O acidente de Goiânia (GO - 1987) nos revela um fato ao mesmo tempo real e alarmante: não estamos imunes ao contato com substâncias radioativas que podem escapar para o meio ambiente e, o que é muito pior que isso, não temos meios práticos de saber se um objeto em que tocamos, um alimento que ingerimos ou mesmo a água que bebemos está contaminada, a não ser muito tempo depois quando seus efeitos se fizerem presentes e de forma irreversível, quando nada mais há a fazer. A única maneira de ter uma monitoração constante da eventual presença de substâncias radioativas é por meio de detectores. Se bem que os componentes básicos usados na sua construção não sejam comuns, descrevemos um projeto prático que inclui três detectores de radiação convencionais de grande eficiência.

O que caracteriza uma substância radioativa é sua lenta decomposição (transformação) com a emissão de partículas subatômicas, algumas de grande penetração.

A radioatividade de determinadas substâncias pode perdurar por anos ou mesmo milhares de anos, sendo medida num fator denominado “meia vida".

Assim, dizemos que uma substância radioativa possui uma "meia vida" de 50 anos, quando é preciso este intervalo de tempo para que uma certa quantidade da mesma se reduza à metade.

Está claro que a substância não desaparecerá nos 50 anos seguintes, reduzindo-se a outra metade a zero. O que ocorre é que decorridos mais 50 anos, a metade ficará reduzida a 1/4.

Perceba deste modo que, por mais que o tempo passe, a substância não se reduz a zero, mas sempre a metade da metade num processo que nos leva a uma curva exponencial conforme mostra a figura 1.

 

Figura 1 – Decaimento radioativo de uma substância
Figura 1 – Decaimento radioativo de uma substância

 

 

As substâncias radioativas são formadas por átomos instáveis que "explodem" de tempos em tempos, emitindo “estilhaços" que são as partículas subatômicas que denominamos de radiação.

Um corpo que tem átomos que estão explodindo num processo contínuo, que leva sua aniquilação com o tempo, é denominado radioativo.

Os principais tipos de partículas que são emitidas por um corpo radioativo são três, conforme mostra a figura 2.

 

Figura 2 – Principais tipos de radiação
Figura 2 – Principais tipos de radiação

 

 

As partículas alfa (?) são as mais pesadas, pois consistem em núcleos de hélio (dois prótons e dois nêutrons) com pequena penetração e uma carga elétrica positiva.

Até mesmo uma fina folha de alumínio pode bloquear estas partículas.

Mais penetrantes são as partículas beta (?) que consistem em elétrons (negativos) fortemente acelerados que conseguem atravessar objetos até mesmo espessos.

Mas, as mais penetrantes de todas são as partículas gama (?) que consistem em radiações eletromagnéticas de curtíssimo comprimento de onda e que podem atravessar até mesmo obstáculos de grande porte como paredes de concreto e chumbo de muitos centímetros de espessura e até mesmo metros!

O grande problema para nossa saúde é que estas partículas ao atingirem os átomos das substâncias orgânicas que fazem parte de nosso corpo podem destruí-los.

Isso significa que as células de nosso corpo em que estão estes átomos podem sofrer um sério desequilíbrio químico e com isso serem levadas à morte.

As milhares e milhares de partículas, que são emitidas pelo corpo radioativo, fazem então um trabalho de destruição lenta, porém constante, matando as células de nosso corpo. (figura 3)

 

Figura 3 – Destruição das células
Figura 3 – Destruição das células

 

 

As células que se encarregam da defesa do nosso organismo incumbidas de produzir novas células substituindo as que morrem, são as mais afetadas. Com isso, ficamos completamente indefesos e a morte pode vir com pouco tempo.

Enfim, a melhor proteção contra a radiação é evitar a exposição à mesma. Se a exposição for curta, em geral, nada acontece pois o organismo ainda “reage" reproduzindo eventuais células que são mortas.

Aparelhos denominados “dosímetros" são transportados por pessoas que trabalham em meios que manifestam radioatividade e permitem saber qual é a “dose" de radiação recebida e assim evitar que ela atinja valores perigosos.

Os detectores que descrevemos são do tipo convencional que usam válvulas “Geiger-Müller", servindo para acusar a presença das partículas ionizantes (dotadas de cargas elétricas) como as do tipo Alfa e Beta. (O artigo é de 1987. Existem hoje outros tipos de detectores)

Daremos três versões, sendo uma para ser usada em laboratórios com alimentação pela rede local e duas de uso portátil (com pilhas).

Das portáteis, uma tem indicação sonora da presença de radiação e a outra utiliza um instrumento. Os circuitos são simples e podem, eventualmente, ser aperfeiçoados no sentido de serem utilizados em pesquisas mais avançadas como a contagem de partículas, o disparo de alarmes etc.

 

COMO FUNCIONAM

O "coração" de nossos detectores é uma válvula "Geiger-Müller" cuja estrutura é mostrada na figura 4.

 

Figura 4 – Válvula Geiger-Muller
Figura 4 – Válvula Geiger-Muller

 

 

Esta válvula consiste num tubo de paredes finas, cheio de um gás em baixa pressão e apresentando uma janela de mica para permitir a passagem da radiação menos penetrante que é a das partículas alfa.

Submetemos esta válvula a uma tensão elevada, entre 300 e 800.volts, de modo que o gás no interior fica próximo do ponto de ionização.

Nestas condições, não há corrente nenhuma circulando entre os eletrodos da válvula.

Quando uma partícula de radiação ionizante entra no tubo e atravessa o gás, este se torna momentaneamente condutor de corrente, fornecendo assim um pulso de corrente.

Este pulso pode ser então levado aos circuitos eletrônicos seguintes.

Temos duas possibilidades para estes circuitos: num detector sonoro bastará ligar um fone de ouvido ou então uma etapa amplificadora de áudio com um alto-falante.

A cada pulso que corresponde a uma partícula radioativa teremos um "clique" ou estalido perfeitamente audível.

Pela quantidade dos estalidos podemos saber se um material é ou não radioativo ou se um local está ou não contaminado.

A frequência dos cliques (cintilações) nos permite até medir a radiação.

Outra possibilidade consiste em ligar um integrador à saída do tubo e assim ter uma soma dos pulsos que será indicada num instrumento.

O instrumento pode ser calibrado então em termos de Roentgen. Esta unidade pode ser definida como a quantidade de radiação que produz em 1cm3 de ar seco a 0°C e 760 mm de pressão (Hg) um número de íons que equivale a uma unidade eletrostática de cada polo (2 x 109 pares de íons).

Para os nossos circuitos usamos uma válvula que precisa de pelo menos 300 V para poder funcionar.

No caso da alimentação pela rede obtemos a alta tensão de um auto-transformador ligado a um triplicador de tensão.

Como a corrente é muito baixa, o triplicador trabalha com capacitores de baixo valor e a carga do tubo é um resistor de 470 k.

No caso da- alimentação por pilhas, usamos um inversor transistorizado com consumo de corrente relativamente pequeno e um transformador que aplica o sinal a um triplicador que nos leva a obter entre 300 e 600 V para o tubo.

As etapas de amplificação de áudio e medição são convencionais com transistores. O indicador é um VU-meter.

 

MONTAGENS

CIRCUlTO l: DETECTOR PARA ALIMENTAÇÃO VIA REDE

Na figura 5 temos o diagrama completo desta versão;

 

Figura 5 – Diagrama do circuito 1
Figura 5 – Diagrama do circuito 1

 

 

A montagem em placa de circuito impresso é mostrada na figura 6.

 

Figura 6 – Placa de circuito impresso para o circuito 1
Figura 6 – Placa de circuito impresso para o circuito 1

 

 

Devemos aqui abrir um parênteses para falar da montagem do tubo Geiger-Müller do tipo ZP1406 (Philips).

Este tubo é extremamente delicado, não devendo ser manuseado bruscamente pois qualquer batida pode danificar sua janela de mica (que é fragilíssima).

Optamos em nossa montagem por um tubo de PVC acolchoado com um cabo de borracha do tipo de guidão de bicicleta que pode ser adquirido em supermercados.

O fio de ligação ao circuito é um cabo coaxial com um plugue.

Na figura 7 damos pormenores da ligação do sensor.

 

Figura 7 – Ligação do sensor
Figura 7 – Ligação do sensor | Clique na imagem para ampliar |

 

 

O transformador usado é do tipo 110/220 V de primário com 6 + 6 V x 100 mA ou mais de secundário.

O secundário é usado para a alimentação do amplificador transistorizado.

Os capacitores C1, C2 e C3 são para alta tensão, com pelo menos 600 volts, podendo ser de poliéster metalizado ou equivalente, e seu valor não é crítico.

Valores entre 150 nF e 470 nF podem ser usados sem problemas.

Para os diodos DS, D4 e D5 podem ser usados como equivalentes os BY127 nas três versões.

O capacitor C4 deve ter uma tensão de trabalho entre 12 e 16 V,e os resistores são de 1/8 ou 1/4W.

 

PROVA E USO

Para a prova não é preciso dispor de nenhuma substância radioativa, pois a própria natureza se encarrega de fornecer a radiação.

De fato, a terra está constantemente sendo bombardeada por raios cósmicos e alguns deles conseguem chegar até a superfície.

Quando um destes raios atinge a válvula Geiger, o que ocorre em intervalos da ordem de algumas dezenas de segundos, um estalido será ouvido no alto-falante.

Deixe ligado o aparelho por alguns minutos e observe se pelo menos um ou dois estalidos são ouvidos. Se isso acontecer, o aparelho está bom, pois está detectando raios cósmicos.

Para usar é só sair a campo e aproximar o sensor da substância "suspeita". A produção de estalidos indica a presença de radiação.

 

V1 - válvula Geiger-Müller ZP1406 ou equivalente (Philips)

Q1 - BC0558 ou equivalente – transistor PNP

Q2 - BC548 ou equivalente – transistor NPN

D1, D2 - 1N4002 ou equivalentes - diodos retificadores

D3, D4, D5 - 1N4007 ou BY127 – diodos retificadores

S1 - Interruptor simples

S2 - chave de 1 polo x 2 posições

F1 – 500 mA - fusível

T1 - transformador de 110/220 V x 6 + 6 V x 100 mA ou mais de corrente

FTE - alto-falante pequeno de 8 ohms

C1, C2, C3 - 150 a 470 nF x 600 V - capacitores de poliéster (valor recomendado = 220 nF)

C4 – 1500 uF x 12 V - cap. eletrolítico

C5 – 47 nF - capacitor cerâmico ou de poliéster

R1 – 10 k - resistor (marrom, preto, laranja)

R2 – 470 k - resistor (amarelo, violeta, amarelo)

R3 - 2M2 - resistor (vermelho, vermelho, verde)

Diversos: caixa para montagem, fios, placa de circuito impresso, cabo blindado, cabo de alimentação etc.

 

CIRCUITO 2 – DETECTOR PORTATIL COM INDICAÇAO SONORA

Este circuito portátil pode ser alimentado com pilhas médias ou grandes e fornece indicação em alto-falante.

Na figura 8 temos o diagrama completo que é bastante semelhante na parte detectora à versão anterior.

 

Figura 8 – Circuito 2
Figura 8 – Circuito 2

 

 

A placa de circuito impresso é mostrada na figura 9.

 

Figura 9 – Placa de circuito impresso para o circuito 2
Figura 9 – Placa de circuito impresso para o circuito 2

 

 

Para o inversor usamos um transformador de 6 + 6 V com 100 a 250 mA de corrente e primário de 110/220V, sendo que a tomada central (110/127V) não é usada.

O transistor TlP31 deve ser montado num pequeno radiador de calor. O capacitor C3 pode ser de poliéster ou cerâmica e C1 deve ter tensão de trabalho a partir de 6 V.

Os demais componentes, da parte detectora de alta tensão e amplificadora, são os mesmos da versão anterior.

A montagem do sensor deve ser feita também como no caso da versão anterior.

Para as pilhas deve ser usado um suporte apropriado e em função de seu tamanho deve ser escolhida a caixa para montagem.

 

PROVA E USO

Coloque as pilhas no suporte e ligue um multímetro em R2 (saída de 220 V do transformador) na escala de tensões alternantes que permita medir pelo menos 200 V.

Ajuste TP1 para que a leitura seja no mínimo de120 V. Observe que este valor não é real, pois o multímetro representa uma carga que reduz a tensão.

Em aberto ou com o multiplicador somente esta tensão cresce.

Se não tiver multímetro disponível, bastará ajustar TP1 para que um zumbido forte seja percebido no transformador, indicando sua operação, e depois testar o aparelho com uma fonte de radiação, reajustando TP1.

O procedimento de uso para o detector é o mesmo da versão anterior: basta aproximar o sensor da fonte de radiação. Lembramos que o sensor é muito delicado não devendo ser submetido a choque ou pancadas.

 

V1 - ZP1406 - válvula Geiger-Müller (Philips)

Q1 - TIP31 - transistor NPN de potência

Q2 - BC548 - transistor NPN

Q3 - BC558 - transistor PNP

D1, D2, D3 - 1N4007 ou BY127 – diodos retificadores

T1 - transformador de 110/220 V x 6 + 6 V de 100 a 250 mA

S1 - interruptor simples

B1 - 4 pilhas médias ou grandes (preferivelmente alcalinas)

FTE - alto-falante de 8 ohms

TP1 - 4k7 - trimpot

C1 - 1 000 uF - capacitor eletrolítico

C2 – 100 nF - capacitor de poliéster ou cerâmico

C3 - 47nF - capacitor de poliéster ou cerâmico

C4, C5, C6 - 150 a 470 nF x 600 V - capacitores de poliéster (valor recomendado 220 nF)

C7 – 47 nF - capacitor de poliéster ou cerâmico

R1 – 1 k - resistor (marrom, preto, vermelho)

R2 – 10 k - resistor (marrom, preto, laranja)

R3 – 47 k - resistor (amarelo, violeta, laranja)

R4 – 470 k a 1M5 - resistor (encontrar valor para maior sensibilidade) – valor recomendado inicialmente 470 k

R5 - 2M2 - resistor (vermelho, vermelho, verde)

Diversos: placa de circuito impresso, caixa para montagem, suporte de pilhas, cabo blindado, jaque e plugue, fios, solda etc.

 

 

CIRCUITO 3: DETECTOR COM INDICADOR VISUAL

A versão mostrada na figura 10 utiliza um galvanômetro como indicador, o qual pode ser calibrado em unidades convencionais para um trabalho quantitativo de pesquisa de radiação.

 

Figura 10 – Circuito 3
Figura 10 – Circuito 3

 

A placa de circuito impresso para esta versão é mostrada na figura 11.

 

Figura 11 – Placa para o circuito 3
Figura 11 – Placa para o circuito 3

 

Quase todos os componentes são os mesmos da versão anterior, valendo então as especificações dadas.

Apenas o instrumento M1 é que aparece como elemento novo. Trata-se de um microamperímetro aproveitado de um VU-meter de aparelho de som com fundo de escala entre 100 e 250 uA.

O tipo original foi de 200 uA, mas outros de sensibilidade próxima servem.

O resistor R6 eventualmente pode ser substituído por um trimpot de 1 k para facilitar o ajuste do fundo de escala.

A rede R5/C7 forma o integrado que pode ter valores alterados em função da escala. Assim, para R5 sugerimos valores entre 100 k e 470 k, podendo num trabalho mais crítico ser usado um trimpot de 470 k em série com um resistor de 100 k e para o capacitor valores entre 220 nF e1 uF.

 

PROVA E USO

Para a prova seria necessário usar uma fonte de radiação de intensidade conhecida para se ajustar a escala do instrumento num trabalho mais crítico.

Para um trabalho menos crítico basta apenas obsevar se há deflexão da agulha quando da aproximação do sensor de uma fonte de radiação mais intensa.

TP1 deve ser ajustado para o melhor rendimento, quando então máxima tensão alternante é obtida sobre R2.

 

V1 - ZP1406 - válvula Geiger-Müller (Philips)

Q1 - TIP31 - transistor NPN de potência

Q2 - BC548 - transistor NPN

Q3 - BC558 - transistor PNP

D1, DZ, D3 - 1N4007 ou BY127 – diodos retificadores

B1 – 6 V - 4 pilhas médias ou grandes (preferivelmente alcalinas)

T1 - transformador com primário de 110/220 V e secundário de 6 + 6 V de 100

a 250 mA

S1 - interruptor simples

M1 - microamperímetro de 0-200 uA ( VU)

TP1 - 4k7 - trimpot

C1 – 1000 uF x 6 V - capacitor eletrolítico

C2 – 47 nF - capacitor cerâmico ou de poliéster r

C3 – 100 nF - capacitor cerâmico ou de poliéster

C4, C5, C6 - 150 a 470 nF x 600 V - capacitores de poliéster

C7 – 470 nF a 1uF - capacitor cerâmico, de poliéster ou eletrolítico

R1 – 1 k - resistor (marrom, preto, vermelho)

R2 – 10 k - resistor (marrom, preto, laranja)

R3 – 47 k - resistor (amarelo, violeta, laranja)

R4 – 470 k a 1M5 - resistor (escolher o melhor valor)

R5 – 100 k - resistor (marrom, preto, amarelo)

R6 - 1k2 - resistor (marrom, vermelho, vermelho)

Diversos: placa de circuito impresso, caixa para montagem, material para o sensor, cabo blindado, suporte para 4 pilhas médias ou grandes, fios, solda etc.