O mundo está se tornando digital, diria o menos fanático dos praticantes de eletrônica. Mesmo nos circuitos analógicos comuns, como amplificadores de áudio, rádios, instrumentos musicais eletrônicos e até brinquedos, encontramos circuitos digitais. Até onde vai isso?
É claro que não podemos dizer que a eletrônica analógica vai desaparecer por completo, mas um fato deve ser levado em conta: se digitalizarmos sinais analógicos fica muito fácil trabalhar com eles e parece que a eletrônica descobriu isso: os processadores de sinais digitais começam a aparecer numa infinidade de aplicações práticas envolvendo sinais analógicos e brevemente, os profissionais que relutaram em aprender eletrônica digital, presos a velha tecnologia analógica que ainda lhes pode dar algum campo de trabalho vão se ver em maus lençóis se não souberem trabalhar com os tais DSPs ou Digital Signal Processing. (1998)
Se convertermos sinais analógicos como sons, imagens, sinais obtidos a partir de sensores lineares como termistores, LDRs e outros em sinais digitais, além de termos muito mais facilidade em trabalhar com eles, existe a possibilidade de modificarmos suas características, acrescentando uma vantagem de controle a partir de um microprocessador.
Isso significa que, nos modernos equipamentos que trabalham com sinais analógicos tais como amplificadores de áudio, televisores, modems, equipamentos de telecomunicações, telefones celulares, TV a cabo e digital, o uso de um dispositivo que seja capaz de converter sinais analógicos em digitais é essencial.
A tecnologia que permite desenvolver circuitos com a capacidade de converter sinais analógicos em digitais não é complicada. O problema surge quando se deseja operar com sinais que precisam manter suas características de fidelidade, mas em frequências muito altas.
Isso significa que dispositivos comuns que poderiam ser usados com esta finalidade se tornam inadequados, exigindo dos fabricantes o desenvolvimento de tecnologias avançadas.
Hoje é possível contar com circuitos integrados que reúnem todos os elementos necessários a conversão de sinais analógicos para a forma digital e em frequências muito elevadas e, além disso, incorporar os microprocessadores e diversos circuitos de apoio que podem trabalhar com estes sinais digitalizados. A partir deles, aplicações em equipamentos como os que citamos como exemplo no início do artigo podem ser desenvolvidas com facilidade.
É claro que a montagem do próprio DSPs não interessa para o nosso leitor que pode contar com o componente pronto. No entanto, para saber usá-lo e para saber como reparar ou simplesmente instalar estes dispositivos nas aplicações modernas é preciso conhecer seu princípio de funcionamento.
É justamente este princípio de funcionamento que vamos detalhar neste artigo.
CONVERTENDO SINAIS ANALÓGICOS EM DIGITAL
Vamos partir de uma forma de onda de um sinal comum, como, por exemplo, um som qualquer e que pode ser representada conforme mostra a figura 1.

Esta forma de onda corresponde a um sinal analógico já que instante a instante a intensidade do sinal varia assumindo valores que mudam segundo saltos infinitamente pequenos.
Isso é diferente de um sinal digital em que a intensidade do sinal varia instante a instante, mas segundo saltos discretos e que portanto podem ser representados por valores finitos ou dígitos, conforme mostra a figura 2.

A conversão de um sinal analógico para a forma digital pode ser feita tomando-se uma certa quantidade de amostras da sua intensidade em diversos instantes de modo que cada amostra tenha um valor numérico que possa ser representado na forma digital.
O nosso sinal analógico tomado como exemplo pode ser "amostrado" um certo número de vezes tomando-se valores que correspondem a "altura" de cada retângulo, ou seja, o seu valor em cada instante conforme mostra a figura 3.

Representando o valor instantâneo de cada amostragem na forma digital, um ciclo de nosso sinal analógico pode se converter em uma sequência de números binários conforme mostra a figura 4.

É claro que estes valores binários podem facilmente ser trabalhados por um microprocessador que seja programado para realizar algum tipo de operação que nos interesse.
Um sinal na sua forma analógica original não poderia sequer se aplicado a um microprocessador, quanto mais ser trabalhado de uma determinada forma por seus circuitos.
REQUISITOS MÍNIMOS
Um ponto importante a ser considerado quando convertemos um sinal analógico qualquer numa sequência de valores digitais é a precisão que estes valores representam o sinal original.
Se representarmos um sinal senoidal, por exemplo, com apenas duas amostragens, uma para o valor máximo positivo e outra para o valor máximo negativo estará claro que na "recuperação" da forma de onda original não teremos uma boa fidelidade, conforme sugere a figura 5.

Fica claro, pela figura 6 que a precisão na recuperação do sinal original e, portanto em qualquer tratamento digital que dermos ao sinal depende da quantidade de amostragens: tanto melhor ela será quanto mais amostragens conseguirmos obter para o sinal.
Define-se o limite de Nyquist como a menor frequência de amostragens que podemos utilizar para converter um sinal e que ainda se pode obter precisão. Este limite estabelece que a frequência mínima de amostragens que podemos usar na conversão é de 3 vezes a frequência do sinal amostrado.
É claro que na prática é conveniente usar frequências muito maiores do que 3 vezes a do sinal e isso ocorre, por exemplo, no caso dos CDs em que a frequência é da ordem de 150 kbytes por segundo onde temos um 1 byte por valor instantâneo o que nos leva a 10 vezes a frequência máxima que podemos ouvir que é de 15 kHz.
A coisa começa a complicar-se um pouco se levarmos em conta que para representar um valor instantâneo de uma amostragem com uma definição de 1 byte (8 bits) o que levaria a 256 valores diferentes, precisamos transmitir 8 bits por amostragem.
Assim, se tivermos um sinal de 10 MHz e desejamos amostrá-lo 10 vezes em cada ciclo, isso significa 100 milhões de amostragens por segundo e em cada segundo a produção de 800 milhões de bits, conforme sugerido pela figura 6.

O leitor já pode ter uma ideia das dificuldades que ocorrem se desejarmos processar um sinal de vídeo, por exemplo, ou o sinal produzido por um sistema de telecomunicações que opere com várias centenas de megahertz. Usando apenas um byte por amostragem de um sinal de vídeo, por exemplo, limitamos as suas intensidades a 256 níveis e se isso for feito com um sinal de cor teremos a mesma limitação em relação a sua quantidade.
Uma maneira interessante de se fazer conversão com uma taxa amostragem usando apenas um bit é a chamada sigma-delta que é usado nos conversores dos CD-players.
A ideia é simples: a partir do momento em que o sinal a ser amostrado passa por zero, o circuito simplesmente verifica se na amostragem seguinte sua intensidade modificou-se o suficiente para se alterar um único bit. Se a intensidade ainda se mantém aproximadamente a mesma (dentro da faixa de resolução) o bit enviado ao circuito é zero e a intensidade é mantida. No entanto, se o sinal aumentou o suficiente para ser alterado de um bit, este bit é somado à intensidade anterior.
Assim, no ciclo do sinal amostrado, somando-se ou subtraindo-se um bit pode-se ter sua digitalização de uma forma com boa precisão, conforme mostra a figura 7.

Mas existem ainda outros requisitos importantes para a digitalização dos sinais que devem ser considerados.
Uma das aplicações mais importantes dos DSPs atualmente é nos sistemas de telecomunicações móveis e nos microcomputadores portáteis com aplicações especiais como os que reconhecem a caligrafia (reconhecedores de letras).
Nestes equipamentos alimentados por bateria o consumo do dispositivo é um requisito muito importante. Como a complexidade de um DSP aumenta em função da quantidade de amostragens que ele pode fazer e a potencialidade do microprocessador usado, os fabricantes trabalham arduamente tendo em vista este requisito atualmente com resultados práticos surpreendentes.
De fato, DSPs que podem operar tanto com sinais digitais como analógicos são usados em telefones digitais.
Além destes fatores devem ser considerados os custos e a facilidade de uso.
COMO A CONVERSÃO DO SINAL É FEITA
Existem diversas técnicas para a conversão de sinais analógicos em digitais e que podem ser encontradas em DSPs.
Na figura 8 temos um circuito denominado "flash converter" e que pode ser encontrado na entrada de um DSP tendo por base conversor digital-analógico.
Para um circuito de 8 bits o que se faz é ligar 256 comparadores em série, tendo cada um em sua entrada de referência aplicada uma tensão que vai determinar seu ponto de disparo.
Estes circuitos são ligados a um decodificador que entrega em sua saída os valores digitais correspondentes ao sinal aplicado na entrada.
Em funcionamento, o circuito é habilitado, por um instante, no momento exato em que se deseja fazer a amostragem do sinal.
A tensão instantânea do sinal é então aplicada ao divisor de tensão ligado à entrada de referência dos comparadores de tensão.
Os comparadores que vão comutar são aqueles em que a tensão instantânea do sinal amostrado é maior ou igual a tensão de referência, ou seja, uma quantidade proporcional à intensidade do sinal.
Assim, teremos um certo número de sinais de entrada que vão determinar o valor digital que o decodificador vai entregar na saída.
Uma desvantagem deste tipo de conversor é que são necessários tantos comparadores quantos sejam os níveis de sinais que devem ser detectados. A vantagem está na sua alta velocidade de operação.
Existem outras técnicas para se converter o sinal como, por exemplo, os conversores de aproximação sucessiva, o dual slope converter, este último mostrado em blocos na figura 9.
O MICROPROCESADOR
O sinal digital obtido pelo conversor é aplicado a um microprocessador que vai submetê-lo a uma série de processamentos, de acordo com a finalidade do projeto. Assim, no chip do DSP além do conversor A/D encontramos um microprocessador.
O uso de microprocessadores específicos para o DSP e não tipos comuns deve-se principalmente ao fato de que os sinais precisam ser processados em velocidades muito altas. Um microprocessador comum não tem uma faixa passante suficientemente larga para operar num DSP.
Além disso, normalmente as funções mais usadas se resumem a adição, multiplicação e outras funções simples que devem ser aplicadas rapidamente de forma repetitiva, o que é uma modalidade diferente da operação esperada para os microprocessadores comuns.
Isso significa que os microprocessadores usados nos DSPs possuem características especiais, que os diferenciam dos microprocessadores comuns.
Uma delas é a utilização de circuitos especiais que são capazes de multiplicar números com velocidade muito grande.
Outra característica especial incorporada aos microprocessadores dos DSPs e que leva em conta sua principal aplicação que é com sinais de áudio e vídeo é a incorporação de um modo especial de endereçamento denominado bit-swapped addressing.
Como o nome sugere, a ordem de processamento dos bits na entrada e saída é invertida. Assim com esta arquitetura, os bits são armazenados na mesma ordem que eles são gerados pela amostragem, mas endereçados na mesma ordem em que eles são requisitados, sem a necessidade de se fazer cálculos internos de endereçamento.
No entanto, uma das principais funções encontradas num DSP é o cálculo das transformadas de Fourier.
Através da transformada de Fourier é possível representar uma forma de onda em termos de frequência (pela intensidade relativa do fundamental e harmônicas).
Esta forma de representação torna simples a implementação de funções de processamento como, por exemplo, a de um filtro capaz de remover uma componente de frequência que leve o DSP a operar como um filtro passa faixas ou rejeita faixas.
Transformada de Fourier
A ideia básica de Fourier é que qualquer tipo de sinal, independentemente de sua forma de onda é na realidade formado por um sinal senoidal de determinada frequência e uma quantidade (que pode ser infinita) de sinais senoidais de intensidades menores e de frequências múltiplas (harmônicas).
Isso significa que tanto um sinal de qualquer forma de onda pode ser sintetizado por um sinal senoidal de certa frequência e sinais senoidais de frequências harmônicas e intensidades selecionadas como a recíproca é verdadeira: qualquer sinal, independentemente de sua forma de onda pode ser decomposto num sinal senoidal de frequência fundamental e sinais senoidais de frequências harmônicas.
OS DSPs COMERCIAIS
A Analog Devices possui uma ampla linha de DSPs destacando-se o ADSP-2140 que é usado em brinquedos, sintetizadores de música, além de outras aplicações.
Uma nova série de DSPs da Analog Devices usando a arquitetura SHARC (Super Harvard Architeture) é indicada para aplicações tais como impressoras, scanners, mixers de áudio profissionais, etc. A principal característica da arquitetura Super Harvard é a de armazenar códigos e dados em bancos de memórias separados com barramentos separados para acelerar o acesso ao programa e aos dados.
Outro destaque da Analog Device é o par AD9853 e AD8320, um consistindo num transmissor de percurso reverso com sintetizador DDS (Direct Digital Synthesizer), além de outros circuitos DSP num único chip e o outro um driver de ganho variável ambos indicados. Estes integrados são indicados para aplicações em TV a cabo, Modems, comunicações por satélite e micro-ondas, além de outras.
Já, o AD15060/14160 da Analog Device é um módulo multiprocessador DSP de alta velocidade com arquitetura SHARC com uma performance de 480 MFLOPS e SRAM on chip de 16 MBytes.
Dentre as aplicações sugeridas para este componentes temos os equipamentos de controle de tráfego aéreo, mísseis, radar/sonar, aviônica, etc.
Informações sobre os DSPs da Analog Devices podem ser obtidas na Internet no endereço:
http://www.analog.com
A Motorola tem também DSPs em sua linha de produtos e a família que pode ser citada como exemplo é a do DSP6300 que podem executar uma instrução por ciclo de clock com baixa potência de consumo. A frequência máxima deste dispositivo é da ordem de 80 MHz e um PLL interno permite usar um cristal de frequência mais baixa no seu controle. Dentre as aplicações deste chip a Motorola sugere: DVD, HDTV, Dolby, etc.
Um dos DSPs mais utilizados atualmente em projetos é o TMS320 da Texas Instruments que tem a arquitetura mostrada na figura 11.
Conforme podemos ver, além dos circuitos de controle, as entradas e saídas de sinais multiplexadas com os conversores D/A e circuitos PLL de apoio destaca-se a CPU.
Observe que o principal bloco da CPU é justamente um multiplicador de 16 x 16 bits já que, conforme vimos, nas principais aplicações dos DSPs a multiplicação de sinais deve ser feita rapidamente. Este multiplicador no próprio hardware tem ainda por característica fazer a multiplicação em um único ciclo de clock.
Este DSP é fabricado segundo a arquitetura de Harvard que permite acessos simultâneos a instruções e operadores de dados.
Uma pilha de hardware é um setor importante deste microprocessador pois possibilita o processamento com interrupções muito rápidas.
As portas I/O têm memória mapeada o que facilita a transferência de dados para os circuitos periféricos.
Uma unidade de lógica paralela permite a manipulação direta dos bits nos operandos da memória aumentando assim a velocidade de processamento.
O TMS320 da Texas Instruments é encontrado em diversas gerações e em versões tanto para operação com ponto fixo como com ponto flutuante. A última geração que tem o chip TMS320Cx opera em 200 MHz e tem uma nova arquitetura denominada Very Long Instruction Word que opera com até 8 pacotes de instruções de 32 bits num ciclo. Este dispositivo é também capaz de realizar 1024 transformadas de Fourier em apenas 70 ns.
Os tipos de ponto fixo tem uma arquitetura de 16 bits com uma ALU de 32 bits e um acumulador sendo baseados na arquitetura de Harvard com barramentos separados de dados e programação.
Os tipos de ponto flutuante projetados para processamento paralelo possui uma arquitetura de 32 bits com registradores de precisão estendida de 40 bits baseados na arquitetura Von Neuman. Ele contém diversos barramentos de modo a se obter melhor desempenho e, além disso, incorporam multiplicadores e ALU de ponto-flutuante.
Mais informações sobre os DSPs da Texas podem ser obtidas no site da Internet: