de reação nuclear. Essa reação consiste na fusão de núcleos de hidrogênio, dando origem a núcleos de hélio numa reação que é observada na figura 2.

 


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Os núcleos de hidrogênio se reúnem, desta forma, sob a incrível pressão e temperatura do interior do Sol para produzir núcleos de um novo elemento: o hélio. Nesta reação, entre- tanto, acontece a liberação de uma certa quantidade de energia, que é justamente a que mantém o Sol aquecido e que também é irradiada em pequena parcela para o espaço.

O rendimento dessa reação é fantástico, como ocorre em toda reação nuclear onde temos a conversão de massa em energia. De fato, se observarmos a massa do núcleo de hélio formado, veremos que ela é um pouco menor do que a soma das massas dos núcleos de hidrogênio envolvidos. Segundo a conhecida fórmula:

 

E = mc²

 

Onde c é a velocidade da luz, basta uma pequena quantidade de matéria (m) para se obter uma grande quantidade de energia (e).

Estima-se que, em cada segundo, são convertidas no interior do Sol quatro milhões de toneladas de matéria em energia gerando 3 860 000 000 000 000 000 000 000 000 000 watts de energia!

Essa "perda" de massa pode assustar o leitor preocupado com o "estoque" de energia que ainda resta no Sol para ser "queimado". Todavia, se os números que indicam a energia produzida são enormes, os que indicam o que resta são maiores ainda: o Sol deve brilhar da mesma forma por pelo menos mais alguns bilhões de anos!

Poderia o leitor pensar então que a cada instante os núcleos de hidrogênio estão se fundindo em núcleos de hélio, e imediatamente a energia produzida chega até nós na forma de luz e calor. Na verdade, o fenômeno não é tão simples. A circulação dessa energia pelo Sol é um fenômeno bastante complicado que os cientistas procuram entender.

O Sol tem uma estrutura algo opaca para a energia que ele mesmo produz, o que significa que ela flui muito vagarosamente do interior para a superfície: daí a enorme temperatura do interior.

Os próprios núcleos de hidrogênio e hélio possuem uma pequena mobilidade, formando uma espécie de fluido com correntes de convecção bastante complicadas.

As chamadas manchas solares, que vemos na superfície do Sol com instrumentos especiais, são gigantescos redemoinhos provocados pelas correntes. Podemos dizer que se tratam de turbulências na superfície do Sol, devidas à circulação de matéria. Além dessas turbulências, entretanto, existem outras e essas realmente podem nos afetar.

O desequilíbrio de pressões, e mesmo de concentrações dos ele- mentos mais pesados, pode provocar fenômenos explosivos em determina- dos pontos, logo abaixo das camadas superficiais.

Assim, com certa frequência, são produzidas as chamadas "explosões solares", que lançam enormes quantidades de matéria para o alto (uma boa parte dela é atraída de volta para o Sol, mas, eventualmente, pode ser lançada ao espaço), e também de energia, na forma de raios X, partículas subatômicas, elétrons, etc., muitos dos quais bombardeiam a Terra depois de percorrerem os 150 000 000 de quilômetros que nos separam.

Um fato interessante observado pelos cientistas é que o Sol passa por ciclos em que apresenta maior ou menor atividade, ou seja, ciclos em que temos maior quantidade de manchas (que na verdade são regiões levemente mais frias), assim como ciclos em que temos menor quantidade de explosões.

O ciclo mais importante para nós é o dos 11 anos das manchas solares, pois ele influi diretamente na atividade elétrica da alta atmosfera de nosso planeta, que tanto influi nas telecomunicações quanto em dispositivos eletrônicos aqui embaixo. O último pico de atividade do Sol ocorreu em 2001, o que significa que na ocasião a Terra foi submetida a um nível mais elevado de bombardeio de partículas lançadas pelo Sol, conforme ilustra a figura 3.

 


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Essas partículas, ao atingirem a Terra, têm diversos efeitos importantes. Partículas carregadas que são emitidas pelo Sol durante as explosões alcançam a Terra poucas horas depois e, encontrando um forte campo magnético, mudam sua trajetória. Essas partículas espiralam-se então, acompanhando as linhas de força do campo magnético terrestre de modo a concentrarem-se principalmente nos polos.

Entrando nas camadas altas da atmosfera com grande velocidade, elas produzem uma luz difusa na forma de franjas. É a chamada Aurora Boreal, que pode ser observada nas latitudes mais altas, ou seja, nas proximidades dos polos, veja na figura 4.

 


 

 

 

A estranha luz provocada por estas partículas eletrizadas está, portanto, diretamente associada à atividade solar. As partículas carregadas também influem na ionosfera que, como sabemos, é responsável pelas comunicações de ondas curtas (Figura 5).

 


 

 

 

As ondas curtas, na faixa de 3 a 30 MHz, refletem-se em diversas camadas eletrizadas da alta ionosfera, em alturas que variam entre 80 e 400 km, e com isso podem alcançar grandes distâncias.

A ionosfera, entretanto, é bastante sensível à influência do Sol, tanto pelas partículas que são emitidas nas explosões, como resultantes da sua própria atividade normal. É por esse motivo que, durante o dia, as comunicações por ondas curtas, em determinadas faixas de frequências, são impossíveis, enquanto que em outras são dificultadas.

As camadas refletoras da ionosfera só são formadas durante a noite, por estarem livres da radiação solar, observe a figura 6.

 


 

 

 

Os leitores que gostam de sintonizar as faixas de ondas curtas sabem muito bem que os horários mais favoráveis à escuta estão justamente entre 5 da tarde e 7 da manhã do dia seguinte.

Quando acontece uma atividade mais intensa no Sol, mesmo à noite, a propagação dos sinais pode ser afetada, caso em que se tem um nível de reflexão menor em que determinadas faixas de ondas se tornam impossíveis de serem usadas, e até mesmo ocorre uma absorção de certas frequências de outras faixas.

Nos casos de perturbações solares muito intensas, como já houve diversas vezes, as comunicações na faixa de ondas curtas podem ser completa- mente cortadas!

A atividade elétrica causada pelo banho de partículas na atmosfera pode gerar ruídos elétricos em toda a faixa de rádio. Esses ruídos podem aparecer em linhas telefônicas comuns, afetando as comunicações, e em muitos outros sistemas elétricos.

 

 

Observando o Sol

 

Evidentemente, se o Sol é uma fonte de radiação que cobre uma faixa muito mais ampla do que a da luz visível, a sua observação não se deve limitar ao uso de telescópios.

Na realidade, o uso do telescópio na observação solar deve ser feito de uma forma muito especial. Não podemos observar diretamente a superfície do Sol com qualquer meio óptico, pois isso nos deixaria cegos imediatamente. Assim, a observação do Sol é feita com recursos ópticos especiais.

Os telescópios para amadores, de pequeno e médio porte, por exemplo, contam com sistema de projeção para observação indireta do Sol, conforme mostra a figura 7.

 


 

 

 

A imagem do Sol é projetada e ampliada em um anteparo de modo a poderem ser observadas as manchas solares. Outros recursos incluem o uso de lentes especiais, de máscaras que "tampam" o disco solar de modo que somente a coroa possa ser observada.

No entanto, para os adeptos da Eletrônica, a melhor observação da atividade solar é feita analisando as ondas de rádio que o astro-rei emite.

Uma faixa de emissão, bastante explorada pelos astrônomos amadores para a observação solar, é a de 137 MHz.

De fato, as explosões solares, conforme se verificou, concentram uma grande potência de emissão nesta frequência, o que a torna muito atraente para a observação. Nos Estados Unidos, radio astrônomos amadores adaptam receptores de FM para a faixa indicada, e usando antenas direcionais registram os sinais captados do Sol para estudos.

A luz solar e, portanto, as ondas de rádio demoram pouco mais de 8 minutos para percorrer o espaço entre a Terra e o Sol, o que significa que o astrônomo amador pode detectar o fenômeno 8 minutos depois dele atingir seu ponto crítico. (Veja que, diferentemente das ondas de rádio, as partículas que afetam a atmosfera como os elétrons acelerados, chegam aqui várias horas depois de emitidos, pois são mais lentas).

Uma outra faixa em que a influência solar é bastante intensa, é a de VLF (Very Low Frequency) em torno de 27 kHz. Contudo, a recepção nesta faixa não é tão simples, exigindo antenas de grandes dimensões (por causa do comprimento de onda maior), longas, para o que nem todos possuem espaço disponível.

Mas, o problema maior para se monitorar o Sol nesta faixa, é que se torna bastante difícil distinguir os "ruídos" que o astro-rei produz dos ruídos produzidos pelo homem com máquinas, aparelhos elétricos, etc., que se concentram na mesma faixa.

 

 

Conclusão

 

O Sol não é apenas a fonte de luz e calor que nos mantém vivos. Como fonte de diversas formas de energia, e com muitos mistérios a serem descobertos, ele pode ser estudado com certa facilidade mesmo com recursos caseiros.

Os astrônomos amadores e rádio astrônomos encontram no Astro-Rei uma fonte de informações científicas muito interessante. Evidentemente, não basta ligar um rádio e "sintonizar" o Sol, como não basta apontar qualquer aparelho óptico para que possamos saber tudo que ocorre lá.

O estudo dos mistérios do Sol exige um certo preparo tanto para a obtenção do equipamento certo, quanto para seu manuseio, com a grande vantagem de que ele não está tão longe de seu alcance como pode parecer.

 

 

 

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