Como o técnico ou engenheiro poderá detectar a radiofrequência em campo e até estimar o seu valor de forma rápida e sem instrumentos de alto custo? Isso é o que mostraremos neste artigo, ou seja, um circuito prático que poderá transformar o multímetro em um eficaz detector de RF
Nota: Artigo publicado na revista Saber Eletrônica 465 de outubro de 2012
Qual a razão de medir ou detectar a RF em campo?
Basicamente, para diferenciar uma falha de um defeito. Muitas vezes, confundir estes dois conceitos atrapalha a solução de problemas.
Defeito significa a "quebra" (ou "queima") de determinado componente em um equipamento ou sistema. Geralmente, isso acarreta um comprometimento do seu funcionamento normal ou até sua parada total.
A falha causa os mesmos efeitos, no entanto, a diferença é que ela pode ocorrer sem que nenhum componente esteja danificado.
Vamos a um exemplo prático: Imagine que seu carro está com o motor funcionando de modo anormal: sem potência, "engasgando", ou outra coisa do gênero. Após a análise do mecânico, chegou-se à conclusão que o problema é uma vela de ignição danificada. Uma vez trocada, ele voltou a funcionar normalmente. Isto é um defeito, pois havia um componente quebrado.
Agora vamos a uma segunda situação, que apresenta os mesmos sintomas da primeira, porém, constata-se que a causa é o combustível adulterado. Neste caso, temos uma falha, visto que todos os componentes do carro estão íntegros e, mesmo assim, ele não funciona bem.
E o que tudo isto tem a ver com RF?
Quando nos deparamos com um problema técnico, seja na indústria ou em equipamentos de consumo, a primeira análise que devemos fazer é se o problema está sendo gerado através de um defeito ou de uma falha que pode estar no ambiente externo a ele (por exemplo: qualidade da energia elétrica, EMI etc.).
A RF, portanto, pode tornar-se uma das causas da falha, na forma de EMI (Interferência Eletromagnética).
A EMI (Eletromagnetic Interference) pode ser gerada por fenômenos naturais (descargas atmosféricas, descargas eletrostáticas etc.), ou artificiais (chaveamento de cargas indutivas em alta frequência, transmissões em RF etc.). O fato é que, uma vez presente, ela pode causar o mau funcionamento de equipamentos eletrônicos, principalmente nos de alta escala de integração (PCs, CNCs, CLPs, equipamentos de TI etc.).
De que forma isto ocorre?
A EMI pode adentrar em um circuito de duas maneiras: conduzida ou irradiada. Tanto uma como outra transforma-se em um ruído elétrico dentro do circuito afetado. Cuidado, entretanto, para outro conceito: A EMI pode gerar "ruído elétrico" em um equipamento, mas nem todo ruído elétrico é EMI.
Caso ela seja conduzida, seu meio de transporte é, geralmente, o próprio cabo de alimentação CA. Aliás, situação muito comum em ambientes fabris. Se ela for irradiada, como o próprio nome sugere, ela propaga-se pelo ar. Uma vez que essa onda eletromagnética encontra o circuito, as trilhas da PCI, terminais dos componentes, fios, e outras coisas mais transformam-se em "antenas". Ora, qual a função de uma antena?
Isso mesmo, converter ondas eletromagnéticas em tensão, que neste caso, é totalmente indesejada. Desejada ou não, o fato é que a tensão aparece na forma de ruído, e segue a fórmula da Lei de Lenz, onde:
e = -L(di / dt)
A unidade de medida do campo elétrico é V/m, e do campo magnético A/m. A EMI pode ser medida em V/m ou dB, segundo a fórmula:

Por exemplo:

Resumindo, a radiofrequência, dependendo do seu espectro, pode tornar-se uma interferência, que, por sua vez, gera um ruído elétrico e, consequentemente, uma falha.
Este fenômeno ocorre em todos os ambientes, entretanto, é na indústria que ele é mais agressivo devido ao alto índice de chaveamento de cargas não lineares (motores elétricos) em alta frequência (acionamento AC e CC), entre outros fatores.
Há várias técnicas para evitar os efeitos da EMI. Quando ela é conduzida, podemos empregar filtros de linha (figura 1). Quando irradiada, blindagens e aterramento (Gaiola de Faraday).

A utilização de ambas as técnicas é comum, pois a interferência pode propagar--se pelos dois modos simultaneamente (parte conduzida, parte irradiada). Claro que essas soluções são apenas algumas das dezenas de tantas outras (cuidados na confecção da PCI, utilização de ferrites, aterramento elétrico etc.).
O Detector de RF
A interferência eletromagnética ocorre com mais intensidade no espectro de frequências de VHF (30 a 300 MHz).
O circuito da figura 2 mostra um detector de RF em onda completa. Os diodos são de germânio (1N34), e o capacitor variável deve ser ajustado de modo a apresentar cerca de 20 pF. Isto pode ser conseguido de maneira a deixar o parafuso de ajuste no meio entre totalmente aberto e fechado, aproximadamente. De qualquer forma, este ajuste não é crítico.

Na saída do circuito teremos uma tensão CC proporcional à intensidade do campo eletromagnético (RF). Para que o circuito funcione bem, dois aspectos devem ser observados: o ponto indicado como terra deve ser aterrado de fato. Em uma máquina, a própria estrutura metálica, geralmente, está aterrada. Em um circuito pequeno, o negativo da alimentação pode exercer esse papel. O segundo aspecto é a qualidade do multímetro. Preferencialmente, ele deve ser do tipo TRUE RMS, uma vez que não sabemos qual é a forma de onda do sinal interferente.
A figura 3 ilustra o protótipo construído pelo nosso departamento técnico. Já na figura 4 ele está instalado em um multímetro modelo 38 XR, da Metermann. Fizemos um pequeno teste com um motor CC próximo a 30 cm do dispositivo, e obtivemos, conforme a figura 5, cerca de 150 mV. Claro que a intensidade do valor é inversamente proporcional à distância.
Limites
Veja agora os limites para evitar falhas, interferências e outros problemas inconvenientes.
Mas, afinal, qual valor é crítico?
Depende do ambiente. Temos a seguir a tabela 1 que mostra o valor da EMI e sua severidade.
Como um sinal de apenas 10 mV/m pode ser tão maléfico?
O sinal, quando dentro do circuito afetado, é amplificado pelas antenas parasitas (trilhas da PCI, loop de fios etc.) e pelos próprios semicondutores (amplificadores operacionais, transistores etc.). Portanto, 10 "singelos" milivolts externos podem tornar-se 5 volts internos.
Como posso eliminar a EMI?
De várias formas, mas o assunto é bastante vasto. Vamos fazer apenas um breve resumo: Em instalações elétricas:
• Aterrar toda e qualquer parte metálica dos painéis;
• Aterrar os reatores de lâmpadas fluorescentes;
• Prover um bom aterramento elétrico (segundo a NBR 5410).
Nos equipamentos eletrônicos:
• Utilizar filtros de linha;
• Utilizar núcleos toroidais de ferrite na entrada de energia de circuitos que possuam chaveamento (inversores de frequência e fontes chaveadas);
• Usar, sempre que possível, cabos blindados;
• Alocar os circuitos transmissores de EMI em gabinetes metálicos aterrados (Gaiola de Faraday);
• Usar circuitos snubbers em semicondutores de chaveamento de cargas indutivas. Na PCI:
• Evitar curvas pontiagudas na mudança de direção das trilhas. Se possível, arredondá-las
• Utilizar anéis de ferrite (beads), veja figura 6.

Conclusão
Esta pequena ideia prática pode ser muito útil para o técnico de campo. Antes de começar a trocar placas para tentar sanar um "defeito", certifique-se se, na verdade, ele não é uma "falha" e, quem sabe, gerada por RF.