No artigo anterior de nossa seção de arqueologia, vijamos ao passado procurando um receptor de rádio do tipo “Rabo Quente”, muito popular nos anos 50 e depois. Vimos a origem do estranho nome e como aquele tipo de receptor de 5 válvulas tinha os filamentos ligados em série. Nessa nossa viagem vamos além. Vamos analisar o circuito completo de um receptor desse tipo. Para os que desejam saber mais temos um vídeo (250) e um artigo anterior ART4596.

Vídeo 250

Conforme vimos no artigo anterior, os receptores “rabo quente” ou sem transformador, que foram muito populares nos anos 50 e depois, se caracterizavam pela sua simplicidade e grande sensibilidade tanto na faixa de ondas médias como de ondas curtas.

Tomamos como exemplo o receptor Dunga da ABC de 5 válvulas, com um esquema muito na época, dado a seguir.

 

Figura 1 – Receptor de 5 Válvulas
Figura 1 – Receptor de 5 Válvulas | Clique na imagem para ampliar |

 

 

Já vimos que os filamentos das válvulas são ligados em série de modo a poderem ser alimentados diretamente pela tensão da rede. Um resistor, tanto físico como “embutido” no cabo de alimentação era usada para completar a queda de tensão. No caso do resistor “embutido” no cabo, isso fazia com que ele operasse levemente aquecido, daí a denominação “rabo quente”.

Mas, e o resto, como funcionava

 

Um super-heteródino clássico

Esta configuração, que se tornou básica depois dos anos 40, permitia a construção de receptores sensíveis e de grande seletividade.

Na figura 2 temos algumas peças de nossa sucata que pertenceram ao meu primeiro rádio desse tipo.

 

Figura 2    - Válvulas, soquetes de válvulas, capacitores típicos de óleo e bobinas de um rádio desse tipo
Figura 2 - Válvulas, soquetes de válvulas, capacitores típicos de óleo e bobinas de um rádio desse tipo

 

Assim, para entender como ela funciona, vamos partir da etapa de entrada, da válvula misturadora-conversora 12BE6. Essa válvula consistia num conversor penta-grade, ou seja, uma válvula com 5 grades que na verdade poderia ser considerada uma válvula dupla.

 

Figura 3 – A etapa conversora - misturadora
Figura 3 – A etapa conversora - misturadora

 

Numa das grades era ligado o circuito de sintonia formado por uma bobina e um capacitor variável duplo. A bobina era selecionada por uma chave, podendo ser escolhida a de ondas médias ou a de ondas curtas, como mostrado em (1) no nosso esquema.

Outra grade e o catodo eram ligados de modo a formar um oscilador, onde a bobina era selecionada pela mesma chave conforme a faixa de onda e havia o outro setor do capacitor variável. Em (2) mostramos essa bobina.

Ao mesmo tempo em que o sinal de uma estação era sintonizado, o oscilador também produzia uma frequência. No entanto, a relação entre as frequências do sinal sintonizado e a produzida pelo oscilador mantinha uma relação constante.

Assim, quando estamos recebendo uma estação de 1 000 kHz o oscilador gera um sinal de 1 455 kHz, de modo que a diferença de frequências seja de 455 kHz.

Se mudarmos de estação, passando a sintonizar uma estação de 600 kHz, o oscilador muda sua frequência e passa a produzir um sinal de 1055 kHz, mantendo a diferença em 455 kHz.

Veja que isso é possível, pois é usado um capacitor variável duplo. As duas seções se movimentam simultaneamente acionadas pelo mesmo eixo, de modo a se obter esse efeito.

Por que essa frequência de 455 kHz?

O que ocorre é que, quando os dois sinais são misturados, gera-se um sinal que é a soma das frequências e, ao mesmo tempo, um sinal que é a diferença, que é o que nos interessa.

Assim, ligamos na saída deste circuito, na placa da válvula conversora-misturadora 6BE6 um transformador sintonizado em 455 kHz. Chamamos esse transformador de “frequência intermediária” ou FI.(3)

Veja então, que pelo funcionamento do circuito anterior, qualquer que seja a frequência da estação sintonizada ele sempre vai receber um sinal de 455 kHz.

Esse sinal contém a modulação da estação sintonizada e tem uma vantagem: não precisamos ter etapas seguintes que precisem ter a frequência mudada para amplificação o que levaria a circuitos críticos no ajuste. Podemos trabalhar com circuitos fixos e assim obter maior ganho, maior estabilidade e seletividade.

Esse é o princípio da “heterodinagem”, ou seja, a mistura de dois sinais de frequências diferentes para se obter a soma e diferença.

Uma vez obtido o sinal de FI, ele é amplificado por válvula 12BA6 (também chamada HF93 na nomenclatura europeia). Essa válvula é a amplificadora de FI que leva o sinal a um segundo transformador sintonizado em 455 kHz, a segunda FI conforme se denomina na linguagem técnica.

 

Figira 4 - A etapa amplificadora de FI
Figira 4 - A etapa amplificadora de FI

 

 

Veja pelo símbolo que as duas bobinas ou transformadores de FI são sintonizados. Na prática, elas possuem núcleos que podem ser movimentados por um parafuso e que devem ser ajustados para que o receptor funcione corretamente.

Os técnicos devem saber exatamente como fazer o ajuste, havendo diversas maneiras de se obter o ponto ideal.

Na saída deste segundo transformador de FI ainda temos sinais de alta frequência, mas na etapa seguinte ocorre uma transição. Usando uma válvula 12 AV6 um tríodo com dois dinodos, ela detecta o sinal retirando a componente de áudio (modulação) que então é amplificada.

 

Figura 5 – Detector e preamplificador de áudio
Figura 5 – Detector e preamplificador de áudio

 

 

Os dinodos fazem com que a válvula funcione como um diodo detector e, ao mesmo tempo, temos a parte de tríodo que é usada para amplificar.

Neste ponto do circuito temos a transição do sinal que passa de RF para áudio. Encontramos aí justamente o potenciômetro de controle de volume.

Em alguns rádios mais “sofisticados” da época, neste ponto era colocada uma chavinha para acesso a um jaque que permitia ligar um microfone ou um toca-discos e assim as etapas seguintes funcionavam como um pequeno amplificador de áudio.

Em alguns tipos também havia um potenciômetro com um capacitor que permitia cortar os agudos e assim era obtido um controle simples de tom.

Também encontramos nesta etapa um resistor de realimentação que controla o ganho das etapas anteriores. É o AGC (Automatic GainControl) ou Controle Automático de Ganho. Ele faz com que as oscilações de intensidade do sinal das estações sejam compensadas. Assim, quando o sinal é forte ele diminui o ganho e quando é fraco, aumenta.

Da placa da 12AV6 o sinal era levado para a grade de válvula de saída de potência. A 50C5 era um pentodo que podia fornecer uma potência em torno de 2 W em sua saída para alimentar um pequeno alto-falante.

 

Figura 6 – A saída de potência
Figura 6 – A saída de potência

 

 

Para casar a impedância do alto-falante que é baixa, normalmente de 3,2 ohms naquela época, com a elevada impedância de saída da válvula, em torno de 5k, era usado um pequeno transformador de saída.

Para fornecer a alimentação contínua de alta tensão era usada uma válvula retificadora de meia onda 35W4. Ela recebia a tensão alternada da rede de energia, retificada e depois aplicada a um filtro com capacitores eletrolíticos.

 

Figura 7 – Etapa de retificação
Figura 7 – Etapa de retificação

 

 

Essa válvula tinha um filamento duplo que permitia a ligação de uma pequena lâmpada indicadora no painel.

E, assim, com variações encontramos circuito como este em diversos rádios da época. Podemos ter receptores com diversas faixas de ondas curtas e assim, diversos jogos de bobinas na entrada.

Podemos ter circuitos com transformador de alimentação, caso em que as válvulas são todas de 6V de filamento como 6BE6, 6BA6, 6AV6 e na saída configuração com pentodos em push-pull para se obter mais potência.

Temos ainda configurações “de potência” com válvulas como a EL34 e que forneciam vários watts de saída.

Veja que, como não temos transformador, este rádio podia operar tanto com tensão alternada como contínua, daí também ser chamado receptor AC-DC.

Meu primeiro rádio foi como esse e com ele eu aprendi muito, fazendo até modificações e uma delas, que impressionou meus amigos e parentes foi transformá-lo num “potente” transmissor de rádio que enviava seus sinais a mais de 100 metros de distância.

Num próximo artigo (e vídeo) vou mostrar a todos como isso é possível.

Bons tempos. Ainda tenho peças desse rádio que encontrei na minha sucata arqueológica que em um próximo artigo volto a explorar.